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3. A REDEMOCRATIZAÇÃO POLÍTICA DO BRASIL E AS POLÍTICAS

3.2 O Processo de redemocratização política brasileira

3.2.7 A participação e ação coletiva

O termo participação, na concepção de Gohn (2005), abarca um processo de vivência que imprime sentido e significado a um grupo ou movimento social, agregando força sociopolítica a esse grupo ou ação coletiva, gerando novos valores e uma cultura política nova, uma participação que leve à mudança e transformação, tornando o grupo responsável por sua história, ou seja, que passe a decidir sobre questões que lhe dizem respeito. O sentido da participação é o rumo, é a orientação que conduz os desdobramentos e os significados são aprendidos e apreendidos, são socializados, são identificados, confirmados e testemunhados por aquele que se defronta com o outro. Em uma ação social, o sentido da participação de indivíduo ou grupo repousa na busca de referenciais culturais e políticos acumulados por personagens em sua experiência de vida nos valores resgatados, herdados e transmitidos pelo ambiente em que viveu ou vive, por meio da memória pessoal sobre a cultura das instituições de que participou ou participa. Os significados produzem processos identitários, individuais e coletivos.

González (2001) aborda a ação governamental relacionada à retomada do processo eleitoral livre e continuado no Brasil, dezesseis anos, pós-fim da ditadura militar e ressalta que o sistema eleitoral pode funcionar mal, mas funciona. As eleições ocorrem a cada quatro anos, com resultados acatados e respeitados, por todos os participantes, sugerindo numa definição mínima de que estamos em uma democracia.

Com isto emergem questionamentos sobre a influência dos cidadãos nas diversas esferas governamentais e nas políticas por elas adotadas e dois mecanismos são identificados pelo autor, na regulação das escolhas públicas, sendo eles: o acordo mútuo estabelecido por meio de relações de confiança e a decisão realizada por um organismo externo, o Estado. E o autor ressalta que, no Brasil, devido ao regime presidencial, a sansão dos cidadãos contra um mau governante vem a posteriori e é muito limitada. Tais fatores favorecem a ocorrência de uma crescente preocupação com o controle das ações governamentais e a eficiência da ação do poder público no que diz respeito aos recursos públicos destinados a investimentos e tal fator fortalece a importância de se ter mecanismos de controle sobre as políticas públicas e também que propicie uma maior aproximação dos orçamentos públicos de um valor real.

Os fatores discutidos nos parágrafos acima deram um novo relevo a velhos temas debatidos nas ciências políticas e destacamos: a) o problema da escolha social e mecanismos institucionais, que promovam transformar preferências individuais em decisões coletivas; b) que a ação coletiva, ou seja, mobilização dos cidadãos não seja somente na definição de suas proposições, mas também na participação da criação dos resultados desejados e que estes incorporem aspectos relativos às crenças e relações sociais (GONZÁLEZ, 2001).

Para Guerra (2006), a ação coletiva foi profundamente transformada pela complexidade das formas de organização social, influenciadas pelos interesses corporativos, pela multiculturalidade, pela fragmentação crescente dos poderes do Estado, pelo mercado e pela sociedade civil. O dinamismo das mudanças afetou o sistema social e daí a necessidade de administrar a complexidade, transformando, as regras de gestão, antes autoritárias, em decisões, escolhas e políticas capazes de reduzir a incerteza do sistema, uma vez que ela afeta de forma incontrolável a vida das pessoas.

As sociedades complexas requerem uma crescente autonomia dos grupos e indivíduos que a compõem e, para isto, estes devem ser estimulados a desenvolver habilidades formais de aprendizagem e ação. Sendo assim, o confronto e a mediação de interesses, que antes eram realizados de forma autoritária, passam a ser realizados de forma inovadora por meio de agentes públicos, via sistemas de intercâmbio de informações e negociações, nas relações políticas (MELUCCI, 2001).

A inovação pode viabilizar a interação e a cooperação programadas para se atingir determinados objetivos. E nesta abordagem as políticas públicas podem atuar como um sistema de cooperação em matéria de ação pública (GAUDIM e NOVARINA, 1997 apud GUERRA, 2006).

A concepção de gestão da esfera pública, com a participação dos atores econômicos e sociais reconhece que o projeto de mudança social empreende energias positivas para que a mudança ocorra nos atores envolvidos, transformando a vida social em múltiplos ecossistemas que coexistem em rede, todos participando no desenvolvimento em redes, e estas permitem a associação dos atores sociais e econômicos. Estas formas de gestão são frutos da incapacidade pública de se custear os bens e serviços, havendo assim a necessidade de se aproximar dos mecanismos de gestão pública, a rapidez e a flexibilidade que atenda aos processos de mudança (GUERRA, 2006).

Daí a necessidade de se instituir novas formas de pensar e agir alinhando o espaço público construído, ao apropriado conforme o interesse e lógica de ação dos

inúmeros atores econômicos e sociais, que ora orientam a mudança social. Daí a governança25, um conceito que abarcará as formas de evolução da ação pública nos sistemas políticos de democracia madura e este conceito, abarca os seguintes desafios: a gestão da complexidade, a necessidade da eficácia e a legitimidade das decisões (GUERRA, 2006).

Segundo a autora, as melhorias nas formas de trabalho da ação pública se deram por meio dos métodos de planejamento e gestão estratégica, com procedimentos mais ou menos formalizados em conhecimentos científicos e técnicos, objetivando a obtenção das melhorias necessárias. Sendo assim, os complexos sistemas de governo alinhados aos aspectos territoriais, sociais e econômicos trazem novos elementos às seguintes dimensões: a ampliação do campo dos atores e das formas de organizações no desenvolvimento e implementação das políticas; a ampliação das relações e problemáticas na gestão da coisa pública e o alargamento e novas oportunidades de envolvimento informal na ação pública.

Assim, as novas formas de ação previstas pelas políticas públicas passam pelo aprofundamento da complexidade e da dinâmica das mudanças, alinhando-as à necessidade econômica de rentabilidade de recursos e à necessidade política de se garantir a legitimidade pública. Com isto, espaços de ação e organização coletiva se afirmam, emergindo uma nova face no Estado em plena mutação (GUERRA, 2006).

Com a quebra do monopólio das decisões políticas, a descentralização, a crise econômica, a exigência de transparência e eficácia da administração pública emerge uma multiplicidade de parceiros do setor público e privado, que passaram a expressar interesses coletivos, modificando profundamente as formas de fazer política. Nas novas estruturas estabelecidas, múltiplos atores passam a fazer parte da dinâmica das ações de organizações, em que relações de força e conflitos de interesses guiam os comportamentos, numa racionalidade insuficiente para a compreensão e entendimento da complexidade das interações entre os atores, num jogo estratégico em meio o reconhecimento da sua heterogeneidade, da heterogeneidade dos seus projetos e a existência de interesses contraditórios. Abre-se, com isso, a necessidade de analisar as dinâmicas de associação entre atores, num contexto de planejamento territorial (GUERRA, 2006).

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Governança é um termo decorrente da tradução do francês e do inglês, mas nos dias atuais não existem nestas línguas, a não ser na discussão científica do novo contexto referenciando as novas formas de governo, com a participação política. Já em Portugal a palavra existe no dicionário e expressa as novas formas de exercer o governo da nação, com a participação de atores econômicos e sociais (GUERRA, 2006).

Numa perspectiva que analisa o ator e o sistema, Guerra (2006) apresenta considerações de diversos autores. Há concepções que traduzem o ator como um ou mais porta-vozes, podendo ele ser uma pessoa, um grupo de pessoas, uma organização ou uma instituição. Para muitos outros autores, os atores se diferem dos agentes, pelo fato de os atores serem tomados como elementos produtores de uma sociedade, pois representam um projeto de uma sociedade e, na interação entre eles, ocorre uma relação entre dois atores desiguais. O ator traz consigo um projeto de sociedade imerso em uma rede de relações sociais desiguais, na qual um ator exerce a ação e o outro sofre a ação. Sendo assim, nesta definição a autora citou Touraine (1984), pelo fato de ele atribuir duas qualidades a este ator coletivo, uma é o fato de o ator coletivo trazer consigo um projeto de sociedade e estar imerso em uma rede de relações desiguais, em uma relação na qual o autor e o sistema tornam-se uma constante na teoria do ator social, sem uma referência aos sistemas de ação, que possa explicar a complexidade do ator e suas relações com o campo social em que se situa, tornando os movimentos contemporâneos incompreensíveis. Nas estruturas de parceria relacionada a projetos de desenvolvimento local, onde grupos sociais representam interesses coletivos, tornando-se atores institucionais, relacionados a uma diversidade de atores, representações, de interesses, de diferentes raízes territoriais.

Na definição de Melluci (2001), colocar o problema da formação do ator coletivo significa reconhecer o que empiricamente se chama de movimento e, ao atribuir a este uma unidade essencial, esta se vinculará ao resultado de processos sociais heterogêneos. No contexto da ação coletiva pode haver uma enorme diversidade de lógicas sociais, sendo fundamental descobrir o sentido da ação social, para que seja possível entender a lógica social de um movimento concreto, portador de significados múltiplos e, na maioria das vezes, contraditórios. A ação coletiva permite o alargamento dos processos de aprendizagem, de socialização e de comunicação, via desenvolvimento da capacidade de transformar as sociedades humanas, pela capacidade de aprendizagem e reflexão, levantando novas potencialidades e também novos conflitos.

O planejamento estratégico atua como um método sistemático para gerir a mudança. Ele corresponde à racionalização instrumental da ação pública. As novas formas de governança estão ligadas às mudanças culturais e ao entendimento da realidade dos novos tempos, num processo interativo, pensamento e ação. As novas formas de governo se traduzem na elaboração das políticas públicas que permitem a emergência de novas lideranças e novas formas de fazer, além de buscar a construção de

novas formas de regulação da ação a partir da participação alargada dos indivíduos e da renovação da gestão pública tradicional (GUERRA, 2006).