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A parceria entre o Estado e o empresariado na repressão ao

CAPÍTULO II – Em princípio, todos são suspeitos para a DOPS

2.3 A Industrialização na região nordeste

2.3.2 A parceria entre o Estado e o empresariado na repressão ao

Como observado por Vera Lúcia VIEIRA (1998), o trabalhador ao longo das décadas de 1930 a 1950 tornou-se caso de polícia, mais específico, caso de Polícia Política. Durante o governo Vargas vários debates suscitaram sobre a concepção e formação do trabalhador: sua índole, a autonomia de decidir sobre o governo em eleições, a submissão às autoridades, o gênio dócil, a característica de honestidade, propaladas por um alto grau de conservadorismo. Atributos propagados e por vezes questionados ao longo das décadas foram motivos de estudos. Enquanto a propaganda era a de que as “massas” eram pacificas, qualquer movimento contrário às características do bom trabalhador era caso de polícia.

Vargas na década de 1930 gestou um governo centralizado e forte, que “manteria a unidade burguesa no Brasil, sob a forma de ditadura militar manifesta ou mascarada de baioneta calada sobre as massas exploradas e oprimidas” (VIEIRA, 1998: 18), deslumbrou integrar o trabalhador à Ordem Social, “sem rupturas ou traumatismos” (VIEIRA, 1998: 15). As “sementes da desordem” foram atribuídas, na visão dos agentes da DOPS, a causas “alienígenas”, ora de infiltração de anarquista, anarco-sindicalistas e comunistas.

Segundo VIEIRA (1998) é possível na década de 1930 identificar quatro tendências no interior do movimento operário “0s anarco-sindicalistas, os socialistas, os comunistas e os anarquistas emergentes do Bloco Operário Campones”. (BOC). Para os integrantes do Partido Comunista Brasileiro, “acreditavam que o trabalhador cumpriria sua função revolucionária e que; para tanto, necessitaria apenas do desenvolvimento de sua consciência de classe, papel que caberia aos Partidos, e em particular, ao Comunista Brasileiro”. (VIEIRA, 1998: 140). Esse movimento de esquerda não tinha uma unidade, pois:

na sociedade burguesa. Os trotskistas eram contra os anarco- sindicalistas, pois achavam que estes atendiam apenas aos interesses econômicos e morais do proletariado. Eram também contra os comunistas, pois os acusavam de não revolucionários e de serem apenas defensores do trabalho no plano econômico. Essas divergências impediam a formação de uma campanha unificada. Até a criação da Lei de Sindicalização, proibindo a autonomia sindical, essas divergências ideológicas interferiam na investigação policial que procurava visualizar e controlar a movimentação da esquerda brasileira no território nacional. (BRUSANTI, 2003 apud SILVA, 1990: 37).

No caso de Recife, foi atribuída aos comunistas e simpatizantes da ideologia comunista a desordem nas fabricas, neste caso, têxteis. Os movimentos sociais de trabalhadores “que perturbasse(m) a ordem podia ser reprimido com o maior rigor, por ser contrário à nossa tendência natural” – pacífica e ordeira. (VIEIRA, 1998: 15). Esse discurso ao longo das décadas de 1930 a 1950 permeou por todos os poros institucionais ligados aos órgãos do governo. Pensamento propagado a partir de intelectuais como Azevedo Amaral, que caracterizou o trabalhador como “naturalmente submisso à autoridade, contrário ás ações violentas, às agressões e aos atos que colocassem em risco as instituições vigentes, ou seja, a Pátria, a Família, a Propriedade e a Igreja” (VIEIRA, 1998: 27). Estudos como este foram apropriados no discurso repressor da polícia, e caber-lhes-ia a missão de preservar a ordem, e não permitir com que os trabalhadores fossem “contaminados” pelas idéias “alienígenas”.

Assim, quaisquer ações estranhas a esta índole deveria ser debeladas, porque eram contrárias à natureza do povo brasileiro e fruto de ideologias alienígenas, sobretudo quando pregava luta de classes, a violência, a barbárie, a destruição dos valores Moraes, o caos.

Portanto, cercear o movimento dos trabalhadores, perseguir seus integrantes, coibir liberdades civis [demitir funcionários, criar listas negras] não significavam restrições à [propalada] democracia, mas sim salvar a nação do caos, impedir que a ordem social fosse destruída e assim agir conforme a índole do povo brasileiro. (VIEIRA, 1998: 27).

Quando associado ao ‘atraso’, justificava-se “a desigualdade sob nova roupagem, o aumento da exploração, o controle sobre ele, a exclusão e também

a indiferença diante de sua miséria” (VIEIRA, 1998: 23). Para a Polícia Política interessava muito mais combater o comunismo e identificar quem era a favor de uma revolução social e contrário ao Estado. (SILVA, 2003: 23).

A ordem desde 1933, dada por Luis Apolônio, no caso de greve geral e perturbações à ordem era:

Se proceder ao fechamento das associações conhecidas, prisão de seus dirigentes e anarquistas; prisão dos elementos comunistas e a apreensão dos órgãos de imprensa subversiva e boletins extremistas.45

Lúcia Silva Parra destacou em sua pesquisa sobre o movimento anarquista entre 1924 a 1945, que as fábricas eram quase sempre o foco central da vigilância policial, “além de serem interpretadas como espaço de sedição”. (PARRA, 2003: 64).

Apesar dos direitos conquistados da década de 1930, conforme já analisado pela historiografia, o movimento operário foi subsumido aos ditames do bonapartismo getulista, destacando-se neste contexto a suspensão da Carta Constitucional de 1934, a instauração do Estado de Sítio em 1935 e o fortalecimento do aparato repressivo com a criação da Delegacia de Ordem Política e Social (DOPS) em 1936 e do Tribunal de Segurança Nacional (TSN). Tais medidas foram justificadas pela ameaça do que foi denominada pelo governo de Intentona Comunista.

Bem como destaca Aquino (2002), a visão da Polícia Política identificava que o problema trabalhista era encarado como vicissitudes do movimento sindical que:

Com o retorno do país ao regime instituído pela Constituição de 1934, fizeram recrudescer as atividades extremistas de esquerda e direita que volveram suas vistas para a massa operária numa infiltração nociva contraprudente. O que muito concorreu para os anseios de desagregação foi o contingente de elementos alienígenas. (AQUINO, 2002: 19).

Só depois de dez anos, em 1945, foi editada uma nova Carta Constitucional. Conforme a historiografia já analisou exaustivamente, na esteira da abertura política, mesmo esta não se deu de forma pacífica,46 alguns

enclaves ditatoriais foram derrubados e negociados como a anistia aos presos políticos de 1935, a legalização do PCB, o estabelecimento de novas eleições e a possibilidade de inscrição de novos partidos, além da liberdade de expressão, atendida através da extinção do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), o direito à associação (em sindicatos, partidos, e outras entidades) e outras garantias representadas pela CLT.

Todas estas circunstâncias criaram uma sensação de que as garantias fundamentais do direito liberal estariam asseguradas pelas leis. Porém, como será visto o período que vai de 1945 a 1948 acentuou a vigilância e a repressão por parte dos agentes da DOPS, que se manteve, principalmente em relação aos integrantes e simpatizantes do Partido Comunista do Brasil (PCB) posto na ilegalidade no ano de 1947.