• Nenhum resultado encontrado

5.4 Nos meandros da instituição

4.4.3 Pré Parto e Pós-Parto

Passando para a sala de pré-parto, nessa há quatro leitos separados por uma cortina (nem sempre utilizada, a não ser quando são feitos os exames). Há uma televisão e em cada leito uma poltrona para um acompanhante. No verão, a sala fica quente e os dois ventiladores não dão conta da circulação do ar, sendo comum ver os acompanhantes abanando as gestantes com o próprio prontuário.

Logo no primeiro dia, presenciei uma responsável pelo hospital perguntar em alto e bom tom, se as mulheres estão sendo bem cuidadas e que o “SUS é o convênio

mais caro que existe no Brasil”: - “Vocês estão sendo bem tratadas? Os profissionais se apresentaram pelo nome? Qualquer coisa me deem o nome para não cometer injustiça”.

Em muitos momentos, a sala fica sem nenhum profissional e, em outros, é tomada por um contingente enorme de profissionais. A equipe médica, predomimanente composta por residentes ou estagiários, geralmente entra, faz o exame, mas nem sempre conversa com a paciente, no entanto, conversa entre si, e- algumas vezes- até questiona algumas condutas na frente da paciente, mas sem dirigir o olhar ou uma palavra a ela.

Seguindo essa linha, muitas mulheres se queixam do exame de toque. Questiono alguns profissionais acerca disso e a justificativa é: “por ser um Hospital Escola o procedimento é assim”. Essa justificativa se alarga para várias decisões. Não poucas vezes me perguntaram se eu já tinha assistido a algum parto e eu disse “não”, pois achava muito invasivo, contudo a reposta era de que não tinha problema, pois ali era um Hospital Escola e “são tantas pessoas que ficam na sala e a mulher está com tanta dor

que nem se importa”. Todavia, esse posicionamento não é unânime, havendo

discordâncias entre os profissionais.

Tais situações me fizerem questionar, acerca dos aspectos éticos em um hospital desta natureza e a exposição de usuários do SUS para formação de agentes da saúde, que muitas vezes aplicarão seus conhecimentos, após bastante experientes, em outros locais. A situação posta em um hospital-escola para gestantes tem ainda o diferencial de considerar, muitas vezes, o corpo da mãe como um corpo público, puro e assexuado ou sexuado demais.

Ocorreu também de uma funcionária me indicar uma moça para eu conversar. Chego lá e é uma adolescente de 13 anos, fazendo um “cardiotoco” [exame dos batimentos cardíacos do bebê]. Falo da pesquisa e ela não demonstra interesse e nenhuma disposição para falar. O “espanto ou surpresa” talvez fosse mais da funcionária. Depois desse episódio, não me apresentaram mais ninguém para conversar.

De modo geral, este é um local no qual as mulheres se encontram “nervosas” e “preocupadas”. A impressão é de não ter sido feito um preparo para elas estarem ali. Não que isso pudesse trazer a certeza da minimização dos sentimentos, mas muitas vezes essas preocupações se dão porque elas não demonstram estar a par dos procedimentos. Elas se mostram (as) sujeitadas às determinações da instituição. Dada

essa conjuntura, a vontade, expressa pelas mulheres é de que aquilo passe o mais depressa possível. As dores e as incertezas encobrem o motivo, pelo qual elas estão ali, se quer apenas acabar com aquele sofrimento. Os acompanhantes também vivenciam essa situação com muita preocupação. Não parece haver prazer, o motivo pelo qual se tem a dor, torna-se secundário. Nesse momento, para além da dor física, outras dores de ordem subjetiva, misturam-se.

Da parte dos profissionais, é entendido ser aquele momento dependente da condição das mulheres: as que tiveram uma gravidez planejada e têm apoio da família, vivenciam essa fase de um modo mais ameno. É importante salientar, contudo, que se uma das mulheres está insegura, isso acaba “contaminando as outras”.

Esse fato nos faz pensar na ausência de um “plano de parto” discutido ao longo do pré-natal, bem como uma lacuna entre a Atenção Básica e o Hospital. A esse respeito, em conversa com um dos profissionais, tenho a informação de que uma mulher “consciente”, “diferente das que eles estão acostumados” entregou um plano de parto para a direção do hospital, tendo como resposta não haver aquele tipo de conduta naquele Hospital e, se ela assim o quisesse, deveria procurar outro local para parir.

Alguns procedimentos – não negociados ou discutidos- são anunciados da seguinte forma:“o bebê está em sofrimento”, “vamos esperar mais para não ter que ir

para cesárea”, “vamos te dar um comprimidinho e esperar para ver se vem contração”.

As mulheres os recebiam, em geral com dúvidas, mas na frente da equipe poucas questionavam.

Um dos membros da equipe me conta que, “quando elas aceitam [a gravidez]

tudo é mais fácil. Nem se importam com a via de parto. Do contrário tudo é mais difícil”. Contrapondo-se a essa fala, as mulheres com quem conversei afirmaram se importar, sim. Afinal, é o corpo delas, suas vidas e de seus filhos que estão em jogo.

Muitas das mulheres que estavam no pré-parto, e em geral, sentindo contrações e dores, diziam optar pela cesárea, mas nem comentavam isso com o médico, porque já sabiam, que eles não fariam porque elas querem, apenas se o “corpo pedir”, ilustrando uma cisão entre o corpo e a vontade, bem como a falta de conversa entre profissional e usuárias do sistema de saúde.

Porém, elas relatam situações, que, ao ver delas, poderiam ser evitadas, mas nada poderiam fazer, tendo de esperar o comando da equipe. De modo geral, recomendações da OMS, como “alimentar-se” e “caminhar”, eram feitas pelos profissionais, contudo de um modo generalizado e protolocar.

O pré-parto, foi o local, onde mais encontrei homens, todavia, comumente, as falas dos profissionais indicam que a aceitação daquele momento do pré-parto, depende em grande medida, do preparo da gestante e seu acompanhante, a ponto de eu ter escutado: “não é qualquer um que serve para ser acompanhante, porque dependendo

da pessoa, passa mais ‘insegurança’ para mulher”, ou seja, não basta ser “pai”, precisa

estar emocionalmente controlado para este momento.

Mas, será que esse momento-processo dependem somente da mulher e seu acompanhante? Se entendermos que sim, estamos de certo modo, assumindo uma visão individualizante/culpabilizante da mulher e seu acompanhante e desconsiderando os atravessamentos institucionais presentes.

É também regra da instituição, conforme apresentamos anteriormente, que “homem não pode ser acompanhante noturno”, devendo ser “trocado por alguém do

sexo feminino”, a fim de garantir uma segurança para as mulheres. Desse modo, quando

os homens podem e querem estar presentes, são mandados embora, sendo já de antemão considerados, potenciais abusadores.

Mas a presença de homens é quase inexpressiva, indicando-nos que o cuidado com um bebê é predominantemente da mulher. Porém, as práticas observadas nessa instituição, bem como práticas sociais e legais, demonstram que é pouco o espaço cedido institucionalmente aos homens. A título de ilustração, citamos: os cinco dias concedidos por lei tempo da licença paternidade34 e as feiras e cursos, intitulados respectivamente de “gestante e bebê” e “de gestante”.

Isso posto, por meio dessa visão, o papel social da mãe acaba por excluir outros, de modo que o pai também acaba, de certa forma, excluído nessa trama.

Importante destacar que, na contramão desses impedimentos para a presença do pai, existe a campanha “PAI NÃO É VISITA1”, cuja proposta é “promover discussões

críticas sobre o constante descumprimento da lei [referindo-se à Lei Federal nº 11.108]” e “exigir dos Governos Municipal, Estadual e Federal o compromisso de gerar condições estruturais nas maternidades para que o direito ao acompanhante seja respeitado”.

Antes de terem alta, as mulheres são convocadas a um encontro, para orientações sobre amamentação. No encontro que presenciei, a sala estava cheia, não

34 De acordo com Constituição Federal/88 em seu artigo 7º, XIX e art. 10, § 1º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias - ADCT, a licença-paternidade passou a ser de 5 (cinco) dias, anterior a esse período era (um) dia conforme estabelecia o artigo 473, III da CLT.

comportava todas as mulheres e algumas tiveram que retornar ao leito e receber as orientações, posteriormente. Ao invés de um encontro sobre dúvidas ou reflexões, foi uma aula de – como deve ser- e – como não dever ser. Ali todas permaneceram a maior parte do tempo caladas. Uma impressão geral é que elas estavam acatando todas as orientações e, ao sair de lá, conscientes e orientadas seguiriam os passos dados. Mas, ao sair do hospital, visualizei a saída de uma das mães que lá estavam e a primeira atitude que ela tomou foi passar o filho para alguém e com um semblante aliviado, acender um cigarro.