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O Estado capitalista e as classes sociais

No documento greicedosreissantos (páginas 72-77)

CAPÍTULO 2 POULANTZAS E A QUESTÃO BUROCRÁTICA

2.2 Poder Político e Classes Sociais

2.2.2 O debate sobre o Estado

2.2.2.2 O Estado capitalista e as classes sociais

Para tratar o problema das classes, Poulantzas recorre às obras políticas de Marx e busca compreender a sua relação com a análise exposta em O Capital. Todavia, antes mesmo de entrar nesse debate, Poulantzas (1986) alega que existe uma leitura desses textos que necessita ser afastada; segundo o autor, é a leitura histórico-genética que, com base nos textos de Marx, identifica neles uma historio f “ ê ” P intelectual, essa leitura reporta-se à problemática historicista e é, precisamente, na teoria das classes que se expressa o seu caráter inapropriado. Nessa teoria, afirma Poulantzas, podemos localizar correntes que importam para o seio do marxismo o esquema ontológico-genético da

h “ h f h ”34

. Com base na análise de Althusser, conforme indicado na primeira seção deste capítulo, Poulantzas rejeita claramente essa interpretação, visto que, para ele, os indivíduos não são os sujeitos da história, mas sim as relações de produção (as classes sociais).

Sem delonga, entretanto, é importante sinalizar que existe também outra deformação da teoria marxista acerca das classes. Trata-se, segundo Poulantzas, da interpretação “ ” N õ j “ à alho e às suas õ ” (POULANTZAS 1986 60).

Quando analisa os textos de Marx, Poulantzas alega que, para o intelectual alemão, as análises referentes às classes dizem respeito não somente à estrutura econômica – relações de produção –, mas ao conjunto das estruturas que conformam o modo de produção em uma formação social e às relações entre as distintas instâncias. Em outros termos, o que o autor procura dizer é que as classes são o efeito das estruturas, em seu conjunto, e das suas relações. Desta forma, elas podem ser identificáveis em todos os níveis de uma formação: econômico, político e ideológico.

De modo preciso, a classe social é um conceito que indica os efeitos do conjunto das estruturas, da matriz de um modo de produção ou de uma formação social sobre os agentes que constituem os seus suportes; esse conceito indica, pois, os efeitos da estrutura global no domínio das relações sociais. Neste sentido, se a classe é de fato um conceito, não designa, contudo, uma realidade que possa estar situada nas estruturas: designa, sim, o efeito de um conjunto de estruturas dadas, conjunto esse que determina as relações sociais como relações de classe (POULANTZAS, 1986, p. 65, itálicos no original).

Frente ao exposto, cabe destacar que a constituição das classes não se limita ao nível econômico, antes diz respeito ao efeito do conjunto das instâncias verificáveis no interior de uma dada formação social. A organização dessas em níveis distintos (econômico, político, ideológico) reproduz-se em á ô “ ” práticas das diferentes classes.

De acordo com Poulantzas (1986), a determinação em última instância da luta econômica de classe, no campo das relações sociais, pode refletir-se por um deslocamento do papel dominante para outro nível da luta de classe – “O determinante, na constituição das classes sociais, da sua relação com as relações de produção,

34 Para maior aprofundamento desta problemática, sugerimos uma visita a obra do autor Poder Político e Classes

[..], indica de fato, com muita exatidão, a constante determinação-em-última-instância do ô f õ ” (POULANTZAS 1986 67).

Posto isso, com base nas análises de Marx e Engels, Poulantzas procura analisar o “ ú ” m uma formação social. No exame “ ” x O Capital, pode-se identificar a presença de duas classes fundamentais: a dos capitalistas e a do proletariado assalariado. Todavia, afirma o marxista, uma formação social é marcada pela superposição de vários modos de produção, sendo um destes o responsável por exercer o papel dominante. Aqui, em “ ” -se a presença de outras classes.

Sendo assim, Poulantzas (1986) afirma ser necessário precisar o modo de presença das classes no âmbito de uma formação social. Segundo o intelectual, determinadas classes “ s” -se amiúde em uma dada formação social dissolvidas e fundidas com outras classes. A dominância de um modo de produção sobre os outros, no seio dessa formação, resulta na sub-determinação das classes dos modos não dominantes.

Para o intelectual grego, uma classe apenas existe, como classe distinta e autônoma, a “ ê ” h distinto. Na esteira marxiana, Poulantzas destaca que a existência de uma classe, entendida á à “ ”

De fato, o problema real que desta vez Marx coloca a propósito de uma formação social é que uma classe não pode ser considerada como classe distinta e autônoma – como força social – no seio de uma formação social senão quando a sua relação com as relações de produção, a sua existência econômica, se reflete sobre os outros níveis por uma presença específica. [...]. É esta presença que Marx aqui considera como organização política de uma classe em partido distinto (POULANTZAS, 1986, p. 76, itálicos no original).

A partir desse entendimento, é pertinente sinalizar, de acordo com Poulantzas (1986), duas proposições. A primeira expõe o fato de que as classes não abarcam os níveis estruturais, mas as relações sociais; tais relações consistem em práticas de classe, o que implica dizer que as classes sociais são concebíveis apenas em termos de práticas de classes distintas. A segunda proposição aponta que as classes sociais são colocadas na sua relação de oposição; desta maneira, as práticas de classe, que expressam as relações sociais, devem ser analisadas como práticas conflitantes no terreno da luta de classes, marcado por relações de oposição e contradição. A título de exemplificação, Poulantzas (1986) indica a contradição entre as práticas que objetivam a realização do lucro e as que objetivam o aumento dos salários – luta

econômica –, entre as que visam a manutenção das relações sociais existentes e as que vislumbram a sua transformação – luta política –, etc.

Salvo erro nosso, é com base nessa linha de raciocínio, que Poulantzas (1968) colocou o problema, central para a teoria política, do poder35. Sem nos deter nesta problemática, o que é x “ á ” (POULANTZAS, 1986, p. 95). Quando recorre a Marx e Engels, o intelectual grego verifica que o conceito de poder se circunscreve ao campo das relações de classe.

De certo, afirma Poulantzas, os conceitos de classe e de poder são aparentados; ambos ê õ A “ õ classe são precisamente, em todos os níveis, relações de poder, não sendo entretanto o poder senão um conceito indicando o efeito do conjunto das estruturas sobre as relações entre as

práticas das diversas classes em luta.” (POULANTZAS, 1986, p. 97, itálicos no original).

Para determinadas interpretações, as relações de poder apenas existem ao nível do político ou do ideológico, níveis estes em que se situaria a luta de classes. Entretanto, segundo o nosso pensador, essa noção resulta de uma perspectiva equivocada, que teria limitado a “ ” ô ( õ ) “ ” (relações de poder) ao nível das estruturas políticas. Nessa situação, o econômico se tornaria o campo no qual atua a política – luta de classes – e os demais níveis acima do econômico seriam reduzidos a relações de poder, isto é, ao poder de Estado. Nos termos de Poulantzas:

O que é exato é que a estrutura das relações de produção, do mesmo modo que a do político ou do ideológico, não pode ser diretamente tomada como relações de classe ou relações de poder. [...] Se as relações de produção não são um caso especial de õ é “ ô ” á consistir em relações de poder: é que nenhum nível estrutural pode ser teoricamente tomado como relações de poder (POULANTZAS, 1986, p. 98).

De posse dess õ P “ a capacidade de uma

classe social de realizar os seus interesses objetivos específicos” (POULANTZAS 1986, p.

100, itálicos no original). Para o intelectual, esse conceito diz respeito ao campo das práticas de classe e das relações entre tais práticas, ou seja, relaciona-se ao campo da luta de classes. Ainda, nas palavras de Poulantzas:

35 De acordo com Poulantzas (1986, p.95), Marx, Engels, Lenin e Gramsci não produziram teoricamente um

O conceito de poder reporta-se ao tipo preciso de relações sociais que é “conf ito”, pela luta, de classe, isto é, a um campo no interior do qual, precisamente pela existência de classes, a capacidade de uma delas realizar pela sua prática os seus interesses próprios encontra-se em oposição com a capacidade – e os interesses – de outras classes. Isto determina uma relação específica de dominação e subordinação das práticas de classes, que é precisamente caracterizada como relação de poder (POULANTZAS, 1986, p. 101, itálicos no original).

Nesta trilha de reflexão, Poulantzas sinaliza a importância da organização específica de uma classe, na medida em que esta é a condição necessária do seu poder. Todavia, adverte o autor, a organização de uma classe não é suficiente para o seu poder; por certo, a capacidade de uma classe para realizar os seus interesses depende da capacidade do adversário para realizar os seus. Dessa maneira, o grau de poder de uma classe depende de forma direta do grau de poder das demais (POULANTZAS, 1986, p. 103-104). Aqui, vejamos, além da organização, o grau de poder também é fundamental para que as classes sociais, no âmbito de uma formação social, realizem os seus interesses objetivos.

Colocado desta forma, um último elemento do conceito de poder a ser assinalado diz respeito à especificidade dos interesses de classe. Segundo Poulantzas (1986, p. 109), se os interesses de classe não estão situados nas estruturas, mas antes se constituem como efeitos dos níveis do campo das práticas de classe, é correto falar de interesses relativamente autônomos de uma classe no econômico, no político e no ideológico. Com efeito,

[..] em uma formação capitalista caracterizada pela autonomia específica dos níveis de estrutura e de práticas, e dos respectivos interesses de classe, podemos ver nitidamente a distinção entre o poder econômico, o poder político, o poder ideológico, etc., consoante à capacidade de uma classe para realizar os seus interesses relativamente autônomos em cada nível. Em outras palavras, as relações de poder não se situam unicamente ao nível político, da mesma maneira que os interesses de classe não se situam unicamente ao nível econômico (POULANTZAS, 1986, p. 109, itálicos no original).

Nesse sentido, da mesma forma que as estruturas ou as práticas, as relações de poder não conformam uma totalidade simples, antes relações complexas e determinadas, em última instância, pelo poder econômico; para Poulantzas (1986), tanto o poder político quanto o ideológico não são simples expressões do poder econômico. A título de exemplificação, deve- se inferir que uma classe pode ser politicamente dominante sem o ser economicamente; economicamente sem o ser ideologicamente, etc. Uma classe pode realizar interesses políticos sem possuir capacidade de realizar interesses econômicos e, assim, vice-versa (POULANTZAS, 1986).

Esclarecidas essas questões, a partir de agora, possuímos elementos suficientes para que possamos examinar, com maior rigor, o Estado capitalista. Em 1968, Poulantzas escreve:

Este Estado apresenta-se como um Estado-popular-de-classe. As suas instituições estão organizadas em torno dos princípios da liberdade e da igualdade dos “ ” “ A E á não na vontade divina implicada no princípio monárquico, mas no conjunto de indivíduos-cidadãos formalmente livres e iguais, na soberania popular e na E O “ ” é princípio de determinação do Estado, não enquanto composto por agentes da produção distribuídos em classes sociais, mas enquanto massa de indivíduos cidadãos, cujo modo de participação em uma comunidade política nacional se f f á x “ ”. O sistema jurídico moderno, distinto da regulamentação feudal baseada nos privilégios, reveste um á “ ” x j : é “ ”. A igualdade e a liberdade dos indivíduos-cidadãos residem na sua relação com as leis abstratas e formais, as quais “E ” O Estado capitalista moderno apresenta-se, assim, como encarnando o interesse geral de t à “ ” “ ” (POULANTZAS, 1986, p. 119).

Após precisar, portanto, algumas das características do Estado capitalista, Poulantzas busca compreender a relação específica deste Estado com as relações de produção. Nesse campo de reflexão, conforme veremos a seguir, o autor toma como referência de análise algumas questões presentes no seio do marxismo.

No documento greicedosreissantos (páginas 72-77)