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PARTE I – ENQUADRAMENTO TEÓRICO

3. A Política Agrícola Comum (PAC) e as pastagens

3.2. A PAC, o ambiente e as pastagens Medidas Agro-ambientais

A agricultura sustentável deve estar na base das políticas agrícolas nacionais, nomeadamente das medidas agro-ambientais, cuja implementação deve ser regida pela aplicação do princípio de produção integrada43, utilizando o solo em função das suas características ecológicas - ―… A capacidade de uso do solo é a resultante das suas potencialidades e limitações para culturas que respeitem a sua conservação…‖ (Salgueiro, 2003: 215)

42 Adesão em 2004 da Estónia, Letónia, Lituânia, Chipre, República Checa, Malta, Polónia, Hungria, Eslováquia e Eslovénia, e em 2007 da Bulgária e Roménia.

43 ―Integrated Production/Farming is a farming system that produces high quality food and other products by using natural resources and regulating mechanisms to replace polluting inputs and to secure sustainable farming.‖ (International Organization for Biological and Integrated Control of Noxious Animals and Plants, West Palearctic Regional Section - IOBC/WPRS, 2004, retirado de http://www.iobc- wprs.org/ip_ipm/01_IOBC_Principles_and_Tech_Guidelines_2004.pdf, p.4, 05/09/2012);

Sistema de cultura lucrativo, mas que respeita o ambiente e as condicionantes edafoclimáticas da região, preservando os factores naturais da exploração. (Salgueiro, 2003)

32 A par da capacidade de uso do solo, importa também considerar a Carta Ecológica de Portugal (de Manique e Albuquerque, datada de 1952), a qual distingue tipos de ambiente (zonas ecológicas) com base na silva climática - a distribuição espacial e delimitação destas zonas ecológicas são determinadas por factores naturais e resultam da interacção de ecologias distintas.

Neste sentido, nos solos classificados como pertencendo às classes D e E, sem características que assegurem rentabilidade económica das culturas agrícolas e com riscos elevados de erosão, as utilizações recomendáveis são a floresta e as pastagens permanentes, ―… que, como regra e por motivos económicos, devem ser semeadas… [sublinhado da Autora]‖ (Salgueiro, 2003: 216)

O nº 1 do artigo 39º do Tratado de Roma44 define os cinco objectivos da PAC, consistindo o primeiro em ―… Aumentar a produtividade, desenvolvendo o progresso técnico e assegurando o desenvolvimento racional da produção agrícola, bem como o emprego óptimo dos factores de produção, nomeadamente da mão-de-obra…‖ (Salgueiro, 2003: 214)

O nº 2 do mesmo artigo determina ainda que ―… Na elaboração da política agrícola comum e dos métodos especiais que ela possa implicar, tomar-se-á em consideração:

a) A natureza particular da actividade agrícola decorrente da estrutura social da agricultura e das disparidades estruturais e naturais entre as diversas regiões agrícolas…‖44

À época a recomendação estava no sentido da conservação do solo contra a erosão, tendo a Direcção Geral dos Serviços Agrícolas promovido na década de 50 do século XX a instalação de dois campos experimentais ligados a esta questão: um em Trás-os-Montes (Mirandela), outro no Baixo Alentejo (Mértola)45.

Contudo, e apesar dos «necessários» aumentos de produtividade (sobretudo de trigo e milho, tendo a deste último quase triplicado entre as décadas de 50 e 80 do século passado), os fertilizantes e pesticidas químicos utilizados para tal fim conduziram a problemas de poluição, em especial do solo e da água, evidentes sobretudo a partir da década de 80 desse mesmo século, época em que aumenta a

44 ―Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia‖, p. 25, disponível em http://eur-

lex.europa.eu/pt/treaties/index.htm#founding, 04/09/2012

33 preocupação com o ambiente resultante da poluição causada também pela indústria e transportes.

É neste contexto, que surge o conceito de agricultura sustentável (associado ao conceito de desenvolvimento sustentado), cujo objectivo é definido pela FAO como de ―… satisfação contínua das necessidades, não só das gerações actuais, mas também das futuras, conservando o solo, a água e os recursos genéticos vegetais e animais…‖, não devendo para tal fim ―… degradar o ambiente, mas precisa de ser tecnicamente adequada, economicamente viável e socialmente aceitável...‖ (Salgueiro, 2003: 215)

Prega-se, então, uma agricultura que seja sustentável no tempo, mas também rentável para os agricultores, que concilie ―… a minimização dos efeitos negativos sobre o ambiente com a maximização do rendimento dos agricultores…‖ (op. cit.)

Assim, se inicialmente a PAC preconizava uma intensificação agrícola, passou a defender, com a Reforma de 1992, uma extensificação da mesma.

Neste contexto, enquanto medidas de acompanhamento da reforma da política agrícola comum, surgem as medidas agro-ambientais, que tiveram o I Programa (Agro- Ambiental) no âmbito do ―Regulamento (CEE) nº 2078/92 do Conselho, de 30 de Junho de 1992, relativo a métodos de produção agrícola compatíveis com as exigências da protecção do ambiente e à preservação do espaço natural, revogado pelo Regulamento (CE) N.- 1257/1999 do Conselho, de 17 de Maio de 1999, relativo ao apoio do Fundo Europeu de Orientação e de Garantia Agrícola (FEOGA) ao desenvolvimento rural e que altera e revoga determinados regulamentos‖, o qual deu início ao II Programa Agro- Ambiental.

No Art.º 1º do Reg. (CEE) nº 2078/92, relativo aos objectivos do regime de ajudas, pode ler-se que o regime de ajudas se destina a:

―… b) Favorecer uma extensificação favorável ao ambiente das produções vegetais e da criação de bovinos e ovinos, incluindo a reconversão das terras aráveis em prados extensivos [sublinhado da Autora];

c) Favorecer uma exploração das terras agrícolas que tenha em conta a protecção e melhoramento do ambiente, do espaço natural, da paisagem, dos recursos naturais, dos solos e da diversidade genética… [sublinhado da Autora]‖

34 No Artº. 2º do mesmo regulamento pode também ler-se que o regime de ajudas abrange os agricultores que, num contexto de benefícios ambientais, se comprometam a: ―… b) Proceder, por meios não referidos na alínea a), a uma extensificação das produções vegetais, incluindo as forrageiras, ou manter a produção extensiva já em curso, ou a uma reconversão das terras aráveis em prados extensivos;

c) Diminuir o encabeçamento dos efectivos bovinos ou ovinos por unidade de superfície forrageira;

d) Utilizar outras práticas de produção compatíveis com as exigências da protecção do ambiente e dos recursos naturais, bem como da preservação do espaço natural e da paisagem, ou criar animais de raças locais ameaçadas de extinção…‖

As medidas agro-ambientais em Portugal teriam, assim, os seguintes impactos:

1) Diminuição do efeito poluente da agricultura; 2) Extensificação / manutenção dos

sistemas agrícolas tradicionais extensivos - Sistemas cerealíferos de sequeiro; Sistemas forrageiros extensivos; 3) Conservação dos recursos e da paisagem rural; 4) Formação profissional.

A este propósito, a Portaria 698/94, de 26 de Julho46, refere que ―… Considerando (...) a agricultura portuguesa, na sua generalidade, extensiva, importa criar incentivos para a manutenção desses sistemas de produção, contribuindo, assim, para não só proporcionar a melhoria das condições de vida das populações rurais como também preservar o ambiente e a conservação da natureza…‖ (in Madeira, 2010)

Contudo, a adaptação em Portugal a estas medidas, sobretudo no Alentejo, que se encontrava a meio de um processo de modernização, foi extremamente complicado, especialmente perante as falhas nos pagamentos aos agricultores de tais medidas por parte da Administração Portuguesa, reduzindo-lhes ainda mais os rendimentos e em nada contribuindo para a manutenção da protecção do coberto vegetal.

Esta situação agrava-se com a Reforma associada à Agenda 2000, e com a Reforma de 2003, aumentando o abandono de terras e da actividade agrícola, a qual havia já degradado profundamente o solo na região do Alentejo.

46 Estabelece o regime das ajudas à extensificação e ou manutenção de sistemas agrícolas tradicionais extensivos, aprovado no âmbito das medidas agro-ambientais instituídas pelo Regulamento (CEE) n.º 2078/92, do Conselho, de 30 de Junho.

35 O Regulamento (CE) Nº 1257/1999 ―… estabelece o quadro do apoio comunitário a favor de um desenvolvimento rural sustentável, identifica as Medidas Agro-Ambientais como uma das nove Medidas de Desenvolvimento Rural e explicita que o apoio aos métodos de produção agrícola destinados a proteger o ambiente e a manter o espaço rural (agro ambiente) deve contribuir para a realização dos objectivos das políticas comunitárias de agricultura e de ambiente (Capítulo VI, Artigo 22º, do Reg. 1257/99)...‖ (Bandeira, 2003: 2)

As medidas agro-ambientais em Portugal associadas à Reforma de 1999 (Programa RURIS), evoluíram da valorização dos sistemas forrageiros extensivos em 2001 para a valorização dos sistemas arvenses de sequeiro em 2003, constando da Portaria n.º 1212/200347―… o reforço do apoio à conservação e melhoria do ambiente e o apoio dos sistemas de agricultura tradicionais para os quais não existem alternativas economicamente viáveis…‖ (in Madeira, 2010)

Como refere a Portaria nº 475/2001 de 10 de Maio, ―… Na sequência do Regulamento (CE) nº. 1257/1999, do Conselho, de 17 de Maio, foi aprovado o Plano de Desenvolvimento Rural, abreviadamente designado por RURIS, que instituiu a intervenção Medidas Agro-Ambientais, a qual tem como princípio fundamental as exigências ambientais como elemento essencial na preservação dos recursos naturais e paisagísticos...‖

Esta Portaria estabelece o regime de aplicação da intervenção Medidas Agro- Ambientais, do Plano de Desenvolvimento Rural (RURIS), referindo no Art.º 2º os seguintes objectivos:

―… a) Promover formas de exploração das terras agrícolas compatíveis com a protecção e a melhoria do ambiente, da paisagem e das suas características, dos recursos naturais, dos solos e da diversidade genética [sublinhado da Autora];

b) Incentivar uma extensificação da actividade agrícola e a manutenção de sistemas de pastagem extensivos sublinhado da Autora];

c) Contribuir para a conservação de espaços cultivados de grande valor natural; d) Permitir a preservação da paisagem e das características históricas e tradicionais nas terras agrícolas;

47 Aprova o Regulamento estabelece o regime de ajudas a conceder no âmbito da intervenção «Medidas agro-ambientais», do Plano de Desenvolvimento Rural, abreviadamente designado por RURIS.

36 e) Fomentar a utilização do planeamento ambiental nas explorações agrícolas...‖ As medidas dividem-se nos seguintes grupos, constantes do Art.º 4º da mesma Portaria:

―… a) Grupo I — Protecção e melhoria do ambiente, dos solos e da água;

b) Grupo II — Preservação da paisagem e das características tradicionais nas terras agrícolas;

c) Grupo III — Conservação e melhoramento de espaços cultivados de grande valor natural;

d) Grupo IV — Conservação de manchas residuais de ecossistemas naturais em paisagens dominantemente agrícolas;

e) Grupo V — Protecção da diversidade genética…‖

Em relação às pastagens e forragens, estas são abrangidas pelas medidas agro- ambientais (cujo montante de ajuda monetária depende da área abrangida) referentes a: a) sistemas policulturais tradicionais (Grupo III); b) lameiros e outros prados e pastagens de elevado valor florístico (Grupo III); c) sistemas forrageiros extensivos (Grupo I).

Mais, é de ―… referir o apoio à «Manutenção das Raças Autóctones» que se pretende alargar para incluir algumas raças anteriormente excluídas deste programa por terem ultrapassado o limite máximo de efectivos (…) e que constituem uma das possibilidades mais interessantes para a valorização de grandes áreas de pastagem no nosso país, nomeadamente nas zonas de montanha.

Também nas medidas florestais, para além de se terem reforçado as ajudas à utilização silvopastoril, clarificou-se o apoio às culturas de cobertura de solo, o que permitirá uma gestão mais adequada do sub-coberto, nomeadamente através da pastorícia...‖ (Barros, 2003: 93)

Contudo, pese embora os efeitos positivos de algumas políticas, por exemplo, ao nível da erosão e desertificação, as medidas agro-ambientais e de reflorestação de terras agrícolas marginais não viriam a ter os impactos esperados na região do Alentejo, já que a redução dos incentivos previstos dificultava ainda mais a já precária situação económica dos agricultores e das explorações agrícolas, e conduzia-os a optar por culturas desadequadas.

37 Um outro exemplo, da legislação comunitária relativa às culturas arvenses48determina que as parcelas em set-aside49 devem ter uma cobertura vegetal adequada, seja natural (espontânea) ou semeada, para reduzir os riscos de erosão; contudo, a legislação portuguesa de aplicação deste regulamento não refere, por exemplo, os trevos anuais na lista de espécies que podem ser semeadas, os quais têm grande área de aptidão.

A legislação europeia (e respectiva transposição para a legislação nacional) pretendia então beneficiar as pastagens e o pastoreio (embora nem sempre com sucesso ou de forma adequada), desde que praticados de forma sustentável e no sentido da protecção e conservação dos solos, paisagem e biodiversidade.

Relativamente à PAC pós-2003, esta pretende que os países produzam ―… alimentos de qualidade em sistemas sustentáveis, de acordo com a vocação de cada território, e utilizando práticas respeitadoras do ambiente e conservadoras dos ecossistemas tradicionais.‖ (Crespo, in Serrano, 2006: XIX)

Tanto as pastagens melhoradas como as produções animais a elas associadas se enquadram nestes parâmetros, já que abrangem produção alimentar de elevada qualidade e melhoramento do ambiente natural, nomeadamente do solo, água, atmosfera, paisagem e biodiversidade.

A Reforma de 2003 concretizou-se em 2005 através do novo regulamento para o desenvolvimento rural50, que aprofunda a abordagem do regulamento anterior, traduzindo-se em Portugal no PRODER – Programa de Desenvolvimento Rural, no âmbito da Produção Integrada, do Modo de Produção Biológico e da Conservação do solo, prosseguindo o PRODER os seguintes objectivos51: 1) Aumentar a competitividade dos sectores agrícola e florestal; 2) Promover a sustentabilidade dos espaços rurais e dos recursos naturais; 3) Revitalizar económica e socialmente as zonas rurais.

48 Regulamento (CEE) nº 1765/92 do Conselho, de 30 de Junho de 1992, que institui um sistema de apoio aos produtores de determinadas culturas arvenses.

49 Pousio.

50 Regulamento (CE) nº 1698/2005 do Conselho, de 20 de Setembro de 2005, relativo ao apoio ao desenvolvimento rural pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER)

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3.2.1. A PAC pós-2013 e as pastagens – que perspectivas?

A PAC pós-2013 abrange diversas preocupações alimentares, económicas (agrícolas) e ambientais, enfrentando diversos desafios:

 Responder às crescentes necessidades de produção alimentar, mas num contexto de sustentabilidade ambiental;

 Garantir a viabilidade económica e a sustentabilidade ecológica da agricultura em toda a UE;

 Conciliar os elevados padrões de qualidade e segurança alimentar e as exigentes normas comunitárias, com a competitividade da agricultura europeia a nível internacional;

 Garantir que a PAC se mantenha como verdadeira política comum, assente em regras comuns, e responda à enorme diversidade das agriculturas e dos territórios rurais europeus.

Neste âmbito, e num contexto de mudanças climáticas globais, os esforços gerais da futura PAC, alinhados com os objectivos temáticos do Quadro Estratégico Comum, vão no sentido de (Cordovil, 2012):

 Melhorar o sequestro de carbono e a redução das emissões agrícolas e florestais, através de: 1) Sistemas agro-florestais; 2) Plantação e conservação/manutenção de florestas; 3) Gestão climate-friendly das florestas novas e pré-existentes; 4) Implementar ou manter pastagens saudáveis; 5) Manutenção de turfeiras.

 Melhor gestão de solo através do apoio a práticas preventivas da degradação do solo e depleção do stock de carbono do solo: 1) Mobilização de solo reduzida; 2) Cobertura vegetal de Inverno; 3) Instalação de sistemas agro- florestais e de novas florestas.

 Aumentar a eficiência do uso da água na agricultura, através de investimentos em irrigação, sensibilização sobre uso eficiente de água, e preservação das funções do solo enquanto filtro e tampão;

39  Melhorar a qualidade do solo e da água, e contribuir para a protecção do solo contra a erosão, compactação, salinização, deslizamentos, e perda de matéria orgânica.

Esquematizando:

Fig. 3 – “Propostas da Comissão para a PAC Pós-2013:desafios e opções” (Fonte: Cordovil, 2012: 12)

As acções previstas e as regulamentações apontam assim para a continuação da protecção e estímulo à manutenção/implementação de pastagens, especialmente enquanto mecanismo de protecção dos solos e de armazenamento de carbono.

No seguimento das políticas associadas à produção de pastagens num contexto de sustentabilidade da agricultura e dos ecossistemas rurais, importa contextualizar conceptualmente a temática do melhoramento de solos, o que se apresenta no próximo ponto.