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2 A PESQUISA DE TERRENO E A GERAÇÃO DE DADOS

2.6 As entrevistas nas entrelinhas

Foram realizadas entrevistas com 28 estudantes. A frequência oscilante no final do ano inviabilizou a realização das entrevistas com todos os adolescentes. Outro fator que agravou

ainda mais a situação foi o ensaios para apresentação da peça de teatro, que fez com que muitos estudantes preferissem ensaiar a peça a participar das entrevistas. Também foram entrevistadas as três professoras e o agente cultural.

No momento de elaboração do roteiro de entrevista, optou-se por “perguntas descritivas”, pois os sistemas de significados culturais são diferentes entre pesquisador e informante e ao expandir as perguntas, consequentemente, haverá expansão das respostas (SPRADLEY, 1979). Eis aqui um desafio de não cair na ilusão da “neutralidade”, mas, por outro lado, tentar neutralizar os efeitos da dissimetria entre os interlocutores, relacionada às diferenças de capital econômico e cultural.

Assim, solicitou-se que as professoras mencionassem aspectos relacionados à formação acadêmica, tempo de atuação e justificassem a entrada para o projeto, como também descrevessem: como eram as características dos estudantes do ponto de vista do contexto social, cultural e acadêmico; como era feito o planejamento das atividades; como as atividades eram organizadas na semana; se os objetivos do projeto estavam sendo alcançados; se percebiam avanços na aprendizagem dos adolescentes; como era desenvolvido o trabalho com os estudantes com dificuldades no campo da leitura e da escrita; e como o projeto era visto pelos professores do 3º ciclo.

Para o agente cultural, as questões versaram sobre a descrição das características dos adolescentes, do ponto de vista social, cultural e acadêmico, sobre as funções desempenhadas e as interações estabelecidas com os adolescentes.

Na entrevista com os estudantes, procurou-se delinear a trajetória escolar, inquiriu-se sobre os motivos para frequentar o projeto. Solicitou-se, também, que falassem sobre as atividades em que mais se envolveram e em que menos se envolveram no projeto; sobre o envolvimento na turma do 3º ciclo; sobre a leitura e escrita praticada fora do contexto escolar; e sobre a relação entre apropriação da leitura e da escrita e projeto de vida.

Sobre a entrevista, Bourdieu (1997, p. 709) alerta para o fato de que a transcrição das entrevistas já é uma “verdadeira tradução ou até uma interpretação”. E continua: “transcrever é necessariamente escrever, no sentido de reescrever” (p.710). Ainda segundo o autor:

Ainda que a relação de pesquisa se distinga da maioria das trocas da existência comum, já que tem por fim o mero conhecimento, ela continua, apesar de tudo, uma relação social que exerce efeitos (variáveis segundo os diferentes parâmetros que a podem afetar) sobre os resultados obtidos (p 694).

Dentre essas variáveis, o referido autor aponta a situação de entrevista como uma intrusão, uma vez que é o pesquisador que domina a situação e que estabelece as regras. Torna-se imprescindível tentar reduzir as distorções que podem ocorrer entre a finalidade da pesquisa tal como é percebida e interpretada pelo pesquisado, e a finalidade que o pesquisador tem em mente. Além disso, a posição ocupada pelo pesquisador também pode gerar uma dissimetria social, que se traduz como violência simbólica.

Bourdieu (1997) afirma que, como princípio, nenhuma pesquisa tem como intenção exercer uma violência simbólica capaz de afetar as respostas; contudo, as distorções estão inscritas na própria estrutura da relação de pesquisa. E completa:

O mercado dos bens linguísticos e simbólicos que se institui por ocasião da entrevista varia em sua estrutura segundo a relação objetiva entre o pesquisador e o pesquisado ou, o que dá no mesmo, entre todos os tipos de capitais, em particular os linguísticos, dos quais estão dotados (p.695).

Considerando esses aspectos, torna-se relevante refletir sobre as interferências que podem afetar as respostas. Por exemplo, um estudante pode ter a compreensão de que a pesquisa tem como finalidade avaliar o projeto da Rede do 3º ciclo e definir a sua continuidade ou não. Assim, em sua resposta, só haverá elogios ao projeto ou às professoras que ele quer que continuem. Esse jogo foi possível perceber quando só elogiavam uma professora muito querida e criticavam outra, que era mais rígida com a disciplina.

Visando alcançar uma comunicação “não violenta”, apesar das diferenças linguísticas, sociais e geracionais entre pesquisadora e pesquisados, buscou-se uma aproximação com os estudantes. Entendo que a aproximação com os estudantes adolescentes, visando estimular a colaboração deles na prática da pesquisa, não significa falar do mesmo modo que eles e nem mesmo frequentar os mesmos espaços, mas demonstrar interesse pelo seu modo de vida. Acredito que o grau de aproximação com os estudantes foi satisfatório, e lembro-me de que, um dia, quando cheguei à sala, um estudante perguntou se eu conhecia um baile funk, que ele frequentara no final de semana. Quando se encontravam comigo nas proximidades da escola, gritavam meu nome e acenavam com entusiasmo. E também quando, ao final da entrevista,

em que perguntei para uma adolescente se ela tinha mais algum comentário sobre o projeto, ela respondeu: “Acho que não, ah! tenho sim, eu te adoro”. E, nesse momento, me abraçou e beijou. Essa mesma adolescente imitava meus gestos e meu jeito de falar, em uma nítida intenção de deboche.

Por outro lado, nem todos participavam efetivamente das entrevistas: uma estudante mostrou- se irritada e virou o rosto, quando a convoquei. Outro preferiu ficar ensaiando o texto do teatro do que ser entrevistado. “Nesta situação, o pesquisador, um intruso mais ou menos tolerado no grupo, não nutre mais a ilusão de estar em controle da situação” (FONSECA, 1999, p. 10).

3 A PRODUÇÃO DE GÊNEROS TEXTUAIS NA ESCOLA: ANALISANDO