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II) obras impressas a) Gramáticas

4. Edição dos manuscritos

5.1. A ortografia dos textos seiscentistas brasileiros

Considerada a impossibilidade de proceder-se a um estudo fonético/fonológico de época tão remota, torna-se fundamental a análise da grafia e da estrutura escrita da língua portuguesa seiscentista. Só desse modo é possível que conheçamos o sistema fonológico da língua dessa época. Assim, para procedermos a esse tipo de análise, é imprescindível apresentarmos o conceito de grafema, tomado aqui na acepção proposta por Maia (1986: 298):

“unidade do sistema grafemático, indivisível em unidades menores que sejam representantes gráficos de unidades da língua falada. Os grafemas definem-se, pois, como as

unidades mínimas pertencentes a um sistema grafemático, o qual, embora apresentando um grau de sistematização menor do que a que existe no interior dos sistemas fonológicos, tem a sua estrutura interna própria.”

Embora nos sistemas de escrita alfabética o ideal seja uma perfeita adequação entre o sistema gráfico e o fonológico, nem sempre os grafemas são monovalentes, podendo haver “polivalência dos signos gráficos” ou “poligrafia dos fonemas” (idem: 300). A autora prossegue, observando que esse desajuste se intensifica na medida em que a consolidação gráfica de uma língua não acompanha a mudança da língua falada, de ritmo mais acelerado. Apesar disso, é correto afirmar que “no caso dos sistemas de escrita de tipo alfabético, a expressão gráfica é o reflexo da expressão fônica.” (300)

Natural seria que, num trabalho que trata de textos do século XVII, tivéssemos encontrado uma profusão de grafias alatinadas ou helenizadas. De fato, muitas formas o são, mas comparativamente às que respeitam a pronúncia, não são tão significativas. O que se observa é a inserção de palavras extraídas no latim ou do grego - as refacções clássicas -, que convivem ao lado das já foneticamente modificadas, e uma imensa quantidade de oscilações entre as formas que respeitam a pronúncia e as que respeitam a etimologia - os sincretismos88. Tem-se, com isso, a nítida sensação de uma tentativa de perpetuar o espírito renascentista, e, ao mesmo tempo, uma incapacidade de apagar os séculos de uma tradição ortográfica orientada pela fonética.

Nos textos que compõem os corpora, observamos, tal qual nos textos do português arcaico, não haver uma inteira uniformização da grafia, mas percebemos, através da variantes (orto)gráficas e das várias advertências feitas pelos gramáticos seiscentistas, que a grafia procura representar a pronúncia dos itens lexicais.

Nos compêndios de ortografia analisados, observa-se uma alternância entre uma perspectiva sincrônica (bem de acordo com os compêndios do século anterior89, em que se tornou necessária e descrição e codificação da língua) e uma diacrônica (em que era necessário historiá-la). Tais oscilações aparecem de forma contraditória entre os gramáticos e ortógrafos seiscentistas, uma vez que defendem que se escreva como se pronuncia, ao mesmo tempo em que pregam uma escrita etimológica. Os ortógrafos advertem que a boa ortografia deve respeitar a origem da palavra, recomendando que se

escreva como se fala e que se fale como se escreve. No início da Orthographia, Vera define ortografia como sendo

"a arte de escrever as vozes com as letras dividas á direita pronunciação, & segundo sua origem: porque orthos (em Grego) quer dizer, direito; & graphos, escrevo: como se dissessemos, escrevo como pronuncio" (1 r.).

Bento Pereira também concorda com o colega, advertindo que "o bom Portuguez para ser totalmente verdadeyro, deve ter verdade no escrever, como a tem no fallar" (29).

Segue-se a isso, o seguinte exemplo:

"Sirvanos de exemplo o mesmo verbo, escrevo, o qual sendo no latim, scribo, lhe acrescentamos o e, & mudamos o b, em v; porque pronunciamos as tays letras no escrevo: pelo que nunca se devem acrescentar letras, que se não pronuncião, como alguns mal acrescentão".

Desse modo, mesmo se contradizendo o tempo todo, ambos propõem a escrita etimológica, desde que a forma da escrita não interfira na pronúncia das palavras.

Conforme dissemos anteriormente, o que mais nos chamou a atenção em relação à grafia foram os sincretismos, ou seja, a coexistência de formas paralelas de uma mesma palavra. Pereira (1933: 94) afirma ser o sincretismo vocabular próprio do

“periodo archaico da língua, que vae do sec. XII ao sec. XVI, época em que a disciplina grammatical começou a diminuir as incertezas morphicas e dar estabilidade a certas fórmas em detrimento de outras, que se archaizaram”.

Apesar de próprias do período arcaico, as oscilações gráficas são bastante freqüentes tanto nos textos manuscritos ou impressos constantes dos corpora, quanto no próprio corpo das gramáticas e tratados de ortografia utilizados para análise.

89 Vale lembrar que Fernão de Oliveira, em 1536, preocupa-se em representar as variantes fonéticas do

Nos itens que seguem, trataremos das variações gráficas de segmentos e seqüências vocálicas, bem como das variações gráficas de segmentos e seqüências consonânticas e poderemos constatar que o caráter arcaizante da língua no período clássico vai muito mais além das alternâncias i/e, e/a, e/o e da redução dos ditongos, apresentadas por Spina (1987:19).

Para afeito de análise, seguem-se tabelas, mostrando a variação gráfica entre vocábulos, de acordo com o seguinte critério: tanto para os textos manuscritos quanto para os impressos, as tabelas constam de 3 colunas, sendo que na primeira aparece o vocábulo; na segunda, o total de ocorrências e na terceira, a linha em que se encontra na edição ou no impresso (quando o número for superior a 06 ocorrências, serão apresentados somente alguns exemplos).

5.1.1. Estudo de segmentos e seqüências vocálicas

5.1.1.1.Variação entre <a> e <e>

Ocorrências de flutuação gráfica entre <a> e <e>: