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Necessidade e adequação do meio atípico de prova

IV. Admissibilidade de meios atípicos de prova

IV.2. Transposição para o ordenamento português

IV.2.1. Admissibilidade da prova atípica e princípios do sistema probatório

IV.2.1.1. Necessidade e adequação do meio atípico de prova

Quer o sistema português, quer o italiano tipificam meios probatórios idóneos à descoberta da verdade, permitindo simultaneamente a utilização e a produção de prova atípica (saliente-se novamente, desde que não proibida).

Assim, consideramos que «pressuposto para a assunção de uma prova atípica é a falta de um meio probatório típico idóneo a conseguir um resultado cognoscitivo»232 – isto porque a verdadeira necessidade de recurso à prova atípica deve ser condição da admissibilidade da mesma, reconhecendo-se a existência de real subsidiariedade face aos meios tipificados e, portanto, regulados e procedimentalizados.

340.º» e acrescenta que «os meios atípicos estão subordinados aos demais limites constitucionais e legais de admissibilidade da prova, como os resultantes do artigo 126.º» [negrito no original].

231 Assim, P

INTO DE ALBUQUERQUE, in ob. cit., p. 333, em anotação ao art. 125.

232 N.T

RIGIANNI, apud MEDINA DE SEIÇA, in loc. cit., p. 1411. RICCI, pelo contrário, parece rejeitar esta teoria, admitindo a utilização de prova atípica “substitutiva” de correspondente prova típica (utilizável) – o autor utiliza os exemplos de prova testemunhal extrajudicial (atípica) e prova testemunhal judicial (típica), na falta de disposição expressa que proíba ou que estabeleça prevalência da prova típica sobre a atípica, em sede processual civil – in “Atipicità della prova, processo ordinario e rito camerale”, Rivista trimestrale di diritto e procedura

O primeiro pressuposto de admissibilidade da prova atípica deverá, portanto, colocar- -se no plano da necessidade, face à matriz do actual Estado de Direito Democrático, por força da qual o sistema processual penal, em geral, e o sistema probatório penal, em particular, se regem, positivamente, pela legalidade. Tal como explanado supra (v. ponto III.2.2.), a leitura positiva do ordenamento da prova em processo penal constitui garantia de direitos e liberdades fundamentais e das segurança e confiança jurídicas dos seus titulares. A necessidade de recurso à prova atípica, aliada a este conceito positivo de legalidade, destinado à salvaguarda de valores fundantes da República, deverá, pois, ser encarado como critério essencial de admissibilidade da prova penal, entendendo-se que só será, verdadeira e legitimamente, necessário o recurso à admissão de prova atípica em caso de inexistência de meio típico de prova adequado. Neste sentido, a prova atípica será, tal como já vimos dando a entender, residual, apresentando-se como necessária perante a ausência da experiência e da consolidação de determinado meio ou método, que justificaria a sua previsão legal – de resto, foi o conhecimento empírico que levou o legislador a consagrar e regular os actuais meios de prova atípicos, primeiro os pessoais e, mais tarde, os reais.

Num Estado de Direito Democrático, a necessidade de prova, neste caso, de admissão de prova atípica, consubstancia, ainda, critério de proporcionalidade, que vigora mais notoriamente em sede de restrição de direitos, liberdades e garantias (cfr. n.º 2 do art. 18 da CRP), mas norteia, igualmente, toda a produção de prova, do ponto de vista da sua adequação à finalidade com a mesma prosseguida: a descoberta da verdade. Deste modo, a necessidade de recurso a meio atípico de prova é expressão da própria finalidade do princípio da investigação, consagrado no art. 340 do CPP: toda a prova, seja oficiosamente ordenada, seja requerida pelos sujeitos processuais, terá de se afigurar necessária, apropriada e idónea para se alcançar a verdade judicial. Por este motivo, o meio atípico terá (também) de ser adequado à prova dos factos em causa233. A inadequação é, aliás, motivo de rejeição do requerimento de prova [cfr. al. b) do n.º 4 do art. 340 do CPP].

233

Enquanto para os meios típicos essa adequação é abstractamente admitida pelo legislador, constituindo ratio

essendi da sua previsão normativa, nos meios atípicos esse juízo terá de ser concretamente aferido – cfr.

SIRACUSANO, in ob. cit., p. 324. Esta aferição concreta da idoneidade da prova, segundoRICCI, significa que vale apenas para aquele processo, devendo ainda ser entendida como abstracta, no sentido de se referir ao meio de prova «in sé e per sé», não em relação directa com os factos a provar; como exemplo de meios probatórios

Na jurisprudência portuguesa encontramos decisões que traduzem o que acaba de ser dito: o princípio da investigação está, efectivamente, condicionado pelo princípio da necessidade234.

Já os tribunais espanhóis equiparam, por vezes, a necessidade da prova, enquanto condição da sua admissão e produção no processo, à exigência de pertinência da prova, que o direito processual espanhol também consagra. DÍAZ CABIALE entende que tal equiparação se deve à impossibilidade de aferir da necessidade de determinado meio de prova a priori235, ainda que o Supremo Tribunal espanhol venha afirmar que «la necesidad de la prueba supera en exigências el requisito de la pertinencia»236. O citado Autor, reconhecendo que nos encontramos perante conceitos que possuem diferenças quer no plano dos respectivos graus de exigência, quer quanto aos momentos temporais de aferição, afirma, adiante, que o juízo sobre a pertinência e a relevância do meio de prova é “la verdadera piedra angular” do momento da sua admissão no processo, incluindo os casos em que se trata de meio atípico de prova237. Na medida em que a pertinência é definida por DÍAZ CABIALE como a relação fáctica entre o facto objecto de prova e os factos objecto do processo238, da nossa parte entendemos que o juízo de pertinência, relevante, no direito espanhol, para efeitos de exercício do direito à prova, é, de facto, menos exigente do que o juízo de necessidade, fundamental, cremos, em sede de admissibilidade de meios atípicos de prova. Como ficou demonstrado, a necessidade implica uma análise mais profunda sobre a relevância e a própria legitimidade de produção da prova que a coloca (quase) no plano da proporcionalidade e, mais directamente, da adequação do meio à prossecução de um resultado: a descoberta da verdade. Acresce que, tal como afirma DÍAZ CABIALE, a necessidade da prova pressupõe a

inidóneos a doutrina italiana dá os exemplos dos métodos espíritas, telepáticos e astrológicos, entre outros – in ob. cit., p. 537.

234 Assim, o STJ, num aresto de 25/2/1998, citado por S

IMAS SANTOS e LEAL-HENRIQUES, in ob. cit., p. 661.

235 In ob. cit., p. 74. O Autor, justifica, adiante, a posição assumida, dizendo que a “influência” de um meio de

prova (na descoberta da verdade) é algo, do ponto de vista lógico, impossível de determinar em momento anterior ao da sua produção; por isso prefere aplicar o conceito de ‘utilidade’ no momento de admissão da prova – in ob. cit., p. 75.

236

Ibidem, p.74.

237

In ob. cit., p. 94.

238 Assim define o Autor in ob. cit., p. 95 – como, aliás, já havíamos referido supra, no ponto III.3.1., a

sua pertinência, mas a pertinência não significa, forçosamente, a necessidade do meio pertinente239. Pode, pois, a nosso ver, a existência de outros meios menos lesivos dos direitos ou interesses dos envolvidos e, particularmente, de meios típicos de prova, igualmente pertinentes e que revelem a mesma utilidade para efeitos de descoberta da verdade, determinar a desnecessidade da prova atípica pertinente.

IV.2.1.2. Respeito pela dignidade da pessoa humana – núcleo dos direitos fundamentais