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Exercício do contraditório – determinação da obtenção da prova

IV. Admissibilidade de meios atípicos de prova

IV.1. O art 189 do CPP Italiano

IV.1.3. Exercício do contraditório – determinação da obtenção da prova

Ultrapassados os limites supra referidos, o art. 189 do CPPit exige, ainda, expressamente, que, antes da determinação do meio de aquisição da prova atípica, as ‘partes’

214 Cfr.C

ONSO e GREVI, Profili, p. 240. Dignidade e liberdade humanas que se relacionam e constituem o núcleo essencial dos direitos fundamentais, como se comprova pelo afastamento pelo Corte di Cassazione (italiano) da prova por registo audiovisual do domicílio como prova atípica, na medida em que a aplicação de tal regime de liberdade e atipicidade da prova pressupõe a obtenção e a formação lícita dessa mesma prova – ou seja, a licitude da aquisição da prova é condição da sua admissibilidade e depende não apenas de não se verificar uma proibição expressa de prova, mas também de não se lesar, ilegitimamente, os direitos tutelados pela lei, fundamental ou ordinária –, entendendo aquele tribunal superior que, no caso, se violou o direito à inviolabilidade do domicílio, consagrado no art. 14 da Constituição italiana – cfr. ALBERTO CAMON, “Corte di Cassazione. Sezioni Unite, 28/07/2006, Le sezioni unite sulla videoregistrazione come prova penale : qualche chiarimento e alcuni dubbi nuovi”, Rivista italiana di diritto e procedura penale, Milano, Nuova serie, Anno XLIX, fasc. 4, Ottobre-Dicembre 2006, pp. 1537 e ss. (sobretudo, pp. 1545 e ss.). A tónica que o Corte di

Cassazione coloca na admissibilidade deste tipo de prova e não na sua ‘utilizzabilità’ é criticado no comentário

a esta decisão pelo Autor referido, considerando este que não se trata de prova atípica, mas proibida, pelo que não é da norma do art. 189 do CPPit que extrai a sua inutilizzabilità – cfr. ibidem, p. 1561.

215 Assim, G

REVI, in CONSO e GREVI, Compendio…, p. 298.

216 Neste sentido, R

se pronunciem, assumindo o exercício do contraditório217 um papel relevantíssimo no juízo de admissão de meio probatório atípico em cada processo concreto. Assistiu-se, com esta previsão expressão, a uma certa viragem para o acusatório, no plano probatório, permitindo- -se e, neste caso, exigindo-se uma maior intervenção das ‘partes’ na descoberta da verdade218. Para além da garantia do contraditório, acompanhamos MARINELLI quando afirma que

a razão de ser desta previsão de audição e pronúncia prende-se com a inexistência de uma pré-determinação de um método de obtenção da prova adequado ao meio atípico de que se pretende fazer uso, suprimindo-se tal ‘lacuna’ com uma decisão judicial precedida pelo exercício do contraditório219. Pelo que, em última análise, a atipicidade do meio de prova implicará (muitas vezes) a atipicidade do meio de obtenção dessa mesma prova220. Deste modo, o legislador italiano introduziu (mais) um elemento de “racionalidade” no seio da “discricionariedade” da definição do método de obtenção do meio atípico por parte do juiz221. Saliente-se que o facto de se admitir o recurso a meio de obtenção tipificado, por se considerar adequado para adquirir o meio atípico, não compromete o carácter atípico deste, muito menos dispensando a necessidade de respeitar os seus requisitos de admissão222.

O respeito pelo contraditório constitui, pois, um limite de ordem processual na admissibilidade de meios atípicos de prova. No entanto, não é, absolutamente, clara a interpretação desta parte da norma do art. 189 do CPPit por parte da doutrina italiana. A norma é expressa quanto à obrigatoriedade de o juiz ouvir as ‘partes’, havendo algumas dúvidas acerca do papel do juiz após esta audição: deverá decidir, fundamentadamente, ou, simplesmente, homologar um eventual consenso? Na medida em que é o juiz quem deverá,

217

No direito italiano a importância do contraditório na admissibilidade da prova atípica é reconhecida não só pelos processualistas penais, mas também pelos processualistas civis, advogando TARZIA que o contraditório sobre a admissão, aquisição e formação da prova atípica é pressuposto essencial, ainda que não exclusivo ou único, para efeitos de admissão da dita prova – apud GIANCARLO MAERO, ob. cit., pp. 78 e ss. Alguma doutrina processual civilista chega, mesmo, a defender o respeito pelo contraditório como a única condição de admissibilidade de meios atípicos de prova – posição criticada por CAVALLONE, in ob. cit., pp. 1352 e ss.

218

Cfr., sobre esta “viragem”, CORBI, ob. cit., pp. 286 e ss.

219

In ob. cit., p. 121.

220

Assim, RICCI, apud MARINELLI, ob. cit., p. 121.

221 De modo aproximado, O

RESTE DOMINIONI, in ob. cit., p. 258.

222 Cfr., neste sentido, M

nesta sede, assumir o papel garantístico, entendemos que será o mesmo quem determina qual o modo de obtenção da prova atípica, tendo em conta os restantes contributos223. O exercício do contraditório não será meramente formal, estando o juiz vinculado ao dever de fundamentação das decisões, contrapondo ou acolhendo a argumentação expendida pelas partes. No entanto, a decisão última de admissão da prova atípica não poderia depender de outro sujeito processual nem estar unicamente nas suas mãos, procurando-se uma equilibrada ponderação dos vários interesses contrapostos nesta matéria.

Caso a decisão judicial acerca do modo de aquisição probatória não seja cumprida, levantam-se dúvidas quanto à aplicação do vício-sanção da inutilizzabilità a tal situação224. Poderá, no ordenamento italiano, defender-se a proibição de utilização da prova adquirida em desrespeito daquela resolução judicial com base na norma do § 1.º do art. 526 do CPPit – que veda o uso, como fundamento da decisão final, da prova ilegitimamente adquirida no julgamento225. Evidentemente que se o desrespeito pela fixação judicial do método de obtenção da prova atípica se traduzir na adopção de método proibido, a sanção será (sempre) a inutilizzabilità226. Da nossa parte entendemos que, enquanto a regulação da aquisição e produção dos meios de prova típicos disciplina o exercício do poder investigatório e do direito probatório, a definição judicial do modo de aquisição do meio de prova atípico diz respeito não apenas ao modo de exercício dos mesmos, mas à sua legitimidade, tal como sucede com os limites de admissibilidade da prova (cfr. supra II.2.). Daí que, numa perspectiva sancionatória, se possa aproximar da consequência associada às proibições de prova – a proibição de utilização ou de valoração – e não à mera preterição de uma formalidade ou trâmite procedimental probatório. Em sentido aproximado, com o qual manifestamos a nossa concordância, ORESTE DOMINIONI227 lê a legalidade probatória, para

223 T

AORMINA advoga que o juiz tem o dever de ouvir as “partes”, sem, porém, estar vinculado às posições pelas mesmas assumidas; o que leva a que seja o juiz a determinar o modo de aquisição da prova quer quando há acordo entre os sujeitos processuais, quer quando o juiz entenda que deve ser adoptado meio diverso do indicado por aqueles – apud RICCI, ob. cit., p. 539.

224 V., a este propósito, M

ARINELLI, ob. cit., pp. 125 e 126. O Autor aponta, como “via d’uscita”, a aplicação da norma do §1.º do art.526 do CPPit, tal como se refere no texto.

225

O texto da citada norma do CPPit é o seguinte: «Il giudice non può utilizzare ai fini della deliberazione prove diverse da quelle legittimamente acquisite nel dibattimento».

226 Parece ser esta também a posição de M

ARINELLI, expressa in ob. cit., p. 127.

efeitos da sua tutela sancionatória, num duplo sentido: legal e judicial. Ou seja, se na prova típica se terão de cumprir os procedimentos e as garantias probatórias legalmente previstas, em sede de atipicidade da prova é a lei que atribui ao juiz o poder-dever de prescrever qual o método de obtenção da prova que se deverá, no caso, adoptar, enquadrando-se, ainda, este poder-dever na mesma “matriz sistemático-normativa” das garantias probatórias e proibições correspondentes. A aplicação da sanção de inutilizzabilità à preterição da determinação judicial do modo de aquisição da prova atípica opera-se, segundo o mesmo Autor, por via de uma interpretação sistemática e não pela via analógica, baseando-se num «único concetto normativo di divieto probatório (…) [porque] unica è la matrice normativa che li insedia nel sistema»228.