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PARTE II – CASO DE ESTUDO: CONCELHO DE MÉRTOLA

3. Projectos de melhoramento de solos através de pastagens

3.1. As pastagens e o pastoreio no Alentejo

Ao longo dos tempos, embora a pecuária tivesse algum peso na economia do Alentejo, a principal base da agricultura extensiva foram, e são, os cereais – estimulados

113 pelo poder político, constituíam o principal rendimento das explorações agrícolas e forneciam à pecuária nas parcelas de pousio pastagens naturais complementadas pelos restolhos e palhas de cereais.

O Alentejo foi sempre de uma forma geral encarado como ―Celeiro de Portugal‖ e não como região propícia à pecuária, com cargas animais reduzidas em função do sistema cerealífero que fornecia poucos recursos de pastoreio (Crespo, in Serrano, 2006: XII – XIII), tendo-se tornado insustentáveis os sistemas cerealíferos extensivos (antigos116 e recentes117) em função da globalização do mercado e do fim das ajudas directas.

Consequentemente, desde a década de 1970, a área de cultivo de cereais de sequeiro no Alentejo reduziu-se para menos de metade, ficando libertos mais de 500.000 ha de terra, muitos deles com capacidade agrícola, e que se convertem em pastagens permanentes naturais de baixa produtividade ou são invadidos por vegetação arbustiva propícia à ocorrência de incêndios.

A reduzida fertilidade dos solos alentejanos foi agravada pelos usos de solo e práticas agrícolas – lavouras demasiado frequentes que aceleram a combustão da matéria orgânica e afectam a sua estrutura, dificultando a disponibilidade de nutrientes e a infiltração das águas, aumentando a escorrência e consequente erosão das camadas superficiais (com maior potencial de fertilidade).

Também as campanhas do trigo reduziram drasticamente a fertilidade dos solos, além de terem destruído vastas áreas de montado e diminuído a produtividade e qualidade das pastagens naturais.

Assim, as pastagens naturais evoluíram desde a década de 50 do século XX em condições de carência de nutrientes, e com a sua composição já pobre a ser agravada pela aplicação de herbicidas nas culturas cerealíferas, o que se traduziu no predomínio de espécies que, embora estejam bem adaptadas a condições de fertilidade reduzida, se caracterizam por uma fraca capacidade de produção de biomassa, com pouco valor forrageiro e rejeitadas pelos animais, sendo por vezes mesmo tóxicas (Crespo, in Serrano, 2006: XV – XVI).

116 Alqueive – trigo - aveia/cevada/centeio ou triticale (cereal híbrido de trigo e centeio) – pousio. 117 Por exemplo o fortemente subsidiado alqueive – trigo rijo.

114 As pastagens mais abundantes no Alentejo são constituídas por ―… comunidades de herbáceas anuais, com algumas vivazes, sobre solos maioritariamente oligotróficos pouco evoluídos, com muito baixo teor de MO e, consequentemente, com baixa capacidade de retenção de água. (…) Uma das características que mais ressalta nestas comunidades de pastos é serem muito heterogéneas, quer dentro de pequenas áreas quer inter anos. Tal será devido a micro alterações pedológicas e climáticas que aparentemente parecem não existir...‖ (Serrano, 2006: 19)

Estas comunidades ocupam áreas de difícil acesso, pousios recentes, e solos muito degradados pelo ser humano, estando as áreas mais extensas e típicas sob-coberto dos montados, olivais velhos e pinhais, e áreas limpas sobre solos delgados e erodidos.

Por outro lado, é de salientar que estas formações herbáceas e/ou arbustivas actuais, em função da degradação do solo, surgem mais ou menos rapidamente em áreas que foram cultivadas durante décadas em solos impróprios e com técnicas culturais desadequadas (como ocorreu no Alentejo), e que por isso perderam viabilidade económica e foram abandonadas.

Ainda segundo Serrano, ―… [não são] necessárias grandes áreas de regressão florística, onde o Homem não teria lugar a não ser como mero visitante. Com um estrato herbáceo permanente, limpo e melhorado estaremos a favorecer o arbóreo, a defender o ambiente e a permitir a actividade humana. Ao arbustivo caberá sempre a função protectora de zonas mais inóspitas e inacessíveis, onde o homem o deve circunscrever e, se necessário, proteger. E essas zonas já naturalmente existem, estando mesmo em expansão…‖ (Serrano, 2006: 22)

As leis de protecção ambiental deverão assim permitir as desmatações controladas de montados, de forma a proporcionar boas condições para o desenvolvimento de estrato herbáceo, isto é, de pastagens, com os adequados limites aos meios mecânicos utilizados.

O controlo das arbustivas e a melhoria destes solos depende, assim, da rápida reconversão destas áreas em pastagens efectivas, com densos cobertos herbáceos, sendo as arbustivas eliminadas naturalmente e de forma gradual conforme a matéria orgânica do solo for aumentando.

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3.1.1. A Ovelha Campaniça

Em substituição das áreas do Alentejo ocupadas por pastagens naturais pobres, os sistemas forrageiros extensivos contribuem para aumentar a produção animal de forma a colmatar o défice nacional de carne, deixando ainda margem para exportação de carne de qualidade, alimentada de forma natural, por isso menos dispendiosa, estimulando a economia da região e do país (Crespo, in Serrano, 2006: XIX).

Neste sentido, é inevitável, no âmbito da temática das pastagens e do pastoreio no Alentejo, fazer uma referência mais detalhada à ovelha de Raça Campaniça, muito possivelmente originária da Península Ibérica, autóctone do Alentejo e gerida pela ACOS – Associação de Criadores de Ovinos do Sul, que detém o Livro Genealógico da raça.

Fig. 25 – Ovelhas de raça Campaniça

(Fonte: http://autoctones.ruralbit.com/?rac=41&esp=2 , 26/10/2012)

Esta raça é de elevada rusticidade (simplicidade), e tradicionalmente explorada em sistema extensivo nas áreas marginais do Alentejo interior, constituindo uma actividade secundária e complementar à produção cerealífera, além de permitir aproveitar os restolhos, palhas e pousios

116 A alimentação destes animais tem por base o aproveitamento de pastagens naturais ou semeadas no Outono e Primavera, e dos subprodutos da cultura cerealífera durante o Verão, com suplementação em épocas de carência alimentar.

Ao nível da qualidade da lã, a raça é classificada por Bernardo Lima num de dois tipos por si designados (1873, in Matos et. al., 2010: 25) – os Bordaleiros finos ou comuns, por oposição aos Bordaleiros feltrosos, com lã mais grosseira, e aos churros (Matos et. al., 2010: 25; Matos, 2012 (?): 2). Classificações mais recentes incluem a raça Campaniça na sub-raça Bordaleiro comum ou Alentejana, destacada pelas qualidades lanares do tipo Cruzado (Cordeiro, 1982, com base em Morais, 1947, in Matos et. al., 2010: 25).

―… Referindo-se particularmente à raça ovina Campaniça, Frazão afirma ainda que ela é «...um dos abencerragens118 do ovino ―burdo‖ mais fino que povoava intensamente a nossa península»…‖ (1959, in Matos, 2012(?): 2), isto segundo escritos de Políbio, Plínio e Estrabão, que mencionam a existência na Península Ibérica, anterior aos Merinos do Tronco Africano, de ovinos maioritariamente brancos, alguns pretos, de lã «burda119».

―Quanto à origem do termo Campaniça, que dá o nome à raça, tudo indica que esteja associado à região do «Campo Branco120» que é considerada actualmente o verdadeiro solar da raça.‖ (Matos et. al., 2010: 25, com base em Frazão, 1959; Sobral et. al., 1990), embora tenha existido também a opinião de que a Campaniça dominava a Província do Algarve (distrito de Faro) e a sul do Distrito de Beja, até ser gradualmente substituída pelo Churro Algarvio e pelo Merino (Matos et. al., 2010: 26, com base em Mason, 1967).

O efectivo de Campaniça estimado para 1955 por Frazão (1959, in Matos et. al., 2010: 26) era da ordem das 25000 cabeças, as quais diminuíram para cerca de 3000 em 1992, sendo a raça declarada em vias de extinção, de acordo com as normas da FAO e Comissão Europeia.

Neste contexto, foi instituída no âmbito da PAC uma política de incentivos financeiros aos criadores de raças ovinas nacionais consideradas em vias de extinção, o

118 Tribo que dominou em Granada antes da conquista deste reino pelos reis católicos. (Fonte: Retirado de

http://www.infopedia.pt/lingua-portuguesa/Abencerragens , a 26/10/2012)

119 ―Termo castelhano que significa grosseiro e que terá dado origem, segundo Miranda do Vale, 1949, à palavra bordaleiro‖ (Matos, 2012(?), 2).

117 que conduziu a algum aumento do efectivo e dos criadores, existindo em 2012 registo de 6750 fêmeas e 22 criadores, segundo o Registo Zootécnico da Raça Campaniça (Matos, 2012(?): 1), com um alargamento da área de dispersão aos concelhos da margem esquerda do Guadiana (Serpa, Moura e Barrancos).

Além da elevada qualidade apresentada pela carne, tendo em conta a riqueza butirosa121 que apresenta, o leite de ovelha Campaniça tem elevado rendimento para queijo, tendo sido tradicionalmente utilizado no fabrico do Queijo Serpa (Matos et. al., 2010: 29, com base em Sobral et. al., 1990; Ribeiro e Sobral, 1991; Conduto, 1997), através de ordenha manual e transformação na própria exploração ou venda para rouparias122 das imediações, práticas abandonadas pelos custos elevados das ordenhas, pelas condições pouco favoráveis em que eram realizadas e pela escassez de mão-de- obra.