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Breves considerações sobre a relação entre estrutura e superestrutura: o lugar do político

No documento greicedosreissantos (páginas 60-66)

CAPÍTULO 2 POULANTZAS E A QUESTÃO BUROCRÁTICA

2.2 Poder Político e Classes Sociais

2.2.1 Breves considerações sobre a relação entre estrutura e superestrutura: o lugar do político

Para analisar, especificamente, o lugar do político no interior do modo de produção capitalista, Poulantzas vai procurar apresentar, em primeiro lugar, as bases da teoria que

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Ao buscar formular a teoria do político, o objetivo de Poulantzas foi produzir um conceito genérico do Estado capitalista em geral, ou seja, um conceito capaz de expressar determinações presentes em todo e qualquer Estado capitalista (Codato, 2008). Mais precisamente, nesse livro, Poulantzas (1986, p.42) chama atenção para a função global do Estado, “fator de coesão dos níveis de uma formação social”, a fim de demonstrar uma de suas características gerais.

sustenta a sua pesquisa27. Neste âmbito, conforme assinalado, o marxismo e a interpretação althusseriana ganham terreno.

De acordo com o intelectual grego (1986), o marxismo é formado por duas disciplinas unidas, porém distintas, cuja distinção se baseia na diferença do seu objeto: o materialismo dialético e o materialismo histórico. O materialismo histórico, ou ciência da história, tem como objeto o conceito de história; já o materialismo dialético, ou filosofia marxista, tem como objetivo a produção do conhecimento, ou melhor, a estrutura e o funcionamento do processo de pensamento (POULANTZAS, 1986). A propósito, este último tem como objeto a teoria da história da produção científica. Nas palavras do marxista:

Sabemos que as duas proposições fundamentais do materialismo (dialético e histórico) são as seguintes:

1)A distinção entre os processos reais e os processos de pensamento, entre o ser e o conhecimento;

2)O primado do ser sobre o pensamento, do real sobre o conhecimento que dele se tem.

Se a segunda proposição é bastante conhecida, é necessário insistir na primeira: a unidade dos dois processos – do processo do real e do processo do pensamento – está baseada na sua distinção. Assim, o trabalho teórico – qualquer que seja o grau da sua abstração – é sempre um trabalho referente aos processos reais. No entanto, este trabalho, que produz conhecimentos, situa-se inteiramente no processo de pensamento: não existem conceitos mais reais que outros. O trabalho teórico parte de uma matéria-prima composta, não do real-concreto, mas antes de informações, noções, etc., sobre este real, e trata-as utilizando certos instrumentos conceituais, trabalho cujo resultado é o conhecimento de um objeto (POULANTZAS, 1986, p.12).

Para Poulantzas, no sentido rigoroso do termo, somente existem os objetos reais,

concretos e singulares28. O processo de pensamento tem como finalidade conhecer esses

objetos. Por um lado, o conhecimento desses parte da premissa de que estejam determinados na matéria- x “ ú õ ” P P f de pensamento – se é verídico que possui como finalidade e como razão de ser o conhecimento dos objetos

reais-concretos – nem sempre se relaciona com esses objetos; conforme aludido pelo

intelectual , ele pode de igual maneira reportar-se a objetos a que podemos chamar de

abstratos-formais – os quais não existem na plena acepção do termo, todavia, são a condição

do conhecimento dos objetos reais-concretos (por exemplo, Poulantzas indica o caso do modo de produção).

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Por este caminho, o autor apresenta elementos suficientes para que possamos tratar a relação entre estrutura e superestrutura.

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A depender do lugar que ocupam no processo de pensamento e do objeto de pensamento a que dizem respeito, podemos diferenciar os distintos conceitos de acordo com o respectivo grau de abstração, desde os mais pobres em determinações teóricas, até aos mais ricos (POULANTZAS, 1986). No desenvolvimento de sua análise, Poulantzas toma como exemplos dois conceitos fundamentais do marxismo histórico capazes de ilustrar bem a diferença entre objetos formais-abstratos e objetos reais-concretos: respectivamente, os de modo de produção e de formação social.

Por modo de produção, o marxista grego designa não necessariamente o que se indica como o econômico – as relações de produção em sentido estrito –, mas uma combinação específica de várias estruturas e práticas que, combinadas, aparecem como outras tantas instâncias, ou ainda, como outras tantas estruturas regionais desse modo. Para o autor, um modo de produção, tal como disse Engels, abrange distintos níveis – o econômico, o político, o ideológico e o teórico – subentendendo-se que não trata senão de uma forma esquemática e que é possível operar- “O modo de produção é o de um todo complexo com dominância, em última instância, do econômico: dominância em última instância para a qual reservaremos o termo de

determinação” (POULANTZAS 1986 13 á )

Poulantzas continua a sua exposição com a seguinte observação:

[...] a determinação, em última instância, da estrutura do todo pelo econômico não significa que o econômico aí detenha sempre o papel dominante. Se é verdade que a unidade, representada pela estrutura como dominante, implica que todo o modo de produção possui um nível ou instância dominante, de fato o econômico só é determinante na medida em que atribui a esta ou àquela instância o papel dominante, isto é, na medida em que regula o deslocamento de dominância devido à descentralização das instâncias. É assim que Marx nos indica de que maneira, no modo de produção feudal, é a ideologia – na sua forma religiosa – que desempenha o papel dominante, o que é rigorosamente determinado pelo funcionamento do econômico neste modo de produção. O que, portanto, distingue um modo de produção de outro (e que, por conseguinte, específica um modo de produção) é esta forma particular de articulação que os seus níveis apresentam entre si: é o que doravante designaremos pelo termo de matriz de um modo de produção. Por outras palavras, definir rigorosamente um modo de produção consiste em descobrir a forma particular como se reflete, no interior deste, a sua determinação em última instância pelo econômico, reflexão essa que delimita o índice de dominância e de sobredeterminação desse modo de produção (POULANTZAS, 1986, p. 14, itálicos no original).

Para o autor, o modo de produção – seja ele capitalista, escravagista ou feudal – constitui um objeto abstrato-formal que não existe na realidade. O que existe, de acordo com

Poulantzas (1986), é uma formação social – objeto real-concreto – que apresenta, em uma f “ ”

A formação social conforma uma unidade complexa com dominância de um certo modo de produção sobre os demais que a constituem. Como exemplo, Poulantzas (1968) cita a Alemanha de Bismarck, formação social dominada pelo modo de produção capitalista. Segundo o autor, a dominância de um modo de produção sobre os demais, em uma dada formação social, faz com que a determinação – em última instância pelo econômico – que a caracteriza marque o conjunto dessa formação. Nas formações dominadas pelo modo de produção capitalista, por exemplo, o papel dominante é exercido pelo nível econômico, o que não é nada mais do que o efeito da dominância, nesta formação social, desse modo de produção caracterizado pelo papel dominante que o econômico exerce.

Quando esclarece essas questões, Poulantzas delimita de forma clara o seu objeto de estudo. Como sinalizado anteriormente,

[...] é o político o objeto deste ensaio, em particular, a superestrutura política do Estado no modo de produção capitalista, quer dizer a produção do conceito desta região neste modo, e a produção de conceitos mais concretos referentes ao político nas formações sociais capitalistas (POULANTZAS, 1986, p. 15).

Para Poulantzas, construir o conceito de objeto da ciência política, procurando passar das determinações teóricas mais simples às determinações mais elaboradas, pressupõe a definição rigorosa do político como instância, nível ou região de um determinado modo de produção. Parafraseando o autor, a teoria regional do político apenas pode ascender aos conceitos mais elaborados em determinações teóricas, a partir do momento em que localizamos o seu j E “[ ] j é „ ‟ ” (POULANTZAS 1986 16). Com efeito, a sua constituição em objeto da ciência não depende da sua natureza, mas antes do seu lugar e da sua função em uma combinação particular que caracteriza esse modo de produção (POULANTZAS, 1986).

Como visto, a matriz de um modo de produção, a articulação dos níveis que o especifica, é determinada em última instância pelo econômico. Todavia, como esta determinação funciona, particularmente, no MPC? (POULANTZAS, 1986). Segundo o intelectual, bem como toda a região de uma formação, o econômico, regra geral, é constituído por certos elementos invariantes que apenas existem na sua combinação. Conforme destacado P : “1 – O trabalhador – „ ‟ – isto é, a força

de trabalho; 2 – Os meios de produção, isto é, o objeto e os meios de trabalho; 3 – O não trabalhador, que se apropria do excedente de trabalho, isto é, do produto” (POULANTZAS

1986, p. 25, itálicos no original).

São esses elementos invariantes que constituem o econômico em um dado modo de produção; eles existem em uma combinação específica, a qual é composta por uma dupla relação desses elementos: uma relação de apropriação real e uma relação de propriedade (POULANTZAS, 1986). A primeira diz respeito à relação entre o trabalhador e os meios de produção, isto é, refere-se ao processo de trabalho. A segunda, distinta da primeira, implica a intervenção do não trabalhador como proprietário, ora dos meios de produção, ora da força de trabalho, ora de ambos e, também, do produto. Precisamente, é esta relação que define as relações de produção. A título de clarificação, podemos recorrer à seguinte passagem:

Nas sociedades divididas em classes, esta relação de propriedade instaura sempre “ ” h h – propriedade do não trabalhador, o qual, como proprietário, se apropria do excedente de trabalho. Em contrapartida, no que concerne à relação de apropriação real, ela pode instaurar, nas sociedades divididas em classes, quer uma união do trabalhador e dos meios de produção – é “ é- ”; entre os trabalhadores e esses meios – caso do M.P.C. –, separação essa que intervém no estágio da grande indústria, e que Marx designa pela expressão de “ õ h ” (POULANTZAS, 1986, p. 26).

Além disso, Poulantzas (1986) afirma que essas duas relações pertencem a uma combinação específica entre o sistema das forças produtivas e o sistema das relações de produção. Esta combinação típica do MPC consiste em uma homologia das duas relações; a separação na relação de propriedade condiz com a separação na relação de apropriação real.

Dito isso, deve-se destacar que a determinação de um modo de produção, em última instância pelo econômico, depende, essencialmente, das formas que a combinação anteriormente assinalada assume. Ao reportar-se a Marx, Poulantzas faz a seguinte observação:

Vejamos o problema mais de perto, tomando esquematicamente em consideração apenas as instâncias econômica e política (particularmente as do Estado), e deixando provisoriamente de lado a instância do ideológico, Marx estabelece, tanto nos Fundamentos da Crítica da Economia Política [...] como em O Capital, as características seguintes da matriz do M.P.C.:

1)A articulação do econômico e do político neste modo de produção é caracterizada por uma autonomia (relativa) específica dessas duas instâncias.

2)O econômico desempenha, neste modo, não apenas a determinação em última instância, mas igualmente o papel dominante (POULANTZAS, 1986, p. 28, itálicos no original).

Desta maneira, Poulantzas explicita a autonomia relativa do político e do econômico no MPC e indica, regra geral, o papel dominante exercido pelo econômico nas formações dominadas por este modo de produção.

Essa autonomia, certamente, tem consequências teóricas no objeto de estudo escolhido por nosso autor; segundo Poulantzas (1986), ela torna possível uma teoria regional de uma instância desse modo de produção – a saber, uma teoria regional do Estado capitalista – além do mais, possibilita a constituição do político como objeto de ciência autônoma e específica.

Colocado desta forma, é importante deixar claro que Poulantzas apresenta de forma tênue (ou, talvez, pouco trabalhada) a relação dialética entre base material e superestrutura. Salvo erro nosso, em Poder Político e Classes Sociais, o centro de sua atenção é a autonomia relativa do político em relação ao econômico.

Sendo assim, devemos acrescentar, por fim, uma última palavra sobre as relações entre o político e o econômico que marcam distintas formas de Estado. De acordo com Poulantzas, isso será fundamental para que possamos desfazer alguns equívocos.

Existe, com efeito, toda uma tradição da teoria política que, partindo de uma delimitação ideológica da autonomia do político e do econômico, isto é, da tradição teórica do séc. XIX, e implicando precisamente o tema da separação entre a sociedade civil e o Estado, confunde essa autonomia com a não intervenção específica do político no econômico, característica da forma de Estado liberal e do capitalismo privado. O estado atual do capitalismo monopolista de Estado, pelo fato da sua marcada intervenção no econômico, implicaria assim em uma abolição da autonomia respectiva dessas regiões, características do M.P.C. e de uma formação capitalista. Consequência: a forma de Estado do capitalismo monopolista de Estado seria uma forma de transição na medida em que implicava precisamente nessa abolição. Não será demais insistir na inexatidão dessa concepção, de tal modo, é certo que as formas de intervenção ou não intervenção do Estado capitalista no econômico, formas que marcam as formas desse Estado, pressupõem a autonomia específica do político e do econômico (POULANTZAS, 1986, p. 147-148).

Conforme podemos constatar, Poulantzas não confunde a autonomia do político com a não intervenção do Estado no econômico; pelo contrário, mesmo reconhecendo essa autonomia, ele chega a sinalizar que o papel econômico é uma das modalidades de intervenção do Estado capitalista29. Ao que tudo indica, Poulantzas não negligencia a relação entre base material e superestrutura; a questão, porém, é que o autor não aprofunda o nexo dialético entre essas dimensões.

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Esclarecidas essas questões, podemos agora dar início à discussão sobre o Estado capitalista. Primeiramente, apresentaremos o problema da teoria marxista geral acerca do Estado; em seguida, construiremos uma linha de reflexão cujo propósito é explicitar, respectivamente, a relação do Estado com as classes sociais, com as relações de produção e com a luta de classes. Por último, iremos examinar a autonomia relativa do Estado em relação às classes e frações dominantes e, por conseguinte, esclare “ ”

No documento greicedosreissantos (páginas 60-66)