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3. ANÁLISE DO CORO DE MEDEIA DE EURÍPIDES

3.2. TEMÁTICAS DO CORO DE MEDEIA

3.2.4. A PAIXÃO E A MORTE

Neste tópico, diferentemente dos anteriores, trabalharemos dois temas em conjunto. A escolha de organizar desta maneira veio devido à dificuldade em separar estas duas temáticas que aparecem sempre interligadas durante toda a obra. Faz-se mister frisar que abordaremos estes temas como objetos que se completam, uma vez que se relacionam claramente como causa e consequência e, por isso, poderão aparecer como sinônimos, em determinados momentos da obra.

Sem seguir a ordem da causa e da consequência, falaremos inicialmente sobre a temática da morte, que está presente em tudo: nas recapitulações de episódios do passado, no

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planejamento das ações do futuro e, por conseguinte, nos atos do presente. A partir de um determinado ponto, introduziremos o tema da paixão que aparece sempre como o sujeito impulsionador e responsável pelos crimes e pelas ações irracionais, realizadas pela protagonista. O Coro, quase sempre, apresentará um discurso a favor da vida e da racionalidade. É o que podemos conferir, desde do párodo, quando este enfaticamente tenta acalmar Medeia, que deseja morrer, devido ao abandono de Jasão.

A temática da morte ganha destaque, em meados da obra, após Medeia pormenorizar o trajeto do plano que executará, a fim de vingar-se de Jasão. A partir de então, o tema da morte torna-se fundamental nas falas do Coro, não havendo odes, nem diálogos, em que este assunto não esteja presente, mesmo que de forma implícita.

Uma das passagens interessantes, a que aqui daremos especial atenção, ocorre na última estrofe do terceiro estásimo, no momento em que o Coro demonstra a sua indignação em relação ao plano de vingança de Medeia, afirmando que uma mãe assassina não merecerá ser acolhida por um lar hospitaleiro (v.846). É imprescindível não esquecer que, antes do Coro frisar este ponto, ele havia feito uma exaltação honrosa a Atenas e ao povo que de lá provém (vv.824-843). Podemos, portanto, afirmar que o Coro já não vê como digno o fato de Egeu, rei de Atenas, acolher Medeia em seu país e em sua casa, caso a feiticeira mate os próprios filhos. É sabido que Medeia cometeu e/ou arquitetou não menos que seis assassinatos64, porém o Coro

só se manifestou contundentemente a respeito do crime vindouro. Decerto, pelo fato de ser um crime de sangue, seria pior que os outros, haja vista que, para época, este tipo de delito configuraria num descomedimento grave que, sem dúvida, mereceria uma punição das Erínias. Muito ainda será dito sobre a morte, contudo, para darmos andamento ao conteúdo do tópico, torna-se necessário acrescentarmos agora o tema da paixão. Retratar paixões é algo um tanto comum em Eurípides. Em Medeia, em especial, temos um exagero deste sentimento. A paixão configura-se como a grande inimiga de Medeia, ou melhor, a grande responsável pelos delitos cometidos pela protagonista. O Coro, quando expõe questões relacionada com a paixão, tem como foco principal trazer à tona as consequências causadas pelo amor descomedido que Medeia sentia por Jasão. Alonga-se, portanto, neste assunto, apresentando questões pessoais e também conjunturas que englobam outras personagens.

Comecemos por destacar o pavor que o Coro sente em relação à paixão. No segundo

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estásimo, nos dois primeiros trechos, conferimos que as quinze mulheres de Corinto recusam- se a sentir este sentimento e imploram a Afrodite para que a deusa jamais lhes destine a seta do amor (vv.631-635): “Ai! Mas Vénus, quando é branda, não há deusa mais graciosa! Contra mim, nunca, senhora, tu lances do arco doirado a seta inevitável ungida de paixão!” Mais à frente, o Coro assume preferir morrer, caso um dia tenha de abandonar a sua pátria (v.650). Subentende-se, claramente, que há uma alusão à situação de Medeia, que abandonou a pátria devido à paixão. Aqui podemos afirmar que, para o Coro, escolher entre estar apaixonado ou morrer, seria preferível morrer, posto que a paixão traz males que são equivalentes à morte. Isso quase que se torna uma contradição do discurso coral, haja vista que o Coro é um assaz condenador da morte, porém torna-se compreensível o seu posicionamento, se conseguirmos enxergar a condição de estar apaixonado como um caminho para a tragédia.

No que diz respeito a Medeia, o Coro expõe as consequências causadas por esse sentimento. O interessante é que, em nenhum momento, diz que Medeia foi vítima da paixão, mas compreendemos isso pelo contexto e principalmente pelos diálogos das outras personagens. Mas a própria Medeia assume que a paixão esteve relacionada aos males que cometeu. Como poderemos observar no seguinte trecho (vv.475-485):

Pelo princípio principiarei a dizer. Fui eu quem te salvou (...) quando te mandaram por o julgo aos touros ignispirantes e semear o campo mortífero. E o dragão (...) matei-o, levando à tua frente a luz da salvação. E fui eu que, traindo meu pai e a minha casa, contigo vim para Iolcos do Pélion, com mais paixão do que sensatez. E matei Pélias, da maneira mais dolorosa, às mãos das suas filhas, e toda casa destruí.

No quarto estásimo, o Coro nos faz presumir que a causa da futura morte das crianças é o novo casamento de Jasão (vv.996-1001): “Contigo gemo ainda a tua dor, mãe desgraçada de filhos, que matas, por causa de um noivado, que celebra teu marido com uma companheira, contra a lei.” Vejamos aqui que o Coro se solidariza com Medeia, mesmo que não concorde com as suas decisões, e vemos ainda uma discreta rejeição a Jasão, ao afirmar que este vive com outra mulher contra a lei.

Depois de consumados os crimes do rei e da princesa de Corinto, o Coro voltará a falar sobre paixão, mas, desta vez, comove-se com a morte de Glauce, atribuindo o infortúnio da filha de Creonte ao seu envolvimento amoroso com o sobrinho de Pélias (vv.1232-1236): “Ó desgraçada, como lamentamos a tua desventura, ó filha de Creonte, que partiste para a mansão de Hades por causa das núpcias de Jasão.” Vemos que, aos olhos do Coro, Jasão é o

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responsável pela morte da princesa de Corinto, desta forma, isenta Medeia da culpa. Ainda, neste trecho, podemos dar importância a um ponto: a aparição do termo Ἅιδης (Hades), mundo subterrâneo, para onde vão os mortos e também nome do deus que lá prepondera. Em se tratando do conteúdo deste tópico, não convém deixar passar despercebido que, durante todo o texto, apenas o Coro fala sobre o Hades, o que nos faz perceber que, talvez, esta personagem fosse a única realmente preocupada com as questões relacionadas com a morte.

Para finalizar este tópico, vale ainda ressaltar que as quinze mulheres de Corinto anunciam a morte das crianças a Jasão. Apesar de o Coro estar comovido com aquela conjuntura, é possível perceber uma sutil satisfação em comunicar o infortúnio pelo qual Jasão parece ser o culpado (vv.1306-1308): “Ó desgraçado, que não sabes a que ponto chegaram teus males, Jasão! (...) Teus filhos estão mortos pela mão de sua mãe.”

O Coro finda a sua participação contemplando o desespero do sobrinho de Pélias e assistindo à vitória de Medeia, que algumas vezes inconsequentemente desejou morrer, porém acabara viva mesmo que sempre andasse próxima do caminho da morte, uma vez que tinha o “coração tresloucado.”