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A observação dos perfis

No documento ramonsilvacosta (páginas 58-61)

2 CAMINHOS METODOLÓGICOS

2.8 A observação dos perfis

A observação é uma técnica de pesquisa que envolve a coleta de dados por meio da imersão do pesquisador no campo estudado, retirando informações de determinados aspectos da realidade. Assim, uma observação participante não consiste apenas em observar um grupo social, mas também em examinar fatos ou fenômenos que se deseja estudar. A observação pode ser efetuada de diversas formas, mas a ideia de uma observação participante pressupõe a

interação entre o investigador e a população pesquisada, visando coletar dados diretamente do contexto (MARCONI; LAKATOS, 2011, p. 277).

No entanto, a observação é uma técnica escassa nas pesquisas jurídicas, sendo um método característico da Antropologia, área em que é utilizada de forma expressiva. Essa diferenciação entre as áreas pode ser compreendida a partir da perspectiva subjetiva com a qual o antropólogo encara o campo, portanto, mesmo se valendo de uma intenção objetiva, seu trabalho de campo é atravessado por uma relação subjetiva. Já o Direito opera a partir de uma “manualização” da construção do saber. Dessa forma, a dificuldade de um jurista em lidar com métodos empíricos como a observação, está vinculada a sua tentativa em tornar objetivo algo totalmente impermeável a qualquer tipo de “manualização”. Assim, no emprego da observação é a experiência em campo que irá moldar a pesquisa, não sendo possível traçar pressupostos técnicos universais a serem seguidos, algo comum e esperado em muitas pesquisas jurídicas (LUPETTI BAPTISTA, 2017).

Nesse sentido, a observação que empreendi nesta pesquisa remonta certa inovação para minha área de conhecimento, bem como se mostrou um mecanismo essencial para a compreensão do campo pesquisado. A observação dos perfis não se deu a partir de um processo enrijecido, pois como já exposto em passagens anteriores, esta pesquisa se caracteriza por sua multiplicidade de métodos e enfrentamentos de campo.

Contudo, compreendo que a minha experiência configura-se como uma observação participante, tendo em vista a disposição de meu perfil no app, mesmo sem interagir de forma ativa. Isso porque, a observação dos perfis aparentes no recorte geográfico em que eu coletei os dados possibilitou que alguns usuários me contatassem, às vezes antes mesmo que eu lhes enviasse um tap. Desse modo, não houve um padrão ordenado para a coleta de dados. Observei perfis que entraram em contato comigo, não apenas aqueles que contatei por meio do tap, tendo o campo permitido a interação com os usuários observados.

A observação foi estruturada a partir da criação de um perfil no app, como já explicado anteriormente. Entretanto, a simples disposição do perfil na rede não foi suficiente para que eu reunisse a população da pesquisa. A estratégia de usar a ferramenta do tap foi bem sucedida como forma de chamar atenção dos usuários para o meu perfil. Grande parte das pessoas respondia aos taps, nem todas haviam lido a descrição do perfil, mas a partir do contato pude alertá-las sobre a destinação do perfil e convidá-las a darem uma entrevista. A coleta dos perfis que foram observados foi feita de forma aleatória. Eu acessei o app em cinco bairros diferentes da cidade de Juiz Fora, entre junho e setembro de 2019, e

observei os 20 primeiros perfis que apareceram, ou que entraram em contato comigo. Dessa forma, não é possível definir que a seleção dos perfis foi feita apenas de uma maneira, mas o critério de aleatoriedade foi estipulado, pois não defini quais perfis observaria e nem descartei aqueles que me contataram, dividindo a busca por área, até que cada região contabilizasse 20 perfis observados.

A estipulação de 100 perfis para a observação partiu do pressuposto de que até esse número haveria uma saturação dos dados, ou seja, poderia ocorrer a repetição frequente das características encontradas nos perfis em resposta às categorias. Tal pressuposto foi confirmado em campo, havendo uma contínua repetição entre os dados dos diferentes pontos de coleta. Os bairros selecionados63 foram aqueles em que frequentemente eu estava presente, sendo eles: São Pedro, Cascatinha, São Mateus, Centro e São Dimas (Figura 4).

Figura 4: Bairros de Juiz de Fora em que os dados foram coletados

Fonte: Imagem gerada no Google Earth

As categorias criadas para observação foram baseadas nas informações dos perfis, quais sejam: o texto de apresentação e o nome dos usuários, as fotos públicas, se aceitavam

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É importante destacar que os bairros selecionados são geograficamente próximos, sendo até mesmo bairros vizinhos. Assim, não é possível garantir que há um alto índice de pluralidade entre os interlocutores da pesquisa, tendo em vista que a investigação foi efetuada em um recorte geográfico específico da cidade, contendo alguns bairros de classe média e classe média alta. Além disso, alguns pontos de coleta, como a UFJF no bairro São Pedro e o Shopping Independência no bairro Cascatinha, caracterizam-se por frequentadores com perfis semelhantes.

fotos NSFW64, se disponibilizavam seus perfis de outras redes sociais e o status de HIV. Em relação ao texto dos perfis, indicado como o tópico “sobre mim” no app, foi observado se os usuários expressavam alguma especificidade relacionada à privacidade, como posicionamentos acerca do sigilo para as interações e outras características que expressassem a forma de uso ou o que estavam buscando no app. Nas fotos, observei se eram imagens do rosto, do corpo (vestido ou não) e se o usuário não tinha fotos em seu perfil. No que tange ao status de HIV, as respostas possíveis para a observação foram: sem resposta, negativo, negativo usando PrEP65, positivo e positivo não detectável66. A observação sobre as redes sociais indicadas no Grindr decorre da opção que o app fornece aos seus utilizadores de postar o nome de usuário do Twitter, Facebook ou Instagram.

Assim, a observação serviu para uma discussão preliminar, na qual foram gerados dados que posteriormente foram aprofundados por uma amostra de 37 entrevistas. Nesse sentido, ambos os métodos se complementam e são instrumentalizados pela teoria fundamentada nos dados.

No documento ramonsilvacosta (páginas 58-61)