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Urbanização em Recife

CAPÍTULO II – Em princípio, todos são suspeitos para a DOPS

2.3 A Industrialização na região nordeste

2.3.1 Urbanização em Recife

O desenvolvimento e a urbanização da cidade de Recife se deram no período entre guerras, quando se experimentou um boom econômico na região. Apesar desta industrialização, problemas como a concentração de renda e a pouca oferta de emprego para o crescente contingente que fugia da seca nas

zonas rurais, levou a mão-de-obra a experimentar as atividades informais. Proliferaram biscateiros e ambulantes, e até mesmo os que trabalhavam nas fábricas, nas associações e nos outros setores iniciaram mobilizações sociais, divulgando opiniões sobre a vida pública.

Tornou-se comum discutir sobre a vida do outro, sobre aos problemas que afligiam os cidadãos, como a falta de moradia, a necessidade de ajustes dos salários, a luta pela educação, o espaço das mulheres nas fábricas, o direito às creches, o analfabetismo ligado ao direito do voto, entre tantas outras questões, que os uniam e expressavam suas diferentes inserções socioeconômicas e, também, culturais.

A cidade de Recife desenvolveu seus principais contornos urbanos a partir da década de 1930, com uma expressiva expansão de 180 km² para 209 km² nos anos 1950 (RESENDE, 2005: 123). Na década de 1940, sua população que era de 348,4 mil pessoas e chegaram a 524,7 mil habitantes dez anos depois, por causa da mobilização migratória saída da zona rural.

A área central do Recife que era ocupada por mocambos em toda região central foi substituída pelo comércio e setor de serviços nos anos 40 e 50, enquanto a população se deslocou ocupando alguns bairros como o de Casa Amarela, Boa Vista, São José, Santo António, Graças, Encruzilhada, Beberibe entre outros. Dentro desses espaços, melhor explicitando, no bairro de Boa Vista localizamos uma grande concentração de escolas e faculdades como a Escola de Engenharia, na Rua do Hospício, a Faculdade de Direito, nas proximidades, e a Faculdade de Filosofia, no bairro Solenidade. (RESENDE, 2005: 127).

Um estudo realizado nos anos 1990 constatou que, ainda nesta data, de todas as metrópoles industrializadas do país, Recife foi a que mais concentrou mocambos,41 analfabetos, um alto índice de mortalidade infantil, além de acentuar a exclusão da população dos meios de produção.

41 Quarenta anos depois do período em estudo (década de 1990), Recife ainda representava a maior taxa de

mortalidade do infantil, de analfabetismo e a população vivendo em péssimas condições. Quase metade da população, 46,4%, reside em favelas, conhecidas localmente como ‘mocambos’, o que torna Pernambuco o

Entre os problemas que mais afligiam a população operária naqueles idos anos de 1950, estava o da moradia. Dada a escassez e o boom urbano42 e industrial do período entre guerras, a questão da moradia se tornou caso de polícia (CARVALHO, 1978: 217).

A industrialização no Brasil teve seu primeiro verdadeiro impulso durante a I Guerra Mundial, e começou a ‘decolar’ na década de 40, quando a Segunda Guerra Mundial reduziu drasticamente a importação de produtos manufaturados do exterior. (CARVALHO, 1978: 218).

Para fazer frente a esta questão, o governo nacional passou a dar incentivos aos industriais para que construíssem vilas operárias, com a isenção de pagamentos de impostos. Conforme os autores que estudaram esta questão em outras regiões, estas vilas, desde o período Vargas, passaram a ser espaços onde se exercia a repressão com maior vigor, pois um dos critérios para ter acesso à moradia era o de não participar em atividades políticas consideradas suspeitas, além de exigir atitudes e comportamentos absolutamente submissos à ordem industrial.

Em Recife, o caso das vilas não fora diferente. Especialistas identificaram que ocorreu nos centros urbanos do Nordeste um processo denominado “descampesinato” (LOPES, 1979). Ou seja, grandes êxodos rurais que resultaram em grandes contingentes à procura de trabalho ou fugindo das áreas atingidas pelas secas na década de 1950. A cidade representava para tais contingentes, a possibilidade de trabalho e também de moradia e, uma vez na cidade, eles se instalavam próximo às fábricas nos bairros afastados do centro de Recife. Daí surge como solução paliativa, o modelo fábrica-vila.

Um primeiro marco deste processo pode ser representado pelos trabalhadores submetidos ao ‘sistema fábrica-vila operária’, o qual sintetiza e concentra simultaneamente um processo de ‘descampesinato’ – sustentado por um aliciamento direto de mão de obra pela fábrica no campo, [...] muitas fábricas, oficinas e lugares de trabalho urbanos recrutavam trabalhadores já estabelecidos na cidade por um movimento próprio de ‘proletarização’, enquanto as 42 Segundo o autor, entre 1946 e 1964 ocorreu um rápido crescimento urbano no Brasil acompanhado pela

fábricas que mais se utilizavam de um aliciamento direto de força de trabalho no meio rural é que se estabeleciam na periferia deste ‘mercado de trabalho’ fabril, engrossando-o de novos contingentes vindos do campo. [...] as fábricas utilizavam-se largamente de formas de imobilização da força de trabalho pela moradia, caracterizando um estilo de industrialização no que diz respeito à relação com sua mão de obra, e dentre elas as que se utilizavam formas diretas de aliciamento rural, multiplicando um ‘aliciamento’ espontâneo paralelo, alimentavam a partir do ‘descampesinato’ os contingentes que circulariam pelas fábricas segundo as regras próprias desse ‘mercado de trabalho’. (LOPES, 1979: 21)

A questão da moradia associada ao trabalho criou uma dupla dependência do operário com os deveres da fábrica. Vale destacar que o operário foi mantido “submisso” ao empresariado industrial e às normas internas das fábricas até mesmo na esfera de sua vida privada ou doméstica. A assiduidade do operário era garantida através do vinculo à moradia. O apito da fábrica, a instituição do “chamador” 43, a proximidade da fábrica, entre outros aspectos, subordinaram a vida cotidiana dos operários e de sua família à lógica do trabalho. Em 1939, por exemplo, matérias na imprensa pernambucana denominavam:

‘Villa operária’ os conjuntos de moradias feitas por indústrias para seus operários, fossem eles localizados dentro da periferia de cidades, ou em localidades isoladas. Mencionava-se a “Villa operária” da Tecelagem de Seda e Algodão de Pernambuco, localizada no centro do Recife; a da Companhia de Fiação e Tecidos de Pernambuco S.A., situada no bairro da Torre; a do Cotonifício Othon Bezerra de Mello S.A. e a da Fábrica da Tacaruna, localizadas na periferia da cidade. Os conjuntos situados próximos a pequenas cidades do interior eram tratados da mesma forma: fazia-se referência à “villa operária” da Companhia Industrial Fiação e Tecidos Goyanna, na cidade de Goiana; à da Fiação e Tecelagem de Timbaúba, em Timbaúba; à da Companhia Industrial Pirapama, em Escada, e à do Cotonifício José Rufino, na cidade do Cabo. (CORREIA, 2001: 83).

Essa mesma proximidade serviu de argumento à administração da fábrica para exigir horas extras, para a manutenção da permanência à prontidão em relação ao patrão, “principalmente no que diz respeito às profissões de manutenção e reparos da maquinaria e instalações fabris”. (LOPES, 1979: 58)

Como explicita Lopes, o fato de certas indústrias fornecerem casas aos seus operários em troca de um aluguel geralmente descontado do salário, fez parte das regras do jogo: “significava uma interferência direta e visível mesmo do ponto de vista do processo de reprodução – da administração da fábrica sobre o consumo individual dos trabalhadores”, e conferiu ao patrão um poder de dominação reforçado pela concentração do capital e pela propriedade territorial. (LOPES, 1979: 42)

Enfim, a administração da fábrica exerceu sobre a vida dos operários na vila operária, o controle do trabalho e o controle sobre as regras de moradia, de comportamentos, atitudes e costumes, acompanhados por formas de controle ideológico sobre ele e toda a sua família.

Outras vilas operárias situadas em cidades incluem, além de casas, equipamentos como igreja, creche e posto médico. Um exemplo é a vila operária construída no bairro de Apipucos, no Recife, pela Othon Bezerra de Mello S.A. A construção da vila se estendeu pelas décadas de 1930 e 1940. Em 1941 havia 321 moradias e anunciava-se que a previsão era se atingir 521 casas. Em 1951, publicação do Serviço Social Contra o Mocambo indicava um total de 666 moradias construídas nesta vila. O empreendimento reuniu ainda escola, igreja, clube, cinema e posto médico e dentário.44

A questão que se evidencia na documentação é que este controle, assim como as regras e as normas estabelecidas pelo empresariado, relativas ao funcionamento dessas moradias era executado por estes duplos agentes – da DOPS e os da empresa.

2.3.2 A parceria entre o Estado e o empresariado na repressão ao