• Nenhum resultado encontrado

Sobre a origem dos Araweté de acordo com Viveiros de Castro (1986)

No documento DESCRIÇÃO GRAMATICAL DA LÍNGUA ARAWETÉ (páginas 50-53)

1.4 Trabalhos anteriores sobre a língua Araweté

1.5.2 Sobre a origem dos Araweté de acordo com Viveiros de Castro (1986)

Eduardo Batalha Viveiros de Castro, em seu livro Araweté, os deuses canibais (1986), além da rica contribuição que traz à etnografia dos povos Tupí-Guaraní, focalizando a cosmologia Araweté, descrevendo e interpretando os modos como uma de suas ramificações, manifesta as relações entre pessoa e divindade, é também uma grande contribuição ao conhecimento da organização social e da cultura do povo Araweté. Ao darmos uma visão acerca da literatura lingüística sobre a língua Araweté, fizemos menção à importante contribuição de Viveiros de Castro ao conhecimento dessa língua. Nesta seção, nos limitaremos a considerar as informações oferecidas por esse autor sobre a origem dos Araweté e a sua onomástica.

De acordo com Viveiros de Castro (1986:132), os Araweté são os remanescentes de uma população de caçadores e agricultores da floresta de terra firme, que teriam se deslocado das cabeceiras do rio Bacajá para o Xingu há aproximadamente 40 anos, tendo então ocupado uma “área entre as bacias dos rios Bom Jardim (dito “S. José” em alguns mapas) ao sul, e Piranhaquara ao norte, que inclui os rios Canafístula, Jatobá e Ipixuna”. Sobre a identificação de outros índios pelos Araweté, Castro menciona os Kayapó-Xikrín localizados a leste do rio Bacajá, um dos grupos Parakanã que foi contactado ao sul do Igarapé Bom Jardim, e os Asuriní do Xingu, cujo território se localizava a partir da margem esquerda do rio Piranhaquara. Esses seriam os inimigos tradicionais dos Araweté. Ainda segundo Castro (1986:133), “a área mais densamente explorada pelo grupo, nas condições presentes de dependência do Posto da FUNAI, compreende uma faixa de cerca de 50 a 60 quilômetros para cada lado do Ipixuna, da foz às cabeceiras”.

Para Viveiros de Castro não existe nenhuma referência bibliográfica aos Araweté, ou a qualquer grupo que se possa inequivocamente identificar como “Araweté”, até o início da

52

década de 1970. A vasta região do interflúvio Xingu-Tocantins, na altura do médio-baixo curso de ambos os rios, era ocupada por diversos grupos Tupí-Guaraní, desde pelo menos o século XVII (NIMUENDAJU, 1948:199-243; NIMUENDAJU/IBGE, 1981). Desde as matas do médio Xingu até as bacias dos rios Capim, Acará, Gurupi e Pindaré estende-se uma região ocupada quase exclusivamente por povos desta família lingüística, limitada ao norte pelo Amazonas, ao sul e a sudeste por grupos Jê (Kayapó e Timbira), e com uma importante intrusão Caribe (Arara). Na região do Xingu e mais a oeste, já na bacia do Tapajós, grandes grupos Tupi de outras famílias lingüísticas (Juruna, Munduruku) interrompem a continuidade dos Tupí-Guaraní, que irão reaparecer no Madeira, com os Tupí Centrais (Kagwahiv).

Viveiros de Castro refere-se à região em que habitam os Araweté como verdadeira “província” Tupi-Guarani do Pará, que corresponde à “área cultural do Pará” de Murdock (1974:32) – a qual se estende do Maranhão até o rio Madeira, contudo – dos Tenetehara aos Cawahib, ignorando as diferenças entre os Tupí-Guaraní e os outros Tupí e “... dissolvendo, igualmente, a unidade histórica provável dos grupos Tupi-Guarani entre o Xingu e o Gurupi”. Para Viveiros de Castro, o recorte de Murdock (1974) é, entretanto, melhor que o de Galvão (1979), que „...fragmenta a província Tupí-Guaraní em duas áreas, a Tocantins-Xingu e a Pindaré-Gurupi, sem fundamento claro.” ( CASTRO, 1986:137).

Viveiros de Castro lista uma série de grupos indígenas da área que, segundo ele, corresponde à área dos Araweté, a área do Xingu-Tocantins. São estes os antigos Pacajá (século XVII a 1963), os Tapiraua (fins do séc. XIX), os Kupe-rób (em guerra com os Apinayé; de meados do séc. XIX até 1920), os Anambés – todos nas matas da margem esquerda do Tocantins. Na região do Xingu-Bacajá, os Takunyapé. Dos grupos que existem até hoje, os “Asuriní” já eram conhecidos desde fins do século passado na região entre o Xingu e o Bacajá (COUDREAU, 1977); os Parakanã surgem na margem esquerda do Tocantins no começo do séc. XX (NIMUENDAJU, 1948:206-07). Na década de 1920, os Suruí e os Akuáwa-Asurini começam a ser conhecidos pelos brancos, na região do baixo Araguaia, Itacaiúnas e Tucuruí; seu contato definitivo só se dará na década de 1950 (LARAIA & DA MATTA, 1967). Segundo Viveiros de Castro, a estes grupos somavam-se, na porção mais ocidental da área, os Juruna e os Arara (Pariri). Os Juruna, diz Viveiros de Castro (p. 138), provavelmente vindos do Rio Amazonas, dominaram o baixo e o médio Xingu nos séculos XVIII e XIX, e seu movimento migratório, em função de choques com os brancos e os Kayapó, levou-os para o alto Xingu no começo do século XX. Os Shipaya, grupo lingüística e culturalmente muito próximo dos Juruna, parecem nunca ter-se estabelecido na

53

margem direita do Xingu. Os Arara também são conhecidos desde o século XX, tendo sido identificados em uma vasta região, em ambas as margens, no Pacajá e na margem esquerda do Tocantins. Em 1971 um grupo Arara foi localizado na margem direita do baixo Bacajá; lá combateram contra os “Asuriní” (NIMUENDAJU, 1948:224). Ao contrário dos Juruna e Shipaya, tribos canoeiras que sempre se estabeleceram junto aos grandes rios e em suas ilhas, os Arara, como a maioria dos Tupi-Guarani da região, eram um povo da terra firme.

Viveiros de Castro (1986:139) menciona, ainda, outro grupo Tupi-Guarani atual de origem médio-xinguana , os Wayãpi, localizados na confluência do Iriri com o Xingu (margem esquerda) em meados do século XVII, e que iniciaram uma longa migração durante o século XVIII em direção ao norte, cruzando o rio Amazonas e atingindo o alto rio Jari e o Oiapoque, em fuga diante das tentativas de redução missionária (GALLOIS, 1980:55-59).

Para Viveiros de Castro, a origem histórica de todo esse conjunto de tribos Tupi- Guarani do Pará-Maranhão – e que, além dos povos já mencionados, deve verossimilmente incluir os grupos de além-Tocantins: Amanayé, Turiwara, Urubu, Guajá, Tenetehara – é de difícil precisão. Para ele, a reconstrução histórica dos movimentos Tupí-Guaraní na região ainda está por fazer e dependerá muito da história oral dos grupos atuais. Considerando as observações feitas por Laraia (1984) sobre os Urubu-Kaapor, os quais teriam estado localizados bem mais a oeste de seu atual território e considerando que os Suruí e os Akuáwa- Asurini afirmam ter vindo de uma região a noroeste de seu sítio atual, cogita a possibilidade de que os Araweté teriam tido uma origem a leste do Ipixuna. Observa ainda a possibilidade de uma situação “originária” do grupo “proto-paraense” no interflúvio Xingu-Tocantins, talvez na área do alto Pacajá de Portel, ou do Anapu.

Viveiros de Castro chama a atenção para a presença Kayapó na região, a qual provocou extensos deslocamentos dos grupos locais, causando neles grandes baixas, sobretudo nos grupos de terra firme, mais vulneráveis que os canoeiros e ilhéus Juruna- Shipaya. Observa que, em 1936, os Gorotire, “em sua expansão para o norte, atacaram e derrotaram os Asurini” (NIMUENDAJU, 1948:225). Observa, também, que data desta época a separação dos Xikrin, e a chegada de um grupo Xikrin ao Pacajá, onde se chocaram com os Asuriní, Araweté e Parakanã. Os Xikrin do Cateté, igualmente, guerreavam contra estes grupos (ver VIDAL, 1977).

54

Viveiros de Castro observa que, a partir da década de 1970, a construção da Transamazônica e a expansão da fronteira para a região do Xingu terminam por enclausurar os Tupí-Guaraní da área, de forma que o contato de todos eles se efetivou – em 1971 os Asuriní, em 1976 os Araweté, e, em 1984, os últimos Parakanã.

Conclui ressalvando que as escassas descrições sobre os grupos Tupí-Guaraní desaparecidos não autorizam nenhuma hipótese sobre ser algum deles ancestral dos atuais Araweté. Ele diz: “refiro-me especialmente ao que se sabe sobre os Takunyapé”. Observa que, no século XVII, a margem direita do Xingu acima de Volta Grande era conhecida como “lado dos Takonhapés”, e o “rio dos Takonhapés” era provavelmente o Bacajá (NIMUENDAJU, 1948:222). Ressalta que os Takunhapé foram aldeados por missionários várias vezes, e uma parte deles, resistindo, fugiu para as bandas do médio Curuá. Foi então que, em 1863, uma epidemia dizimou a então numerosa população Takunhapé; Viveiros de Castro menciona o vocabulário colhido por Nimuendaju em 1919 e observa que o mesmo não mostra nenhuma semelhança especial com o Araweté contemporâneo (NIMUENDAJU, 1932).

No documento DESCRIÇÃO GRAMATICAL DA LÍNGUA ARAWETÉ (páginas 50-53)

Documentos relacionados