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A participação: a passividade como resistência?

“A gente não participa” “Já participei de palestra” “nunca participei de nada” “não tenho do que reclamar”

Quando iniciamos nossa pesquisa a ideia inicial de “participação” era no sentido de algo que se constrói junto, tendo como pano de fundo o “plano de parto”, no qual algumas escolhas precisam ser feitas e a mulher juntamente com seu médico veem a viabilidade dessas, considerando, a nosso ver, o ser biopsicossocial.

No entanto, as narrativas apresentadas, dão conta de dizer que, para muitas das mulheres dessa pesquisa, a questão central não girava em torno desse “participar”, havendo outras reivindicações. Desse modo, para falar de participação é preciso primeiramente contextualizá-la.

Um ponto para essa discussão refere-se à pergunta norteadora nos grupos: “Como vocês veem a participação de vocês nas decisões que acontecem durante a gravidez, dentro de uma instituição pública?”.

Conforme descrevemos, muitas mulheres pediam para que esta fosse repetida ou ou lhes desse explicação, pois não tinham entendido a questão. Refletindo sobre esse fato, passamos a nos questionar: a partir de qual lugar se fez essa pergunta e qual efeito isso pode ter tido? O que não estava sendo entendido?

Para responder a isso, foi preciso inicialmente uma distinção do meu entendimento enquanto pesquisadora de participação e do que eu esperava ter como resposta versus o que elas, mulheres participantes da pesquisa, diziam-me acerca de participação.

Sem essa parada, poderíamos entrar no lugar dos profissionais com o qual muitas vezes não concordamos, ou seja, de quem sabe pelo outro.

Para além de um aparente lugar no qual não se reflete sobre a ação, ao falar “a gente não participa” Ana se traduz em uma porta-voz do grupo de mulheres. O fato de cumprir ordens médicas, ou seja, estarem lá por um pedido médico ilustra também uma ‘relação burocrática’ entre quem dita as regras e quem as deve cumprir; assim algumas vezes, elas participam com o corpo e a equipe com o saber e o cuidado.

Em muitos grupos, ao falarem de sua participação as mulheres utilizaram-se da expressão “passar aqui”, nos remetendo à ideia do hospital como um lugar de passagem. Já no grupo 7, por exemplo, contrapondo-se à Flávia que disse ter participado de palestras, a resposta “nunca participei de nada” emitida por Carmen, indica-nos uma ideia de participação vinculada à ideia de adesão, de frequentar atividades promo-vidas pelo hospital. A resposta de Juliana (G4) de que até o momento só tinha ido aos procedimentos de pronto-socorro, traz uma ideia de participação relacionada à locomoção, ou seja, elas participam indo até o hospital.

Considerando o exposto acima e a realidade apresentada pelas participantes da pesquisa, mesmo quando elas dizem não ter entendido a questão ou não participarem, elas participam de modo a estarem presentes quando convocadas, não sendo essa uma tarefa fácil, pois muitas precisam pegar diversas conduções, gastando muito do pouco dinheiro que se tem e do tempo, no qual poderiam estar fazendo tarefas do cotidiano.

Dessa maneira, o fato de serem assíduas nas consultas e de seguirem as recomendações médicas, as quais geralmente envolvem certos ‘sacrifícios’, pode corresponder ao envolvimento delas enquanto participativas e, quando entendem que todo esse esforço não é compreendido, um modo de participar é no âmbito da reclamação.

Entender e participar de outro modo pressupõe experiências prévias, a qual possivelmente, até aquele momento, não tiveram, dado que, o direito a uma consulta, muitas vezes, ainda é um privilégio.

Por outro lado, quem as vê como paciente pode imaginar uma pessoa passiva, mas essa também pode ser uma decisão protetiva: proteger-se em um lugar

desprotegido, ao passo que é possível se mostrar apenas ao sair da instituição. Nessa linha, um meio pelo qual, se dribla algumas situações é se adaptar passivamente para não causar na equipe a impressão que estão dando trabalho, conforme comentado por Carmem, que o jeito era “manter calma”, “sem escândalo”.

Essa fala ilustra, de certo modo, um jeito de se apropriar do próprio corpo, em defesa a uma violência iminente; assim, o aparente não enfrentamento pode ser uma estratégia defensiva de uma violência ainda maior, considerando o já apresentado em capítulos anteriores acerca do “poder” institucional e do discurso médico. Por essa via, o aparente não participar pode ser uma forma de proteção.

Diniz (pp. 120-21, 2001) recorre ao conceito de Petchesky e Judd (1998)38 para dizer que “é possível que em algumas situações a paciente resista às normas institucionais, porém de forma simulada, ao mesmo tempo se submetendo/acomodando e subvertendo/resistindo à regra, numa situação que poderia ser chamada de ‘resistência acomodada’.

Núcleo C- Equipe e mulheres

C.1 Entre os prescritores e os acusadores

Por parte da equipe de saúde, a impressão é que, espera-se dessas mulheres, participação nas palestras, nos cursos, na adesão às orientações, dando-nos um indicativo dessa mulher em uma posição de expectadora do saber do outro, sobre o que ocorre em si. Como ilustração, mencionamos as diversas orientações sobre os ‘modos corretos de ser mãe’: orientações essas recebidas, ao chegar à instituição, durante a permanência, até a saída.

Dito isso, vemos a equipe se deslocar entre dois papéis. Um deles se refere ao papel de prescritores das condutas adequadas e saudáveis, enquanto o outro é o de

acusadores, em resposta à não aceitação das mulheres desse primeiro papel, ou seja,

comumente se acusam as mulheres de não colaborarem com os trabalhos em prol da saúde delas.

Um exemplo disso é a indignação nos profissionais, quando a gestante, já tem quatro filhos e “me aparece” grávida novamente, ainda mais, quando cada filho é de um pai. [grifos nossos]. Comportamentos como esses escapam às expectativas dos

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Petchesky, R. e Judd, K. (eds.) Negotiating Reproductive Rights – Women’s Perspectives Across Countries and Cultures. Zed Books. London and New York, 1998.