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A nova relação entre Estado e economia

No documento greicedosreissantos (páginas 33-37)

CAPÍTULO 1 GRAMSCI E A QUESTÃO BUROCRÁTICA

1.3 Estado Integral

1.3.1 A nova relação entre Estado e economia

De acordo com Bianchi (2008), não existe a possibilidade de negarmos a existência de uma leitura hegemônica da obra gramsciana. Nela, em geral, o autor italiano se estabeleceria como um teórico das superestruturas, um profeta da sociedade civil e um guardião da “ ” O uma apropriação limitada do conceito gramsciano de Estado para a qual a interpretação de Norberto Bobbio tornou-se a referência. Essencialmente, nessa apropriação, a unidade entre estrutura e superestrutura, sociedade política e sociedade civil, ditadura e hegemonia é rompida, e uma relação de oposição é formada entre cada um desses termos. Para superar as

9 “É – entre sociedade política e sociedade civil – que, segundo Gramsci, começa a mudar já no

século XIX, para afirmar-se plenamente no século seguinte. Como se sabe, tal mudança é expressa pela h áf “O -O ” (LIGUORI 2007 14) P f informamos que esse debate será trabalhado no item 1.3.2 deste estudo.

falsas interpretações instituídas entre essas categorias e revalorizar o caráter dialético do pensamento de Antonio Gramsci, é imprescindível uma leitura que reconheça o caráter fragmentário de sua obra, as fontes as quais ele utiliza e o tempo de sua produção (BIANCHI, 2008, p. 173).

O ponto de partida para o desenvolvimento da análise do conceito de Estado pode ser encontrado em uma nota presente no Caderno 10. Nesta, Gramsci afirma:

“[ ] fundamentais produtivas (burguesia capitalista e proletariado moderno), o Estado só é concebível como forma concreta de um determinado mundo econômico, de um determinado sistema de produção, disso não deriva que a relação de meio e fim seja facilmente determinável e assume o aspecto de um à ” (GRA SCI 2001 427).

Nessa passagem, o autor procura expor a relação indissociável entre o Estado e o mundo econômico. Todavia, tal relação não pode ser determinada de maneira fácil sob a forma de um simples esquema.

Para compreender a economia, na realidade de seu tempo, Gramsci vai desenvolver uma análise sobre o americanismo e o fordismo10, a fim de identificar como o processo de desenvolvimento do capitalismo vai interferir no modo vida da classe trabalhadora. Neste âmbito, como veremos, o papel do Estado ganha centralidade, na medida em que é necessário refuncionalizar suas funções face às mudanças em curso. Estamos, aqui, no início do século XX, precisamente, marcado pela crise de 1929.

Nesse contexto, Gramsci se interessa pelo fenômeno, então recente, dos títulos públicos, que capturam o Estado tornando-o um poderoso pulmão financeiro a serviço do capital (LIGUORI, 2007). Com o crack da bolsa de Nova Iorque, a confiança no sistema capitalista está fortemente enfraquecida. Em vista disso, Gramsci (2001a, p. 276-277) escreve:

A massa dos poupadores busca se desfazer completamente das ações de todo tipo, altamente desvalorizadas; prefere as obrigações às ações, mas prefere os títulos do Estado a qualquer outra forma de investimento. Pode-se dizer que a massa dos poupadores quer romper toda ligação direta com o conjunto do sistema capitalista privado, mas não recusa sua confiança ao Estado: quer participar da atividade econômica, mas através do Estado [...]. o Estado é assim investido de uma função de primeiro plano no sistema capitalista, como empresa (holding estatal) que concentra

10 No caderno 22, sobre o “A F ” G : “P -se dizer, de modo genérico, que

o americanismo e o fordismo resultam da necessidade imanente de chegar à organização de uma economia programática e que os diversos problemas examinados deveriam ser os elos da cadeia que marcam precisamente h ô á [ ]” (GRA SCI 2001 241) Em outros termos, Gramsci procura mostrar o movimento de transição do modo de produção capitalista que deixa de ser baseado no individualismo econômico, típico do capitalismo concorrencial, passando a ser marcado pela economia programática, altamente influenciável pela figura do Estado.

a poupança a ser posta à disposição da indústria e da atividade privada, como investidor a médio e longo prazo [...].

O Estado, então, assume claramente a função de investidor econômico, haja vista a necessidade de manter e consolidar o desenvolvimento da economia. Nesse quadro, Gramsci apreende com clareza a passagem do capitalismo concorrencial para sua fase monopólica, h f : “C f h produtivo tal como existe num determinado momento; trata-se de reorganizá-lo a fim de desenvolvê-lo paralelamente ao aumento da população e das necessi ” (GRAMSCI, 2001a, p. 277). Deste modo, o autor analisa o movimento de transição do sistema capitalista que, em determinado momento, passa a demandar maiores intervenções do Estado, a fim de que o contínuo desenvolvimento do processo produtivo seja assegurado.

N E é h f “ õ à f ê [ ]” j f “ õ éf ” (GRAMSCI, 2001a, p. 277). Face ao esgotamento da economia, o Estado passa a desempenhar funções em substituição ao setor privado. Neste âmbito, Gramsci (2002, p. 316) “ f certa função e esta é necessária para renovar a vida nacional, é melhor que o Estado assuma a f ” D f E á capital.

No contexto em que vivenciou, portanto, Gramsci identifica uma nova forma de operar do Estado que o impele a desenvolver intervenções na produção, introduzidas na sociedade capitalista como alternativa ao mercado. Deste modo, é verdade, para o marxista sardo, que, no século XX, o Estado acaba por redefinir as próprias relações com a economia em função da necessidade de o capital superar a própria crise (LIGUORI, 2007, p. 19).

É assim, no interior desse cenário, que Gramsci capta a importância da tarefa f E j f é “ ” “à s do contínuo desenvolvimento do aparelho econômico de ” (GRAMSCI, 2000, p. 23). Assim, se, por um lado, o Estado assume claramente o papel de agente econômico – responsável por garantir o direito de propriedade e o monopólio dos meios de produção – por outro, ele necessita produzir o pensamento de que é capaz de consensualizar, a fim de evitar radicalizações.

O Estado, corrobora Gramsci (2000, p. 265), quando quer dar início a uma ação impopular forma preventivamente a opinião pública apropriada, isto é, organiza e concentra certos elementos da sociedade civil11.

“A ú é ú ú discordante: por isto, existe luta pelo monopólio dos órgãos da opinião pública – jornais, partidos, Parlamento –, de modo que uma só força modele a opinião e, portanto, a vontade política nacional, desagregando os que discordam numa nuvem de poeira individual e inorgâni ” (GRAMSCI, 2000, p. 265).

Fundamental para o sardo comunista, então, é o entendimento de que o consenso – expresso pelos chamados órgãos da opinião pública – é um elemento indispensável para o fortalecimento da dominação de classes. Nesse sentido, o E é “e ” é “é ” N G :

[...] todo Estado é ético na medida em que uma de suas funções mais importantes é elevar a grande massa da população a um determinado nível cultural e moral, nível (ou tipo) que corresponde às necessidades de desenvolvimento das forças produtivas e, portanto, aos interesses das classes dominantes. A escola como função educativa positiva e os tribunais como função educativa repressiva e negativa são atividades estatais mais importantes neste sentido: mas, na realidade, para este fim tende uma multiplicidade de outras iniciativas e atividades chamadas privadas, que formam o aparelho da hegemonia política e cultural das classes dominantes (GRAMSCI, 2000, p. 284).

Desta forma, o Estado age para cri “ f ” j repressiva e/ou por meio do consentimento. Na realidade, diz Gramsci (2000, p. 41), “o Estado é [...] concebido como organismo próprio de um grupo, destinado a criar as condições favoráveis à expansão máxima desse grupo”. Todavia, conforme indica o autor, tal expansão não pode aparecer como realização dos interesses particulares do grupo diretamente favorecido. Ao contrário, ela deve apresentar-se “ x ” incorporar à vida estatal interesses e reivindicações das classes subalternas, a fim de enquadrá-las na ordem vigente. Resultado de lutas permanentes e da formação de equilíbrios instáveis entre os interesses do grupo fundamental e os interesses dos grupos subordinados, esta incorporação, por parte do Estado, se dá na medida da necessidade de garantia da estrutura de dominação fundada na propriedade privada. Neste terreno, podemos constatar que

11 “É preciso distinguir a sociedade civil tal como é entendida por Hegel e no sentido em que é muitas vezes

usada nestas notas (isto é, no sentido da hegemonia política e cultural de um grupo social sobre toda a sociedade, como conteúdo ético do Estado) do sentido que lhe dão os católicos, para os quais a sociedade civil, ao contrário, é E [ ]” (GRA SCI 2000 225) A f õ E “ ” h h

a dimensão consensual do Estado, aliada à força, ganha centralidade, se consideramos o processo de desenvolvimento do capitalismo, no século XX.

Explicitadas estas considerações, chegamos agora no ponto da exposição no qual se faz necessário precisar as determinações do Estado. Os elementos gerais foram apresentados, desse modo, não será difícil compreender onde pretendemos chegar.

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