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Capítulo 3: O desenvolvimento ontogenético do uso de ferramentas 45

3.1. A ontogênese da quebra de cocos 46

A coleta de dados da então doutoranda Briseida D. Resende foi realizada entre março de 2000 e julho de 2002, utilizando os métodos do “Animal Focal” (onde, dados os objetivos do estudo, foram priorizados os indivíduos com menos de três anos18) e de “Varreduras Focais” (Altmann 1974), além do registro de “Todas as Ocorrências” de quebra de cocos ou similares (Resende 2004).

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Nos últimos, a participação das fêmeas do grupo da AP do PET na quebra de cocos aumentou (v. Capítulo 4).

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Nas observações de Animais Focais (Altmann 1974), os sujeitos escolhidos eram seguidos por 10 minutos, 2-8 vezes/semana (sujeitos abaixo de 3 anos) ou 2 vezes ao mês (acima de 3 anos).

O grupo da Área de Preservação do PET, já bastante habituado, variou, nesse período, de 16 a 26 indivíduos, que foram classificados como infantes (do nascimento até a independência, observada entre os 9 e os 15 meses de idade), juvenis (machos da independência aos 5 anos, fêmeas até a maturidade sexual, calculada retroativamente subtraindo-se 180 dias de gestação do nascimento do primeiro filhote), subadultos (apenas machos entre 5 e sete anos, com tamanho de adulto mas topete pouco desenvolvido) e

adultos (fêmeas reprodutivas, com cerca de 5 anos, e machos com mais de

sete anos de idade).

Inspirados em Inoue-Nakamura & Matsuzawa (1997; v acima), definimos quatro níveis de Complexidade Manipulatória: Manipulação Simples (o sujeito manipula um objeto, item alimentar ou substrato), Manipulação Composta

Nível 1: o indivíduo manipula objeto (ou item alimentar) em relação a um

substrato (exemplo: bater uma pedra contra um tronco), Manipulação

Composta Nível 2: o indivíduo manipula associadamente dois objetos ou itens

alimentares e Manipulação Composta Nível 3: o indivíduo manipula 2 objetos em relação ao substrato (ex.: golpear com uma pedra [“Martelo”] um coco posicionado sobre outra pedra [“bigorna”]).

Os episódios de quebra foram classificados como de Quebra

Proficiente (QP, em que o animal conseguia efetivamente romper cocos e

acessar seu endosperma ou larvas de inseto), Quebra Adequada (QA, onde um fruto era posicionado e golpeado adequadamente, mas por algum motivo não houve o rompimento da casca), Quebra Não-Determinada (QN, ode não foi possível verificar se se tratou de QP ou QA) e Quebra Inepta (QI), que envolvia o posicionamento de um objeto inadequado para a quebra, o uso de “martelos” ou “bigornas” inadequados ou o golpear do “martelo” contra a “bigorna” sem que nada tivesse sido posicionado sobre esta para ser quebrado. Note-se que a definição acima é um pouco diferente da empregada em Ottoni & Mannu (2001), onde “Quebra Inepta” incluía ainda comportamentos que passamos a classificar como “Exploração de Pedras e Cocos”, abrangendo todas as formas de manipulação destes objetos de formas diferentes das observadas na quebra de cocos, como jogar pedras para o alto, batê-las uma contra a outra ou golpeá-las contra objetos ou substratos não-funcionais

enquanto “bigornas”. Muitas destas atividades, mesmo quando dirigidas para objetos nos sítios de quebra, pareciam ter antes um caráter lúdico que constituir uma tentativa de quebrar cocos. No entanto, a “brincadeira” com objetos é algo notoriamente difícil de definir operacionalmente (Rasa 1984, Beckoff & Byers 1998) em criaturas não-verbais (sejam elas macacos ou crianças pequenas); o macaco que bate um coco contra outro no sítio de quebra pode estar apenas apreciando o barulho, mas pode também estar verificando se há larvas de besouro. Assim, nos ativemos ao termo “exploração” como fez Huffman (1984, 1996), no caso da “manipulação de pedras” pelos macacos japoneses, ao substituir o termo “brincadeira” em favor de uma designação mais “neutra”.

3.1.1. A emergência dos níveis de complexidade da manipulação de

objetos

A Manipulação Simples aparece cedo: os infantes agarram objetos com poucas semanas de vida e, em mais algumas semanas, já os batem ou esfregam contra algum substrato (Manipulação Composta Nível 1). Ao se afastarem mais da mãe, no segundo semestre, os infantes começam a explorar os sítios de quebra de cocos e executar Quebras Ineptas.

A exploração de pedras e cocos nos sítios ocorria, tipicamente, em períodos de descanso do grupo, muitas vezes após comerem o alimento aprovisionado (de maneira bastante semelhante ao que acontece com a manipulação de pedrinhas pelos macacos japoneses, cuja finalidade permanece obscura; Nahallage & Huffman 2007); neste contexto foram observados os raros eventos de Manipulação Composta Nível 2, registrados quando os irmãos juvenis Químico e Manuel tinham cerca de três anos de idade. Químico bateu cocos contra cocos durante episódios de quebra, mas o mais curioso comportamento observado dentre os poucos que se enquadravam na definição foi o de tomar duas pedras pequenas, uma em cada mão, e batê- las uma contra a outra repetidamente. Esse comportamento foi observado em julho de 2001, sendo exibido por Manuel (que morreu poucos meses depois) e, subseqüentemente, por três outros indivíduos (a fêmea adulta Janete, sua provável filha - a juvenil Vavá, e Químico).

A Manipulação Composta Nível 3 começa a aparecer antes de um ano de idade e vai se tornando mais comum com o aumento da freqüência da Quebra Inepta, que se intensifica no quarto semestre. No entanto, apenas no segundo ano de idade os infantes (em transição para juvenis) se mostraram capazes de manipular coordenadamente três itens (2 objetos soltos em relação ao substrato) – e o posicionamento adequado de um coco sobre a “bigorna” só foi observado a partir dos 20 meses de idade. Nesta fase, estes indivíduos passavam a ficar mais próximos dos juvenis mais velhos e dos machos adultos.

Conforme anteriormente observado, os infantes são muito menos ativos na quebra de cocos (total de episódios QP+QA+QN+QI) que juvenis e adultos/subadultos, que superam os juvenis se excluídos os episódios de Quebra Inepta. Joana e Darwin executaram Quebras Adequadas antes dos 2 anos de idade19 - mas Joana, que batia pedras contra pedras nos sítios desde os 6 meses e exibiu Quebras Adequadas aos 22 meses de idade, morreu antes de completar 2 anos. Manuel, por outro lado, só foi visto manipulando pedras nos sítios com 159 semanas e nunca tentou quebrar cocos (apesar de ser um freqüente observador de quebras e “scrounger”) até falecer, com 3 anos e 5 meses. Os indivíduos acompanhados por Resende desde o nascimento (Filó, Fractal, Ada e Janeiro) só executaram Quebras Ineptas até o final da coleta de dados.

A emergência da Quebra Proficiente pôde ser acompanhada, durante este estudo, em dois machos juvenis, Darwin e Químico, respectivamente com 24 e 29 meses de idade (o que não difere muito do observado anteriormente por M. Mannu com relação a Frank), uma fase de intensa atividade exploratória.

Há uma longa trajetória de exploração individual de objetos – particularmente pedras – durante a qual os padrões de manipulação se complexificam gradualmente, da manipulação de objetos isolados, nos primeiros meses de vida, até o uso integrado de dois objetos mais o substrato, necessário para a quebra de cocos. E embora o processo básico de aprendizagem do uso de ferramentas na quebra de cocos se dê nos primeiros anos de vida, alguns dos animais mais velhos, embora em geral dedicando

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Mas pode haver casos “precoces” como o de Cisca, que tentou quebrar um coco (adequadamente) com apenas 39 semanas de idade (Mannu 2002) .

menos tempo a esta atividade, se mostram bem mais proficientes que juvenis ou subadultos, quebrando às vezes vários cocos em um único episódio – e em um breve intervalo de tempo, mostrando que há ainda espaço para o aperfeiçoamento da técnica individual ao longo da vida adulta.