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PARTE II – CASO DE ESTUDO: CONCELHO DE MÉRTOLA

1. Enquadramento geográfico, físico e histórico da área de estudo

1.4. Solos

1.4.4. Mudanças de uso do solo e degradação do solo no Baixo Alentejo –

1.4.4.1. Evolução recente A Política Agrícola Comum

Até à adesão de Portugal à CEE (Comunidade Económica Europeia) no ano de 1985, o uso de solo dominante no Baixo Alentejo, e no concelho de Mértola, continuou a ser o cultivo de cereais.

No entanto, ocorreu uma quebra acentuada no concelho em função da emigração e consequente abandono da actividade agrícola (e das terras), conduzindo ao aumento das áreas incultas e a alguma regeneração, embora ténue, da vegetação natural.

Aquando da adesão portuguesa, o contexto agrícola na CEE era de excedentes de produção em vários países, que olharam para Portugal como um potencial mercado para exportação, condicionando-lhe a produção própria - a produção cerealífera indispensável enquanto fonte de rendimento, por exemplo, no concelho de Mértola, estava muito condicionada, sendo insustentável financeiramente, e não havendo solução senão o proteccionismo, por sua vez impedido pela adesão ao Mercado Comum.

Esta questão dos excedentes estruturais110 resultantes da PAC seria resolvida através da Nova Política de Estruturas Agrícolas (1985), com base na diminuição da

109 Casimiro, 1993; Roxo et. al., 1998

87 população agrícola, na criação de uma agricultura moderna e na redução da superfície cultivada – em suma, menos investimento para menor produção, mas com maior apoio às explorações agrícolas e aos empresários.

Contudo, a agricultura portuguesa caracterizava-se por uma grande necessidade de importação, que, a par da redução de produção exigida, implicava custos superiores às ajudas fornecidas pela CEE, e uma grande contribuição líquida de Portugal para o FEOGA-Garantia – deveria existir, então, uma contrapartida, como a permissão de aumento da produção, mas que estava impedida pela Nova Política de Estruturas Agrícolas.

Desta forma, para que Portugal ultrapassasse o atraso técnico e estrutural da sua economia e as insuficiências da agricultura, foi implementado aquando da adesão e ao longo do período de transição (10 anos) o Programa Específico de Desenvolvimento da Agricultura Portuguesa (PEDAP).

O PEDAP tinha os objectivos gerais a melhoria sensível das condições de produção e de comercialização, e a melhoria de conjunto da situação estrutural do sector agrícola português, estando previstos financiamentos para formação, melhoria de estruturas de produção e fundiárias, melhoramento físico (irrigação, drenagem, vedações, caminhos), ordenamento fundiário (reorientação da produção), valorização de produtos agro-florestais (cujo balanço comercial era positivo apenas em Portugal) e melhoramento florestal.

Os financiamentos eram direccionados a regiões desfavorecidas, para zonas definidas com base nos seguintes critérios:

 Mais de 50% da superfície agrícola do concelho em que se inserem tem solos com limitações significativas à agricultura;

 Carga pecuária inferior a 0,2 cabeças de gado por hectare de superfície forrageira;

 Densidade populacional inferior a 56 hab/km2, ou diminuição anual de população igual ou superior a 0,5%, ou percentagem de população activa a trabalhar na agricultura igual ou superior a 30%.

110 Considerando, por exemplo, que o crescimento demográfico e consequente procura não aumentavam,

88 Estes critérios faziam do concelho de Mértola uma região desfavorecida, já que possuía: (1) 97% dos solos de classe D+E; (2) Densidade populacional de 8,8 hab/km2;

(3) Encabeçamento de 0,5 ovelhas/hectare; (4) Perto de 49% da população activa no

sector primário (dados de 1981); (5) Diminuição da população na ordem dos 19% entre 1970 e 198, e dos 4% entre 1981 e 1991.

Assim, sob excepção do regime do PEDAP, a reforma da PAC permitia algumas alternativas, sendo de destacar no âmbito do presente trabalho as acções de protecção do ambiente e/ou ligadas ao turismo rural, introduzindo ou preservando práticas agrícolas não intensivas como as pastagens em áreas ambientalmente sensíveis, preservando as reservas naturais através da total eliminação de utilizações agrícolas nas mesmas, e estimulando actividades complementares como o turismo rural e habitação ligada à caça, pesca ou lazer.

No âmbito destas alternativas, que mais não fazem senão estimular um uso mais racional dos solos, tornando-os mais rentáveis e viabilizando economicamente as explorações agrícolas, surge um projecto de melhoramento de pastagens denominado PAPCAM – Projecto Agro-Pecuário da Cooperativa Agrícola de Mértola (que será analisado de forma mais aprofundada no Ponto 3.3.1, página 121).

Enquadrado no PEDAP, este projecto teve início em 1987 tendo como ponto de partida a iniciativa dos agricultores da região de Mértola, e um dos seus objectivos (além da revitalização geral da vida rural da região) era a redução da erosão do solo, através do aumento da fertilidade e diminuição das mobilizações.

O projecto pretendia a extensificação das práticas agrícolas, no seguimento das directivas comunitárias, com o objectivo de trazer benefícios directos ou indirectos a quase 30% da área do concelho de Mértola – além da melhoria nas condições sanitárias dos animais e do aumento desejável do encabeçamento, implicaram alterações aos usos de solo na região, de uma forma mais ou menos significativa.

Estas alterações foram sobretudo ao nível dos pousios convertidos em pastagens, ou de matos (ou pousios ocupados com matos) convertidos em pastagens, sempre através de rotações culturais específicas e durante um período de tempo determinado.

Além das conversões de uso do solo, conseguiram-se também aumentos de encabeçamento (embora perto dos limites estabelecidos pela CEE) e de produção de leite, bem como a melhoria da alimentação dos animais.

No que diz respeito à conservação dos solos, especialmente em relação à erosão, o aumento da área de pastagens é benéfico na recuperação de solos degradados; por

89 outro lado, um correcto encabeçamento reduz riscos de sobrepastoreio, e os prados constituem também uma alternativa economicamente viável para os agricultores que abandonaram os cereais.

Assim, os condicionamentos edafoclimáticos e económicos à produção cerealífera foram sempre compensados pelos subsídios e demais ajudas governamentais, bem como pela evolução tecnológica, e nem os excedentes de produção, quando os houve, a baixa de rendimentos agrícolas e agro-pecuários, ou a manifesta degradação ambiental e a clara desadequação dos cereais aos solos pobres, pedregosos e declivosos, conseguiram erradicar esta prática agrícola.

Até à reforma associada à Agenda 2000, a PAC tinha por base geral o princípio da subsidiariedade, conduzindo os agricultores e produtores florestais a optar pelo uso de solo mais lucrativo, de forma directa (comercialização) ou indirecta (subsídios), independentemente das consequências negativas já conhecidas sobre os recursos naturais – manteve-se, por exemplo, a produção de trigo, mesmo que apenas para palha e restolho, e praticaram-se encabeçamentos excessivos para a capacidade dos solos e das pastagens (subsídios por cabeça).

Mesmo os apoios associados a Medidas Agro-Ambientais, de cariz teoricamente protector dos recursos naturais e práticas agrícolas sustentáveis, traduziram-se em alterações na paisagem rural e nos usos de solo não só em Mértola como em todo o Alentejo – arroteamento de solo a nu para cereais, e aumento das áreas convertidas em floresta111, contribuindo para uma maior degradação dos solos, vegetação e água (desertificação) e para a ocupação e consequente ―… diminuição das áreas abandonadas (longos pousios), onde se havia desenvolvido uma vegetação ―natural‖ espontânea de cariz mediterrânico com grande interesse para a regeneração dos ecossistemas e para o desenvolvimento de outras actividades económicas ligadas ao mundo rural, como a pastorícia extensiva, a apicultura, a caça, as aromáticas e seus produtos associados…‖ (Roxo et. al., 1998: 178)

Cresceu assim a mobilização intensa dos solos e a aplicação de fertilizantes, os quais permitem aumentar a produtividade dos solos que são claramente pobres e

111 Muito por conta do Regulamento (CEE) nº 2080/92 do Conselho de 30 de Junho, que institui um regime comunitário de ajudas às medidas florestais na agricultura, o qual criou margem para que terrenos incultos abandonados, nos quais se foi regenerando a vegetação ―natural‖, fossem limpos de forma a manter estatuto de terreno agrícola e beneficiar de subsídios para florestação com pinheiro, azinheiras e sobreiros (Roxo et. al., 1998: 178).

90 degradados, mas que se situam em locais (freguesias) com um potencial de produtividade média elevado que proporciona maiores subsídios.

Mais, a perspectiva do término dos subsídios com a reforma da PAC da Agenda 2000 levou a que persistissem os arroteamentos para cultivo de trigo e aproveitamento dos últimos subsídios a atribuir, não obstante a degradação ambiental associada e as consequências socioeconómicas associadas, agravadas também pelas alterações climáticas – traduzidas em maior irregularidade de precipitação, concentração de episódios chuvosos e aumento dos períodos de seca e das temperaturas extremas.

As mudanças de uso do solo que afastem a cultura cerealífera serão, em princípio, positivas (como as subsidiadas pastagens e florestas), embora a melhor solução possa ser mesmo o abandono da actividade agrícola, para recuperação do coberto vegetal adaptado às condições edafoclimáticas locais, conservação do solo e água, e rentabilização das terras através da caça e dos produtos específicos das mesmas – mel, ervas aromáticas, etc.

Assim, as alterações de uso conducentes ao reforço da implementação de sistemas forrageiros extensivos e permanentes mais eficientes poderão constituir ―… uma opção muito válida e equilibrada do ponto de vista ambiental e socioeconómico, desde que instalados e geridos localmente, em função da superfície utilizada, de modo a evitar situações de sobrepastoreio responsáveis pela inevitável degradação desse coberto vegetal. O facto da criação de gado ter sido incentivada com a atribuição de subsídio por cabeça de gado, causou em alguns casos um excesso de encabeçamento que conduziu a problemas graves de degradação...‖ (Roxo et. al., 1998: 180-181)

A propósito de projectos como o já referido Extensity (Ponto 4.2, página 41), e como se desenvolverá mais adiante a propósito dos Projectos PAPCAM (Ponto 3.3.1, página 121) e RUMUS (Ponto 3.3.2, página 131), são necessários modelos de gestão agrícola mais racionais, com culturas alternativas e actividades diversificadas e complementares, conducentes a uma exploração dos recursos naturais baseada na conservação e preservação do Ambiente.

Tal pode (e deve) passar pela aposta nas pastagens permanentes semeadas, associadas ao pastoreio, cuja situação no Alentejo será analisada mais adiante, no Ponto 3.1.

91 Terminado este enquadramento da área de estudo, de índole qualitativa e com base em pesquisa bibliográfica, segue-se uma analisa qualitativa, baseada em indicadores estatísticos.