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A organização do ambiente familiar para o CODA

5 AS EXPERIÊNCIAS DOS PAIS SURDOS COM FILHO CODA NA SOCIEDADE

5.1 A organização do ambiente familiar para o CODA

Após voltar da casa dos avós maternos e terminada a licença maternidade, eu e meu marido começávamos a compreender como seria criar e educar um filho CODA. Concluímos que, embora com toda a ajuda recebida dos familiares e demais amigos ouvintes, essa caminhada seria de nossa inteira responsabilidade.

Para substituir os sons dentro de casa, continuávamos a empregar cores, texturas, figuras e muita informação visual para com o nosso filho. Nos esforçávamos muito para que ele tivesse um aprendizado normal em suas fases de aquisição de sinais, numa convivência natural com o silêncio. Tudo o que fazíamos com o bebê, desde banho, troca de fraldas, comida, até levá-lo ao pediatra, tomar a medicação, tudo lhe era sinalizado, o tempo todo, uma vez que nosso objetivo era que o CODA aprendesse todas as coisas novas em cada etapa da sua vida familiar. Aos poucos o bebê foi se acostumando com a nova condição de vida com os pais surdos e ao silêncio, em sua casa.

O momento em que eu tive de retornar ao trabalho foi um momento preocupante e dificultoso. Não sabia a reação que ele poderia vir a ter. Gabriel, então, precisou assimilar o porquê da minha ausência, por várias horas durante o dia, como também à noite.

Naquele período, meu marido encontrava-se desempregado. Passou a cuidar do bebê, pois aprendeu e bem, a dar banho, trocar a fralda, preparar a mamadeira, colocá-lo para dormir, brincar e outras coisas mais. Ele foi incansável nos cuidados com o filho. Ele sempre sinalizava para o pequeno Gabriel, qualquer atividade/serviço que executava.

Notamos que nosso filho passou a acostumar-se com o silêncio. Às vezes, tinha um som ou outro do lado de fora da casa, na rua, vizinhos ou outro qualquer. Mas aos poucos, a atenção do bebê aos sinais e ao contato visual estava bem mais desenvolvida, assim como a percepção dos sons.

Porém, nesta fase inicial de morarmos sozinhos em nossa casa com o bebê CODA, o que mais nos incomodava eram as preocupações dos ouvintes: parentes, vizinhos e demais colegas, no que se refere aos cuidados com o filho ouvinte. Muitas perguntas eram impostas a nós: sendo surdos, como saberão que o filho estará chorando à noite? Caso fique doente, o que farão? E o médico, que não conhece a libras, como vai se explicar com os pais surdos, na administração dos remédios para com o bebê? Mesmo com toda essa pressão, levamos a nossa vida, naturalmente, aprendendo no dia a dia a lidar com as dificuldades e várias incertezas, como quaisquer pais de primeiro filho. Nós nos esforçávamos ao máximo para melhor atender às suas necessidades. Para o CODA, a convivência com pais surdos era normal, mesmo quando saia de casa e convivia com ouvintes.

Durante a gravidez, eu já tinha uma preocupação de quando o bebê chorar, como saberia. Então, com a tecnologia disponível e um pouco de criatividade, nós apelamos pelo auxílio de um aparelho chamado ‘Babá eletrônica Vibradora’. Os pais resolveram então, adquirir dois aparelhos, depois de ter obtido as informações necessárias. Um para o bebê e outro para os pais.

Mas, como utilizamos esses aparelhos durante a noite? Depois de lidas as instruções de uso, um dos aparelhos era colocado na cama, debaixo do travesseiro do pai ou da mãe e outro colocado no chão, no berço, uns trinta centímetros da cabeça do bebê, que estaria dormindo, com o assento da cama virado para cima.

Quando o neném chorava a babá vibrava, transmitindo a informação ao pai ou à mãe de que alguma coisa estaria acontecendo com ele. Como essa comunicação funcionava perfeitamente, os pais passaram a utilizar o método não somente à noite, como também durante o dia e em qualquer lugar/situação, usando a babá dos pais colocada no bolso/bolsa e a outra próxima ao bebê.

Continuamos usando a babá eletrônico até ele completar nove meses de idade. Nesta idade, aconteceu algo inédito e emocionante que marcou a minha vida. Ao amanhecer, acordei preocupada pensando que a babá havia parado de funcionar porque não vibrou. Logo pensei: O que aconteceu com o Gabriel? Então, começa o dia, a mãe havia dormido e, ao lado, no berço, o filho também dormia. Por um instante, eu pensei que o filho estava muito quieto e que não iria mais chorar. Enquanto a mãe

pensava, levantou a cabeça para olhar rapidamente o filho e eis que este estava acordado e olhando para ela, sorridente. Foi uma emoção sem tamanho. Gabriel havia acordado sozinho e estava brincando com o travesseiro, tranquilamente.

Nesse dia percebemos que o CODA entendeu que os pais são surdos e que não adiantava mais chorar. Daí em diante Gabriel passou a acordar sem chorar. Os pais, ao acordarem, tocavam no braço do bebê. Mesmo assim, continuaram com a babá eletrônica até ele completar dois anos de idade, por questão de segurança para com a criança. Às vezes Gabriel batia, ia até à cama dos pais para esses acordarem.

Após completar os dois anos de idade, Gabriel passou a dormir sozinho em seu próprio quarto. Numa dessas noites, ainda de madrugada, Gabriel acordou, saiu da cama e caminhou até o nosso quarto. Nos tocou para nos chamar e nos acordar. Então nós o pegamos e o colocamos para dormir conosco. Às vezes, até os dias de hoje, isso acontece.

Na figura 20, observa-se o modelo de ‘babá eletrônica vibradora’ utilizada pela família.

Figura 21: Demonstração do uso da babá eletrônica com sinal luminoso

Veja, abaixo, um pequeno relato de uma mãe surda sobe o auxílio da babá eletrônica, no cuidado de seu filho ouvinte:

[...] ele estava chorando com o auxílio de um aparelho chamado “babá eletrônica”. O microfone ficava acima do berço e o sinalizador luminoso, ligado por um longo fio, ia comigo para todos os lugares. Enquanto estava na cozinha fazendo meus afazeres, ficava de olho na lâmpada para saber se está piscando. Sem problemas! (STRNADOVÁ,2000, p. 139).

Algumas mães surdas, no entanto, sem condições de adquirir um desses aparelhos auxiliares, na comunicação de seu filho ouvinte, sofrem em demasia, pois amam seus filhos e não sabem o que fazer para dar-lhes a atenção devida.

Veja, abaixo, um relato de uma dessas mães:

[...] então dormíamos nós três na mesma cama, e sempre que a nossa filha se mexia, a gente acordava, mas o pai ficou com medo de machucá-la e decidimos que eu ou ele iria dormir na rede. Qualquer movimento da nossa filha, eu acordava, olhava e dormia de novo, de madrugada do mesmo jeito, ela chorava, eu a colocava pra mamar, e está sendo assim até hoje, ela está com

cinco meses de idade. (Disponível em:

<http://www.prac.ufpb.br/enex/trabalhos/7CEARDEEPROBEX2013489.pdf> Acesso em: dez de 16.)

Na figura 22, está demonstrado duas formas diferentes de uso auxiliar das ‘babás vibratória e luminosa’, numa mesma situação, sendo possível deixar o aparelho sobre algum móvel ou junto ao corpo da pessoa surda.

Figura 22: Babá eletrônica com sinal luminoso x babá eletrônica vibratória

Hoje, com novas tecnologias, existe também a ‘babá com câmera’, que consiste em visualizar o bebê, conforme figura 23. Com esse tipo de ‘babá com câmera’, ficou mais fácil lidar com o bebê, uma vez que é possível olhar para o rosto do bebê, ver o que ele está fazendo: se está dormindo, sorrindo, brincando, etc.

Figura 23: Babá eletrônica com câmera