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A teoria fundamentada nos dados

No documento ramonsilvacosta (páginas 56-58)

2 CAMINHOS METODOLÓGICOS

2.7 A teoria fundamentada nos dados

A teoria fundamenta nos dados (TFD), originalmente The Grounded Theory, foi elaborada pelos sociólogos Barney Glaser e Anselm Strauss, nos Estados Unidos. Os pesquisadores lançaram a primeira obra sobre essa metodologia em 1967, intitulada The Discovery of the Grounded Theory (GLASER; STRAUSS, 1967)60. A inovação trazida por este livro está na proposta de um método indutivo de desenvolvimento de teorias a partir dos

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Após o lançamento da obra original, Glaser e Strauss divergiram quanto aos procedimentos metodológicos. Glaser continuou trabalhando com a abordagem original da TFD, tornando-se o principal expoente da perspectiva clássica ou glaseriana do método. Strauss, em parceria com Juliet Corbin, incorporou novos instrumentos de análise e etapas para o desenvolvimento da teoria, fundando a perspectiva straussiana ou relativista da TFD. Nos anos 2000, Katy Charmaz, ex-aluna de Glaser, introduziu sua própria versão da TFD, elaborando a perspectiva construtivista do método. Dessa forma, considera-se que as três principais vertentes metodológicas da TFD são: clássica, straussiana e construtivista. Esta divisão em distintas perspectivas sobre o método deve-se ao processo de desenvolvimento do pensamento científico e dos paradigmas norteadores da pesquisa qualitativa (SANTOS; et al, 2018, p. 2).

dados empíricos, o que se distanciou dos métodos dedutivos convencionais, que propõem análises a partir de teorias já existentes.

Segundo Glaser e Strauss (1967), a TFD surge devido a duas insuficiências da Academia da Sociologia naquele período, o baixo nível de teorização alcançado pelas pesquisas quantitativas e a tendência de adequação dos resultados das pesquisas qualitativas para corresponderem aos seus pressupostos, como hipóteses, marco teórico e conceitos previamente elaborados61. Assim, a TFD objetiva o desenvolvimento de uma teoria enraizada na realidade empírica, que ultrapassa uma simples descrição, pois os dados são entendidos como instâncias do fenômeno social observado (LAPERRIÈRE, 2008, p. 133).

A TFD caracteriza-se como uma técnica exploratória, na qual o intuito é gerar hipóteses e não as verificar. Partindo desse pressuposto, optei por utilizar essa metodologia, tendo em vista que o tema desta dissertação conta com poucas investigações empíricas, especialmente na área do Direito. Dessa forma, explorar o campo e extrair dados passíveis de teorização mostrou-se um percurso metodológico adequado para este trabalho. As técnicas de observação dos perfis do app e a posterior entrevista com uma amostra dos usuários tiveram seus dados analisados a partir da TFD, pois o objetivo é alcançar uma compreensão acerca das perspectivas da população pesquisada. Desse modo, a pesquisa empreendida é do tipo compreensiva (PIRES, 2008), pois não busca explicar relações causais sobre o objeto de estudo, mas compreender as formas com as quais os indivíduos interpretam o fenômeno estudado, ou seja, os sentidos de privacidade e liberdade no Grindr.

A utilização da TFD envolveu um contato intensivo com os dados e seguiu as linhas gerais de aplicação do método a partir de suas três etapas: a codificação aberta, a codificação axial e a codificação seletiva62. Além do momento de escrita da teoria, que pode ser destacado como uma quarta etapa. A codificação é uma ferramenta de análise através da qual “o pesquisador divide, conceitualiza e categoriza os dados empíricos, podendo estabelecer, por sua vez, novas relações entre os resultados dessas operações analíticas” (CAPPI, 2014, p. 14).

A codificação aberta pode ser compreendida como uma etapa mais ampla, visto que

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No Brasil, o método é mais empregado na área da Enfermagem, onde se originou. Porém, há um uso mais expressivo em diversas áreas do conhecimento desde os anos 2000 (GASQUE, 2007, p. 87).

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Strauss e Corbin (2008), concluíram posteriormente, que a divisão entre codificação aberta e axial não é necessária. Contudo, optei por manter as etapas analíticas em meu relato da pesquisa. Isso porque, essa divisão facilita a compreensão sobre o método, pois segui as três etapas da TFD ao construir o método, alocando e reduzindo os dados. Assim, a divisão entre as etapas aberta e axial validam os resultados encontrados na investigação. Todavia, é importante frisar que o processo analítico é complexo e dinâmico, e está aberto às modificações que possam surgir na experiência empírica. Dessa forma, mesmo tendo seguido os passos indicados nas três etapas clássicas da TFD, em alguns momentos, elas foram sobrepostas e até mesmo simultaneamente estruturadas.

é o momento de formulação de conceitos sobre a realidade observada, sendo possível considerar qualquer dado para a codificação. Assim, o pesquisador reúne conceitos e os agrupa em categorias conceituais. Para esta etapa, Glaser (1978) propõe questionamentos como: “Qual é a principal preocupação dos participantes?”, “O que está realmente acontecendo nos dados?” e “Que categoria esse incidente indica?”

A codificação axial corresponde à etapa em que se compara as categorias abstraídas dos dados empíricos, bem como suas propriedades e dimensões, para começar a elaborar uma articulação teórica entre elas. Durante esta fase, algumas categorias tornam-se centrais na análise, que começa com o estabelecimento de (cor)relações entre categorias, ou entre categorias e propriedades. Nesse contexto, são elaboradas hipóteses baseadas nos dados para uma proposta teórica enraizada na observação. Essa etapa reúne questionamentos como: “Por quê? De que forma? Onde? Quando? e Como? (Strauss; Corbin, 2008).

Por fim, a codificação seletiva permite a integração final da teoria a partir da redução dos conceitos, os dando maior densidade, pois visa à criação de categorias capazes de agruparem um maior número de situações por terem um maior nível de abstração. Desse modo, a codificação seletiva é o momento em que a teoria produzida oferece uma nova conceitualização, emergindo o problema central da pesquisa ao dar enfoque as relações significativas e recorrentes observadas entre as categorias e válidas para o conjunto de dados empíricos observados (CAPPI, 2014, p. 15).

Sendo assim, em um primeiro momento foi aplicado o método para os dados referentes à observação dos perfis, posteriormente utilizei a TFD para analisar os dados das entrevistas, que funcionaram como um aprofundamento das constatações empíricas da observação. O processo de codificação, seus resultados e discussão são apresentados no capítulo quatro, momento em que é dado ênfase aos sentidos de privacidade e liberdade extraídos da pesquisa de campo.

No documento ramonsilvacosta (páginas 56-58)