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A organização da Escola Plural e o terceiro ciclo de idade de formação

2 A PESQUISA DE TERRENO E A GERAÇÃO DE DADOS

2.1 A organização da Escola Plural e o terceiro ciclo de idade de formação

A Escola Plural surgiu como uma resposta ao alto índice de fracasso escolar do alunado da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte, pertencente às classes menos privilegiadas da população. Visando superar a cultura do fracasso, a proposta previa mudanças nas estruturas escolares consideradas causadoras desse fracasso, como a lógica seriada, turmas homogêneas, currículo fragmentado, avaliação classificatória e trabalho individualizado do professor. Assim, configurava-se um dos princípios fundamentais do Programa da Escola Plural, que diz respeito à concepção de educação como um direito.

Um primeiro aspecto a ser considerado refere-se à organização da escola em ciclos definidos por identidades de idade de formação. Apesar de coincidir com as transformações de ordem biológica e psicológica, a compreensão envolve também aspectos sociais e históricos. Na organização de três ciclos com três anos cada, o 1º ciclo abrange as idades de 6 a 8 anos, definido como infância; o 2º ciclo compreende as idades de 9 a 11anos, definido como pré- adolescente; e o 3º ciclo envolve alunos com idades de 12 a 14 anos, definido como adolescência.

A principal crítica imputada a esse modelo diz respeito a não retenção, entendida muitas vezes por alunos, pais e professores como aprovação automática. Contudo, a proposta de avaliação presente nos documentos da Escola Plural diz respeito à passagem de uma avaliação somativa para uma avaliação formativa. Talvez uma das razões do insucesso dos ciclos, no que se refere aos alunos que avançam nos ciclos sem alcançar um rendimento escolar satisfatório seja a reprodução de modelos da escola seriada22. Como nos lembra Arroyo (1999),

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A Escola Plural foi implantada em 1995 e novas orientações foram adotadas, em 2009, visando corrigir desvios nas condutas avaliativas, no que se refere ao modelo da avaliação automática e considerando a queda do desempenho no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). A primeira medida da Secretaria Municipal de Belo Horizonte foi baixar a Portaria nº. 066/2009 de 30 de abril de 2009, que Dispõe sobre

documento escolar de avaliação para as unidades escolares da Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte – Boletim Escolar. Observa-se que o documento em nenhum momento menciona o termo Escola

Plural e estabelece os seguintes objetivos: padronizar o registro da avaliação escolar; 2) registrar os resultados da avaliação dos alunos em cada trimestre; 3) comunicar os resultados escolares às famílias. (Anexo 1) Também na página principal do boletim escolar não há menção ao Programa da Escola Plural e são avaliados atitudes, valores e frequência por trimestre como a capacidade de ele se organizar e pôr em ordem seu material escolar, zelar pelos objetos coletivos, seu interesse em aprender e emitir opiniões, o comprometimento com a apresentação de atividades e cumprimento de regras e horários. Além disso, é avaliada sua habilidade de trabalhar em equipe, saber ouvir e respeitar os colegas. A grande mudança fica a cargo do registro do rendimento nas disciplinas de Artes, Ciências, Educação Física, Geografia, História, Língua Portuguesa,

para o sistema seriado fomos formados e ele terminou nos formando e deformando. Trazemos suas marcas em nossa pele, em nossa cultura profissional. Desconstruir a organização seriada e sua lógica é desconstruir um pedaço de nós. Os ciclos ameaçam nossa auto-imagem (p144).

Nesse processo de construção, desconstrução e reconstrução das práticas pedagógicas, provocado pelo movimento de renovação pedagógica da década de 80, foram elaborados os eixos norteadores do programa Escola Plural, descritos no Caderno 0 (1994)23, propondo novas práticas, visando rever os mecanismos de exclusão escolar.

Com relação à organização curricular e dos tempos escolares, destaca-se a inclusão da criança de 6 anos no 1º ciclo e a criação do 3º ano do 2º ciclo, ou seja, a antiga 5ª série passa a incorporar ao 2º ciclo de formação.

A primeira dificuldade para a organização desse ciclo foi a incorporação da 5ª série ao 2º ciclo, exigindo novos modos de pensar o currículo e o trabalho dos professores, uma vez que os professores que atuavam no 1º e 2º ciclos, geralmente, eram formados em Magistério e/ou Pedagogia, e os professores que atuavam no 3º ciclo eram formados nas diversas áreas do conhecimento. A partir das orientações curriculares do Programa da Escola Plural, os conteúdos curriculares deveriam ser repensados a partir de temas contemporâneos, como “vivências das diversidades de raça, gênero, classe, a relação com o meio ambiente, a vivência equilibrada da afetividade e sexualidade, o respeito à diversidade cultural” (Caderno 1, 1994, p. 27).

As orientações teórico-práticas para o 3º ciclo da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte estão contidas no caderno intitulado: “3º ciclo: um olhar sobre a adolescência como tempo de formação”, elaborado em 1996 (caderno 5). Essas orientações baseiam-se nas

Matemática e Língua estrangeira moderna, que será feito por meio dos conceitos de A até E. Os estudantes que obtém conceitos A e B estão em uma situação de provável aprovação, contudo os estudantes com conceitos C, D e E necessitam de um acompanhamento específico e, caso persistam os conceitos D e E, significa que o aluno ficará retido por rendimento escolar, ao final de cada ciclo. (Anexo 2). Uma dúvida se refere à retenção, se o Boletim escolar é anual, como proceder a retenção apenas ao final do ciclo? Trata-se da transição da Escola Plural para a Escola de Metas e Resultados, a primeira focada na pluralidade do ser humano para aprender, a segunda calcada nos resultados da aprendizagem. Fica instaurada a dicotomia entre o sujeito aluno, que domina conteúdos escolares, e o sujeito histórico, que domina conteúdos culturais.

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Os eixos norteadores da Escola Plural foram assim organizados: uma intervenção coletiva mais radical; a sensibilidade com a totalidade da formação humana; a escola como tempo de vivência cultural; a escola como espaço de vivência coletiva; as virtualidades educativas da materialidade da escola; a vivência de cada idade de formação sem interrupção; socialização adequada a cada idade/ciclo de formação; nova identidade da escola, nova identidade do profissional.

dimensões socioculturais, afetivas/emocionais, corporais e cognitivas. A questão central é pensar a especificidade da adolescência como idade de formação e seus processos de aprendizagem, visando redefinir os conteúdos escolares. Nessa perspectiva, o currículo escolar deve ser pensado, a partir das características específicas da fase da adolescência, considerando os seguintes aspectos: crise de identidade, de valores e de auto-imagem; emancipação em relação à família e o estabelecimento de laços mais estreitos com os grupos de companheiros; as modificações que ocorrem no corpo, as novas sensações e as primeiras experiências sexuais; a preocupação com a aparência, as exigências colocadas pelo mundo do trabalho; o desenvolvimento da capacidade de abstração, análise, síntese e do pensamento formal.

Nesse caderno, também estão definidas as diretrizes curriculares para o 3º ciclo, que podem ser assim resumidas: expressão por meio das múltiplas linguagens e das novas tecnologias; posicionamento por meio da informação, interação ativa e crítica com o meio físico e social24. No entanto, o documento não menciona a questão da alfabetização, pois se esperava que os alunos chegassem ao 3º ciclo já alfabetizados.25 Assim, as escolas do 3º ciclo encontraram dificuldades para promover a alfabetização de alguns adolescentes, com também articular conteúdos disciplinares e cultura juvenil.26

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A pesquisa de Mestrado de Soares (2002) investiga o processo de apropriação da Escola Plural pelos docentes do 3º ciclo de formação, no ano de 1998, mostrando as dificuldades para colocar em prática os princípios da proposta, mesmo que esta tenha partido de situações do cotidiano das escolas. Constatou-se que o impacto maior foi o fim da reprovação, afetando as relações professor-aluno-comunidade. Por outro lado, é inegável que o programa trouxe questionamentos referentes à organização da escola e à necessidade de ser reinventada. Na mesma direção, Costa (2000), ao investigar os impactos do Programa da Escola Plural em uma pesquisa desenvolvida em 1999, revelou, por meio da metodologia de grupo focal com alunos do 3º ciclo, críticas no que se refere à não-retenção e ao esvaziamento do interesse do aluno por ela provocado. “A ausência do caráter punitivo da avaliação e a representação da sua concepção como processo de promoção automática levaram os alunos à perda do desejo de estudar e de conhecer” (p. 114).

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Em 2008, a Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte elaborou um documento voltado para as áreas do conhecimento, intitulado “Proposições Curriculares para o Ensino Fundamental”. Com relação à especificidade da adolescência e a relação com o conhecimento, o documento apresenta uma reflexão sobre a necessidade de compreender essa idade de formação na perspectiva da diversidade, das diferentes adolescências, dos diferentes modos de ser adolescentes. Mas não há uma articulação entre essa concepção e as capacidades que esses mesmos sujeitos devem desenvolver no 3º ciclo. O documento aponta que o 3º ciclo seria um tempo propício para “consolidação de capacidades, caracterizado por uma organização mais sistematizada e uma fundamentação teórica maior e aprimoramento da leitura e escrita” (p.24). Para os problemas de aprendizagem, o documento defende a elaboração de projetos de intervenção.

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A dissertação de Mestrado de Mendonça, indicada na introdução, apresenta os processos e os efeitos produzidos pela aprendizagem insuficiente da leitura e escrita dos alunos do 3º ciclo, mostrando a insuficiência das ações da escola para enfrentar o fracasso escolar. A pesquisa foi desenvolvida no 2º semestre de 2004, ou seja, trata-se de alunos que iniciam sua trajetória escolar na Escola Plural.

2.2 A Rede do 3º ciclo do município de Belo Horizonte: uma estratégia para a inclusão