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A Organização e administração dos bens do Hospital de Todos os Santos

Depois do exposto na II parte, importa perceber como foram organizados e administrados os bens do Hospital. Incidiremos a nossa análise nos foros, desde as formas de pagamento, duração dos contratos e valor do laudémio, e nos juros, neste caso procurando compreender as opções adotadas pela instituição no mercado creditício. Veremos ainda como eram efetuadas as cobranças e as dificuldades sentidas pelos administradores para as concretizar (neste ponto, estudaremos, em particular, os foros, porque dispõem de informações mais consistentes). Finalizaremos com uma análise em perspetiva sobre as receitas da instituição ao longo do período em causa neste trabalho.

1.1 A administração dos foros

O Hospital de Todos os Santos, como a generalidade dos senhorios, cedia o domínio útil dos seus imóveis através de contratos de aforamento, também designados

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por contratos de emprazamento, mediante os quais recebia do enfiteuta606 um foro. Os senhores obrigavam os foreiros a zelar pelas respetivas propriedades, que deviam manter em bom estado de conservação. Por seu turno, os foreiros tinham, entre outros, o direito de alienar o domínio útil, na condição de respeitarem os direitos do senhorio; subemprazar a outrem, com o consentimento do senhorio; nomear os sucessores e transmitir o aforamento a quaisquer herdeiros ou descendentes607. O senhor tinha sempre o direito de opção nas transações efetuadas, bem como os direitos de renovação e de consolidação (a união do domínio útil com o domínio direto, restaurando a propriedade plena), e, obviamente, o direito de receber o cânon anual (foro)608.

Os foros pagos ao Hospital de Todos os Santos, obrigatoriamente entregues nas suas instalações, podiam ser em moeda, em géneros ou em ambos, satisfeitos numa única prestação ou em várias, que coincidiam, como era comum ao tempo, com as principais datas do calendário litúrgico (Natal, Páscoa, São João e dia de Nossa Senhora de Agosto).

606 Também se podia designar por foreiro, e mais raramente, senhorio/proprietário útil, colono e caseiro

— ao proprietário primordial, aquele que dava a coisa e que se chamava senhorio direto ou eminente e que, neste caso, era o Hospital de Todos os Santos. José Vicente Serrão, op. cit.,p.434.

607 Idem, ibidem, p.444. 608

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Gráfico 6: Formas de Pagamento dos Foros

Fonte: Tombo do Hospital. 1568.Hosp. S. José, liv. 1187; Reforma do tombo antigo. 1853. Hosp. S. José, liv. 1179 a 1185

O gráfico 6 mostra que 48% dos pagamentos eram mistos (dinheiro e géneros), 39% exclusivamente em moeda (réis e ceitis) e 10% apenas em géneros. A natureza das propriedades determinava, quase sempre, o tipo de pagamento: em zonas urbanas o dinheiro era mais utilizado, ainda que, com frequência, com géneros (sobretudo galinhas) – por exemplo, em meados do século XVI, o Hospital deveria receber dos

foreiros de Lisboa quase um conto de réis, 580 galinhas e três moios de trigo –, enquanto nas zonas rurais (casais, terras de pão, …), o pagamento era feito, preferencialmente, em cereais ou azeite, no caso dos olivais, mas também manteiga, pastéis, bolos, carneiros, frangos, capões e muitas galinhas. Como adiante se verá, os produtos podiam ser substituídos por dinheiro, uma opção que não desagradava aos foreiros, que assim poupavam os gastos com o transporte das rendas.

Os contratos podiam ser estabelecidos a título perpétuo (também chamados fateusins, enfateusins ou enfatiotas) ou vitalícios, geralmente por três vidas, duração mínima obrigatória depois do alvará de 3 novembro de 1757609. Estes últimos tinham a

609 José vicente Serrão refere que as três vidas não significavam três gerações, mas sim, as vidas de três

pessoas que na maior parte das vezes respeitava ao primeiro enfiteuta, o seu cônjuge e um filho o que na prática significava duas gerações. Idem, ibidem, pp.436-437.

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vantagem de permitir ao senhorio salvaguardar os seus interesses, uma vez que garantiam um maior controlo dos bens, podendo atualizar os foros cada vez que terminasse o contrato.

Gráfico 7: Duração dos Contratos de Aforamento

Fonte: Tombo do Hospital. 1568.Hosp. S. José, liv. 1187; Reforma do tombo antigo. 1853. Hosp. S. José, liv. 1179 a 1185

Verificamos, no gráfico 7, que cerca de 66% dos contratos do Hospital foram por três vidas e 31% a título perpétuo. Como ocorria noutros casos, também em Todos os Santos alguns contratos temporários (vidas) acabaram por se tornar perpétuos610, uma alteração que poderia resultar da mudança das condições do mercado: se havia mais oferta do que procura, o proprietário preferia estabelecer um vínculo perpétuo, procurando assim a segurança de uma renda certa, mesmo que baixa. Desta forma, o que perdia em possíveis atualizações, ganhava em segurança e previsibilidade. O mau estado das propriedades e consequente necessidade de investimento contínuo para as

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tornar produtivas, podia contribuir para a mudança de orientação dos contratos, tornando-os perenes611.

Quer os prazos perpétuos, quer os prazos em vidas, podiam ser vendidos mediante certas condições, nomeadamente, a obrigação de o foreiro, detentor do domínio útil, informar o senhorio das suas intenções, como antes referido. Neste caso, o Hospital, que possuía o domínio direto, podia optar por exercer o seu direito de preferência sobre o prazo ou, em caso de venda, cobrar o laudémio612. Se o enfiteuta alienasse a exploração da propriedade sem consentimento do senhorio caia em comisso e a alienação feita era considerada nula613.

Gráfico 8: Valor do Laudémio

Fonte: Tombo do Hospital. 1568.Hosp. S. José, liv. 1187; Reforma do tombo antigo. 1853. Hosp. S. José, liv. 1179 a 1185

O gráfico 8, referente ao valor do laudémio praticado no Hospital de Todos os Santos, mostra que cerca de 82% dos contratos enfitêuticos obrigavam o foreiro a pagar

611 Ana Maria Rodrigues, «A propriedade rural», in Serrão, Joel e Marques, A. H. de Oliveira (dir.), Nova

História de Portugal: Portugal do renascimento à crise dinástica, vol. 5, Lisboa, Presença, 1991-1992, p.

93.

612 Margarida Sobral Neto, «O poder central e os direitos senhoriais», in Mattoso, José (dir.), História de

Portugal, vol. 3, Lisboa, Circulo de Leitores, 1993, p.173.

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a dezena, isto é, 10% sobre o preço de venda614, 13% a quarentena, que correspondia a 2,5%, e apenas 5% a vintena, 5%.

Em suma, o direito enfiteutico concedia aos senhores do domínio direto vantagens, tais como o recebimento dos bens benfeitorizados no final do contrato e o direito de aumentar os foros por ocasião das renovações e de recuperar os prazos por comisso ou extinção de vidas. A efetivação destes direitos dependia do quadro legal vigente, que, como bem se sabe, foi bastante alterado no contexto das leis anti- amortizadoras pombalinas615.

614 Idem, ibidem, p. 451. 615

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