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Polícia e opressão à mulher

No documento MESTRADO EM HISTÓRIA SOCIAL São Paulo 2009 (páginas 132-136)

CAPÍTULO II – Em princípio, todos são suspeitos para a DOPS

3.4 Polícia e opressão à mulher

Abaixo é analisada, a partir da documentação produzida pela DOPS de Pernambuco, a forma como se deu a repressão a esta militante nas décadas entre 1930 e 1960, cuja documentação está disponível no Arquivo Estadual Emerenciano no Recife.

A repressão desencadeada pela DOPS em Pernambuco, não escolheu classe ou gênero ou segmentos sociais. Porém, quando se trata do gênero feminino, o preconceito contra a mulher que exercia atividades públicas somou forças na composição da violência da opressão.

Conforme consideravam os agentes da DOPS, a entrada de mulheres no movimento da política causava transtornos adicionais, pois a ela cabia-lhe o espaço privado, o cuidado da casa, da família, do marido, dos filhos.

As mulheres podiam ser ao mesmo tempo a base de uma sociedade estável e uma das principais ameaças de desagregação da ordem social. [...] as mulheres ou mereciam uma atenção especial – cuidado e proteção – enquanto anjos, ou eram objeto de rígido controle – palavra que em grande medida significava a intervenção da polícia, se houvesse o risco de se transformarem nos temidos demônios. (BRETAS, 1997: 173-174).

Essa conexão de opressão e da repressão pode ser notada mais claramente em um documento da DOPS, lavrado pelo delegado de polícia ao relatar a prisão relâmpago de Adalgisa já no ano de 1964. Como outros o fizeram anteriormente, ele começa por traçar a história, ou parte do que eles conheceram sobre a trajetória desta mulher no PCB:

Dona ADALGISA RODRIGUES CAVALCANTI, - é ela própria quem confessa na sua auto biografia – ingressou nas fileiras do Partido Comunista no ano de 1945 e nunca mais dele se separou.

Não tendo filhos para cuidar e sendo seu esposo bonzinho de gênio, não criando embaraços às suas atividades políticas, dona Adalgisa passou a dedicar-se única e exclusivamente aos interesses do Partido, mesmo porque esta questão de lar, de

daí dona Adalgisa relegar a um plano secundário a uma vida doméstica. Moscou precisava mais dos seus serviços. 106

Observam-se como os jargões sobre as funções da mulher e sua posição na família transparece nas falas deste delegado, ou seja, a falta de filhos e a anuência de um marido concessivo, havia lhe dado espaço para as atividades políticas, “relegando ao plano secundário a vida doméstica”.

Outra questão permanente é a vinculação ao Partido ou da pessoa em questão à outra nacionalidade, neste caso, a acusação de estar prestando serviços à Moscou, essa atribuição se dava principalmente, como prova incriminatória, associada ao comunismo internacional. Continua o documento:

Adquirindo a necessária confiança dos dirigentes do Partido Comunista, passou dona Adalgisa a galgar postos de relevo quer quando o Partido estava registrado legalmente quer na sua vida ilegal. Assim é que, em 1947, foi eleita sob a legenda daquele Partido, deputada estadual, salientando-se entre seus pares na defesa postulados bolchevistas. Cassado o seu mandato por haver o PC mergulhado na ilegalidade, mais intensa tornou-se a luta de dona Adalgisa. Foi presa várias vezes, tomou parte em congressos, visitou sua terra natal – Moscou e sempre figurou em todas as campanhas de caráter esquerdista e ao lado dos que tentavam reorganizar sob as mais simuladas fórmulas, o Partido Comunista. Nem mesmo ao atingir a idade provecta afastou-se do campo de luta. O seu estado não lhe arrefeceu e continuou ombro a ombro com seus “camaradas”. Por ultimo passou a figurar no Comitê Estadual do Partido, embora continuasse este na ilegalidade. É o que dizem as testemunhas quando fazem referencia a sua pessoa. E são depoimentos eloqüentes, vez que partem de pessoas que conhecem de perto as atividades daquele Partido.107

Da contraposição entre o demérito das atividades públicas e o enaltecimento dos afazeres domésticos, emerge a culpabilização pelas doenças e achaques de seus parentes e consorte, conforme se observa abaixo.

Dona Adalgisa promovia reuniões em sua própria residência, com os demais membros componentes do Comitê, era freqüentadora assídua do Edifício “Vieira da Cunha”, ponto de reunião do estado 106 Arquivo Público Jordão Emerenciano (APEJE), Delegacia de Ordem Política e Social – (DOPS).

Prontuário n. 5.306 de 29 de outubro de 1964

107 Arquivo Público Jordão Emerenciano (APEJE), Delegacia de Ordem Política e Social – (DOPS).

maior dos comunistas nativos, tornando, assim, a atividade do Partido Comunista de fato visto que não poderia fazê-la de direito. A sua ajuda, como se vê, a essa entidade de caráter internacional, era inequívoca.

É o sr. Tito Cavalcanti, esposo de dona Adalgisa quem diz em seu depoimento que – ‘é a sua senhora militante do Partido Comunista’, como é do conhecimento geral e que desde o dia três de abril do ano em curso, a mesma saindo para fazer compras, não mais voltou ao lar até a presente data’. Bem que dona Adalgisa já se aproximando dos seus sessenta anos assaz vividos, poderia estar ao lado de seu marido, cuidando do bom velho, fazendo tricô e ouvindo novela, mas qual o quer Prefere andar por aí afora, tramando contra tudo e contra todos.108

Continua o inquérito do delegado, ao se referir “a esta altura já denegrindo a personalidade do seu ex-chefe Kruschev e enaltecendo as altas qualidades de Krosygin, seu novo patrão”, à tomada de posição da militante no interior da crise que abalou o Partido Comunista quando da publicação do pronunciamento internacional feito por Kruschev denunciando os crimes de Stalin, em 1956. Tal relatório denunciou o culto à personalidade, promovido na época de Stalin, acusando-o também por crimes de guerra, o que provocou o desentendimento derradeiro entre os dirigentes do PCB, minando a unidade do Partido e culminando com sua cisão. Origina-se desta cisão, o PCdoB em 1962, que retoma a política de orientação stalinista contida no Manifesto de agosto de 1950 no qual o “velho partidão” defendera uma revolução nacional libertadora, um governo democrático e popular e uma frente única com setores da burguesia, ou seja, uma frente popular nos moldes da Aliança Nacional Libertadora (ANL) de 1935. Observa-se, portanto, que Adalgisa integra o grupo que critica aquele dirigente russo e que virá a compor, nos anos sessenta, o PCdoB.

[...] a esta altura já denegrindo a personalidade do seu ex-chefe Kuschev e enaltecendo as altas qualidades de Krosygin, seu novo patrão, pessoa de quem – é possível – nunca tenha ouvido falar. Tem jeito não para dona Adalgisa.

Enquanto isso, ‘seu’ Tito se encontra sozinho, setuagenário, diabético, precisando mais do que nunca de sua companheira para

lhe fazer um chá, prover nos seus achaques e cantando para si mesmo – ‘ela saiu de casa e nunca mais voltou...’109

Na fala do delegado, continua a explicação do sumiço relâmpago (prisão) de Adalgisa a seu marido Tito Tenório:

Diante das provas colhidas no inquérito, não é preciso invocar o sistema de São Tomé para afirmar que dona Adalgisa estava inclusa nas penas dos artigos 9 e 10 da lei de Segurança Nacional, tornando-se oportuna a decretação de sua prisão preventiva nos termos da aludida lei.110

Mas para o delegado que elabora tal retrospectiva o que interessava era o fato de que deixava o marido que “encontrava sozinho, setuagenário, diabético”. Conforme o ideário deste servidor público deveria acompanhar sua idade, como a de fazer chá para seu marido, tricô e ouvir novela. Já que sua idade de sessenta não lhe permitiria, como permitiu durante anos a militância no PCB, que continuasse ilegal. Assim considera a militância de Adalgisa uma causa perdida e declara: “tem jeito não para dona Adalgisa”, ou seja, apesar da idade, achava-se presa, incursa nas leis de Segurança Nacional.

Tais conotações preconceituosas contra a mulher que exercia uma função pública não expressam somente a posição de um indivíduo. Estão engendradas no social, confere-lhe valor moral, diz respeito aos bons costumes e significa o uso do poder público para determinar a função e o lugar da mulher.

109 Arquivo Público Jordão Emerenciano (APEJE), Delegacia de Ordem Política e Social – (DOPS).

Prontuário n. 5.306 de 29 de outubro de 1964.

110 Arquivo Público Jordão Emerenciano (APEJE), Delegacia de Ordem Política e Social – (DOPS).

No documento MESTRADO EM HISTÓRIA SOCIAL São Paulo 2009 (páginas 132-136)