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A Onomástica Araweté

No documento DESCRIÇÃO GRAMATICAL DA LÍNGUA ARAWETÉ (páginas 53-56)

1.4 Trabalhos anteriores sobre a língua Araweté

1.5.3 A Onomástica Araweté

Viveiros de Castro (1986:367) observa que há poucas restrições quanto ao uso ou menção dos nomes pessoais na fala Araweté, e elas não remetem a posições de parentesco: chama-se pais, sogros, cunhados, cônjuges pelo nome. Salienta que há apenas duas restrições: não se evoca o nome da infância de um adulto em sua presença – isso produziria

“medo-vergonha” (ciye) e “raiva” (mo-irã) no nomeado;

não se diz o próprio nome, em contextos verbais onde o sujeito da enunciação é o sujeito do enunciado: ninguém se auto-nomeia; por outro lado, os nomes de infância (hadi me he re, “do tempo de criança”) de vários adultos estão embutidos nos tecnônimos de seus pais, e ali não sofrem restrições.

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Segundo Viveiros de Castro (1986:368), uma pessoa pode dizer o próprio nome se estiver citando o discurso de outrem – o caso típico é o canto xamanístico, onde deuses e mortos podem interpelar o xamã por seu nome, que assim se “auto-nomeia” (odi ne)

Cada pessoa, segundo o mesmo autor, recebe apenas um nome (erai) na infância e o portará (hereka, trazer, portar) até que lhe nasça o primeiro filho. Esta é a regra obrigatória para as mulheres, mas os homens podem passar a ser denominados tecnonimicamente através da esposa, desde o casamento. A forma usada é “X-pihã”, “companheiro de X” (nome da mulher), onde pihã se analisa pi-hã, “que reside junto a”, forma que conhece o pretérito pi he re, “ex-companheiro” (de fulana). Quando nasce o primeiro filho, o casal “joga fora” seus nomes de infância e muda para os tecnônimos: “Y-ro” e “Y-hi”, “pai” e “mãe” de Y (nome da criança). Assim, a cada filho que nasce, em princípio, os pais podem ser renomeados conforme nome dele; acumulam assim tantos tecnônimos quantos são, vivos ou mortos, seus filhos.

Viveiros de Castro observa que, na prática, apenas um ou dois tecnônimos (mas há casos de três) tendem a ser empregados pelo resto da vida e após a morte, e em geral o nome do primogênito é o que se mantém. Acrescenta que o primeiro filho é considerado um “nominador” dos pais, razão por que a escolha de seu nome é objeto de maiores cuidados. Para Viveiros de Castro o que se está realmente nomeando são os pais, permitindo que deixem seus nomes de infância e atinjam o status de adulto: os tecnônimos são nomes mais “próprios”: uma vez obtidos, os nomes de infância viram automaticamente fonte de vergonha para seus ex-portadores, “não são bons de se ouvir”, dizem. (cf. CASTRO, 1986:370)

Viveiros de Castro observa que não existe, entre os Araweté, nenhum outro método ou ocasião de mudança de nomes que não seja o nascimento de filhos, e nenhuma outra fonte de nomes: nem a puberdade, nem sonhos, nem homicídio, como é tão comum entre os outros Tupí-Guaraní. Observa, entretanto, é para as mães, mais que para os pais, que o nascimento de um filho é essencial para a troca de nome: enquanto estes podem deixar seus nomes de infância via casamento, aquelas só o fazem quando têm um filho. Viveiros de Castro coloca que o casamento é para o homem o que o filho é para a mulher, e sugere que essa diferença pode ser explicada pelos diferentes momentos e movimentos de cada sexo no romper sua situação “infantil”: num sistema uxorilocal, o casamento tira o homem de sua origem e o transforma num “residente junto à mulher”; para a mulher, é o nascimento do primeiro filho que efetivamente corta o “cordão umbilical” que a liga à mãe; é a partir daí que ela deixa de ser um apêndice da economia doméstica materna, e se volta para a própria casa.

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Por outro lado, um homem, embora tenha obtido seu tecnônimo pela paternidade, continua a ser chamado, alternativamente à forma “pai de Y”, pelo tecnônimo “companheiro de X” – ou melhor, “companheiro da mãe de Y”, pois este é agora o nome de sua mulher. Assim, por exemplo, Payikã passou, após seu casamento com Morehã, a ser chamada de Morehã-pihã (ou ainda por Payikã). Nascida Heweye, Morehã virou Heweye-hi; Payihã virou Heweye-ro ou ainda Heweye-hi-pihã (cf. p.370). A forma pihã, assim, é tanto um nome pessoal quanto uma forma “formal” de tratamento entre homens.

Viveiros de Castro (1986:373) acrescenta que a nominação das crianças, assim como a de seus pais, não é objeto de nenhuma cerimônia pública e não há nominadores pré- determinados, por posição de parentesco ou por outros critérios. Diz, entretanto, que segundo alguns, haveria um ritual de nomeação e que o nominador, fumando, pega a criança, põe-na sobre seu joelho, e após alguns minutos diz a fórmula: “aye te (nome da criança) – lit. “chega, está pronto (e diz o nome)”. Viveiros de Castro ressalta que das várias crianças que nasceram e foram nomeadas entre 1981-1983, apenas uma foi submetida a esse ritual, mas que ele não havia assistido. As outras receberam seus nomes informalmente, fora de qualquer ocasião precisa: foram passando a ser chamadas por seus nomes.

Viveiros de Castro ainda acrescenta que mulheres importantes podem ser consultadas e ser responsáveis por nomes dados. Observa que “...os avós da criança, de sua parte, têm sua palavra a dar na escolha do nome. Mas os pais – que também podem escolher por conta própria o nome – sempre opinam, e podem recusar as sugestões” (1986:373).

Segundo esse autor, só há uma regra sempre seguida e fundamental que é a que proíbe duas pessoas vivas com o mesmo nome na tribo. Para Viveiros de Castro isto se aplica aos nomes de infância dos adultos vivos, “jogados fora”; os quais não podem ser dados a crianças, enquanto seus antigos portadores estiverem vivos. Viveiros de Castro conclui que um nome, para ser conferido, tem de ser ou “inédito”, ou de um morto.

Viveiros de Castro (1986:374) observa, ainda, que o repertório de nomes pessoais em Araweté é extenso e aberto a inovações e que remete a três classes que se recobrem parcialmente, ou melhor, a três critérios. Uma criança pode ser nomeada “conforme um ancestral” (prowi‟hã ne), “conforme um inimigo” (awi ne) ou “conforme uma divindade” (Ma de). E há uma classe residual pequena, de nomes inventados por outros critérios que não os dois últimos (os “nomes de ancestrais” formam, por princípio, um repertório fechado).

Consoante Castro, a classe dos nomes conforme um morto é heteróclita e abriga nomes que os Araweté não sabem traduzir e que, para esse autor são “apenas nomes”

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pessoais, muitos dos quais teriam sido inventados, ou remetem a etimologias arcaicas. Entretanto, observou ele que a maioria dos nomes de ancestrais tem significado: nomes de ancestrais míticos (que por sua vez podem ter ou não significado), nomes de animais (sobretudo pássaros), de plantas, de objetos, de verbos (“apagou”, “escanchar”), de qualidades (“vermelho”, “único”), e até termos de parentesco ou classe de idade (“minha avó”, “moça”, “meninota”, “finado pai”) – além dos nomes de inimigos e de divindades. Estas duas últimas classes, juntas, formam cerca de 70 por cento do repertório onomástico Araweté; o que não deve ser confundido, entretanto, com o triplo critério de escolha de nome.

Finalmente, Viveiros de Castro (1986:381) ressalta que, após sua morte, o nome pessoal de um indivíduo é usualmente seguido pelo sufixo -reme (menos comumente, -ami), “finado”, o qual, segundo o autor, segue também os designativos de parentesco. Viveiros de Castro ressalta que, nos cantos xamanísticos em que os mortos se fazem presentes e são nomeados, o sufixo não pode ser usado.

No documento DESCRIÇÃO GRAMATICAL DA LÍNGUA ARAWETÉ (páginas 53-56)

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