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A norma do art 125 do CPP: admissibilidade de provas não proibidas

III. Atipicidade

III.2. Legalidade da prova

III.2.1. A norma do art 125 do CPP: admissibilidade de provas não proibidas

Do ponto de vista das proibições de prova, BENJAMIM SILVA RODRIGUES identifica

várias interpretações possíveis da norma do art. 125 do CPP126:

i) Não admissão dos meios de prova expressamente proibidos por lei;

ii) Não admissão dos meios de prova, expressa ou implicitamente, proibidos por lei;

iii) Não admissão dos meios de prova que, ainda que não expressa ou implicitamente proibidos por lei, restrinjam direito fundamental tido, constitucionalmente, como inviolável, ou afectem, de forma insuportável, o seu núcleo essencial;

iv) Não admissão dos meios de prova que não superem o “teste dos doze testes”127.

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Assim, GUEDES VALENTE, que reconhece como «guardiões do princípio da legalidade» a obrigatoriedade de fundamentação das decisões e o exame crítico da prova – in Processo Penal, p. 209.

124 STJ, acórdão de 2/4/2008, proc. n.º 08P578, relatado por S

ANTOS CABRAL.

125 TRP, acórdão de 22/9/2010, proc. n.º 125/08.4GAPRD.P1, relatado por J

OAQUIM CORREIA GOMES.

126 In Da prova penal: novos métodos “científicos” de investigação criminal nas fronteiras das nossas crenças,

tomo VI, s.l., Rei dos Livros – Letras e Conceitos, 2011, p. 34.

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Esta teoria é desenvolvida por SILVA RODRIGUES, com o objectivo de estabelecer critérios de admissibilidade de novos métodos probatórios. Consistiria nas seguintes doze questões: «1) existe lei?; 2) existe lei e verifica-se a situação legalmente prevista por existir, in casu, “suspeita fundada”; 3) não existe lei: o novo método é de natureza “científica” ou “não científica”? (…) [para aferir desta natureza estabelecem-se outros testes de corroboração do teor científico: testibilidade, manutenção de standards, conhecimento de possibilidade de

Face à epígrafe do preceito em análise, o sentido a dar ao princípio da legalidade, nesta sede, será o de demarcar procedimentalmente os meios de prova legalmente previstos128 e o de constituir parâmetro base da admissibilidade da prova. Ou seja, ainda que a norma prevista no art. 125 do CPP seja partidária da (liberdade de) prova atípica, tal liberdade tem determinadas condições de validade: o respeito pelos valores fundamentais legalmente garantidos, verdadeiros critérios da verdade judicialmente obtida (cfr. capítulo II)129. Tendo presente a máxima de interpretação da lei assente na presunção de que o legislador “consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em

margem de erro, aceitação da técnica pela comunidade científica internacional – cfr. infra ponto V.2]; 4) o novo método probatório contende com direito fundamental (…) inviolável e cuja restrição ou limitação não se encontra constitucionalmente prevista?; 5) o novo método probatório envolve procedimentos que configurem preenchimento de um ilícito-típico criminal?; 6) o novo método probatório não é susceptível de uma abertura total ou só parcial à investigação de alguma criminalidade?; 7) a admissibilidade de um novo método probatório é suportada pela necessidade de concordância prática entre os direitos fundamentais em “liça”?; 8) a admissibilidade do novo método probatório somente é configurável a partir de uma limitação temporal da medida?; 9) o novo método probatório, sendo científico, respeita os métodos científicos de conduta e “chain of

custody” desde o momento da recolha até à preservação e valoração de tal tipo de prova?; 10) o novo método

probatório possui, no seu formalismo, mecanismos de protecção do âmbito pessoal” imprescindível à afirmação da eminente dignidade da pessoa humana?; 11) o novo método probatório prevê a necessidade de proximidade temporal entre o momento autorizativo e o momento executivo?;12) o novo método probatório respeita o princípio da proibição da transmigração da prova produzida em dado processo em curso para outro a instaurar ou já instaurado?» – in ob. cit., tomo VI, pp. 35-36. Note-se que, no que aos meios ou métodos científicos de prova, ZAPPALÀ entende que só se poderão admitir aqueles que a ciência considere “seguros” ou capazes de produzir certeza (no original: «sicuri o capaci di produrre certeza») – in Il principio di tassativita dei mezzi di

prova nel processo penale, Milano, Dott. A.Giuffrè Editore, 1982, p. 136. Da nossa parte, sem rejeitarmos por

completo o trabalho de sistematização de critérios descrito, entendemos que aos juízos de admissibilidade, geral, de prova, assentes nas normas e princípios fundantes do nosso ordenamento, já explanados no capítulo II, acrescentam-se pressupostos de admissibilidade e de aquisição da prova atípica a desenvolver infra, capítulo IV.

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ASTANHEIRA NEVES enfatiza esta ideia de legalidade de prova, que apresenta como limite ao princípio da investigação – apud MEDINA DE SEIÇA, loc. cit., p. 1408.

129 Assim, a propósito do CPP anterior, F

IGUEIREDO DIAS havia afirmado que «o princípio segundo o qual só poderão utilizar-se os meios de prova admitidos em direito (art. 173 do CPP [de 1929]) constitua um limite ao princípio da investigação é ideia que […] não poderemos aceitar. A legalidade dos meios de prova, bem como as regras gerais de produção de prova e as chamadas “proibições de prova” […] são condições de validade processual da prova e, por isso mesmo, critérios da própria verdade material» – in Direito Processual Penal, 1.ª Edição 1974, Coimbra, Coimbra Editora, 2004 (reimpressão), pp. 196-197.

termos adequados” (n.º 3 do art. 9.º do CC), acreditamos, pelo exposto, que faz todo o sentido que a epígrafe do referido preceito seja legalidade da prova e não liberdade ou atipicidade da prova, na medida em que o legislador ‘manda’, em primeiro lugar, interpretar o sistema probatório positivamente, consagrando a legalidade como critério essencial de admissibilidade da prova penal. Assim, como se verá, para salvaguarda dos direitos e liberdades fundamentais, bem como de valores fundantes como a segurança jurídica, em primeiro lugar o aplicador da lei processual penal terá de agir em conformidade ao normativamente estabelecido e, num segundo momento, poderá gozar da liberdade que lhe é conferida pela própria legalidade processual (que deriva, nunca esquecer, da constitucional)130. Ou seja, como se tem vindo a esclarecer, «o princípio geral da livre recolha de provas, (…) está sujeito à legalidade ou legitimidade das mesmas, impostas pela necessidade de travar a violação ou ofensa dos direitos e garantias constitucionais consagrados em benefício dos cidadãos.»131

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É possível observar vários momentos ou etapas de admissibilidade da prova atípica nas seguintes palavras de SILVA RODRIGUES (o que, aliás, completa o que já ficou expresso em todo o capítulo II): «(…) contrariando uma corrente doutrinária que assenta na errada compreensão do art. 125 do CPP, visto que retira da não proibição de um dado meio de obtenção da prova, imediata e automaticamente, a sua licitude, assim se esquecendo que, mesmo não se encontrando proibido, tal meio de obtenção poderá ser inadmissível por lesar, em alto grau, os direitos fundamentais, que, como é sabido, possuem um regime apertado de restringibilidade ou limitação, por força do disposto no art. 18, n.º 2, da CRP 1976». – in ob. cit., tomo II, p. 325. Daí que venha, de seguida, a afastar a admissibilidade do scanner corporal integral como meio de prova ou de prevenção de criminalidade organizada e internacional, uma vez que «não existindo lei expressa, clara e precisa, a permitir tal meio de obtenção de prova, para efeitos de prevenção e de segurança no tráfego aéreo, tal não legitimará, sem mais, que tal meio gravoso de lesão da reserva da intimidade da vida privada pessoal e familiar possa ser admitido, conjuntamente com o acervo probatório que gera, ao nível do processo penal português.». Afirma o Autor, ademais, que haverá meios menos lesivos para a prossecução do mesmo objectivo (referindo-se ao princípio da necessidade e a «carência de “tutela investigatória”») do que tal meio, que afecta o direito à reserva da vida privada, podendo revelar «que o arguido tinha uma prótese, numa anca, que ninguém sabia e, a partir daí, todos sabem ou podem saber» – in ob. cit., pp. 325-326. Em suma, SILVA RODRIGUES pretende reforçar a ideia de que o «facto de um dado método probatório não ser proibido [não significa] que ele será automaticamente admitido no processo penal português» – in, ob. cit., tomo VI, p. 33.

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SIMAS SANTOS e LEAL-HENRIQUES, in Código de Processo Penal anotado, vol. I, 2.ª edição (reimpressão actualizada), Lisboa, Editora Rei dos Livros, 2003, p. 658. Desta interpretação da norma consagrada no preceito em análise, os Autores concluem que um tal princípio é «corolário lógico (…) [do princípio da] legalidade das

Em suma, a norma do art. 125 do CPP não se limita a afastar a utilização de métodos probatórios proibidos por lei, mas também não constitui uma simples regra de permissão de recurso a meios de prova não tipificados, procurando uma solução equilibrada pelos princípios fundantes do sistema probatório e ultrapassando a redutora dicotomia (simplista) taxatividade versus atipicidade da prova.