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A participação e envolvimento das crianças na pesquisa

Citamos anteriormente que além dos tramites formais no COEP para autorização de realização da pesquisa, a própria UMEI também inclui na documentação escolar a autorização dos pais para a participação de seus filhos e uso de imagens em pesquisas acadêmicas que possam ocorrer ali. Nas turmas observadas não havia nenhuma contra indicação. Entretanto, por se tratar de uma pesquisa realizada com crianças, na faixa etária de quatro a cinco anos e, numa postura ética coerente ao propósito da pesquisa, ouvir as suas vozes, os seus consentimentos eram importantes, pois poderiam não gostar de serem filmadas, não querer mostrar os seus desenhos ou até mesmo não gostarem de desenhar.

O fato de ter me apresentado às crianças e lhes explicado sobre o que estava fazendo ali, meu interesse pelos desenhos infantis e elas terem me contado sobre os seus desenhos e dado a permissão de minha presença em sala não era suficiente para saber sobre os seus envolvimentos, o que a minha presença significava para elas e suas participações na pesquisa. Essa dúvida foi sanada pelos próprios indícios dados pelas crianças e seus comportamentos ao longo de minha presença em sala. Por exemplo, um dia cheguei e uma das meninas, a Duda, logo que me viu, correu em direção à sua mochila e tirou lá de dentro um papel com uma

pintura que havia feito em casa para me dar de presente (ANEXO C), numa clara demonstração do seu envolvimento afetivo comigo, lembrando-se de mim fora da escola. Tal ação demonstra também o reconhecimento da criança que nossa interação era mediada pelo desenho, razão de minha presença no cotidiano da escola. Ou em outro dia, andando pela escola, a Alanis me chamou e veio correndo ao meu encontro para me abraçar e perguntar se eu já estava indo para a sua sala.

A percepção de que estavam envolvidas com a pesquisa e que gostavam de desenhar veio de um processo que teve seu início ao perceber que ficavam um tempo considerável envolvidos nessa atividade. Em seguida, me chamou a atenção as inúmeras vezes que as crianças pediam para ver os seus desenhos pela tela da filmadora. Normalmente colocavam seus cadernos na frente do visor e com os braços esticados se posicionavam para vê-los mediados pelo equipamento. Às vezes, ao invés dos desenhos colocavam suas mãos e as movimentavam, conforme as instantâneas abaixo, retiradas das filmagens (FIG. 36 a 38).

Figura 36: Mãos Figura 37: Mãos 1 Figura 38: Mãos 2

Depois que filmava mostrava-lhes a gravação na pequena tela da máquina. Nesses momentos, sempre se formava um grupinho de crianças curiosas para assistirem as cenas e se verem. Da repetição desses pedidos veio a minha sugestão de na semana seguinte, ao invés de desenharem eu levaria o computador para que pudessem ver numa tela maior fragmentos das videogravações. A professora concordou.

Conforme combinado, na semana seguinte levei o laptop. Todos estavam muito empolgados. Para registrar a situação, pedi ajuda à professora, para que pudesse fazer a videogravação. Assim, nesse dia, Lu experimentou o lugar de pesquisadora, desempenhando a função de registrar um acontecimento da pesquisa. Pelo ângulo das imagens, pode-se perceber que ficou à vontade para se deslocar do seu lugar enquanto filmava, para captar detalhes. Selecionei uma sequência de imagens que revelam este momento (FIG. 39 a 41).

Figura 39: Crianças vendo filmagens 1

Figura 40: Crianças vendo filmagens 2

Figura 41: Crianças vendo filmagens 3

As crianças tiveram oportunidade de se verem e se lembrarem dos desenhos que produziram. Muito atentas às cenas, apontavam os colegas e identificavam as situações vividas (FIG. 42 e 43).

Figura 42: Crianças vendo filmagens 3

Figura 43: Crianças vendo filmagens 4

Em certo momento, Alanis chegou bem perto a mim e disse que queria me perguntar uma coisa em segredo (FIG. 44). Coloquei-me disponível a escutá-la.

Figura 44: Alanis pede para desenhar

Sua pergunta foi se não seria possível desenhar naquele dia, já que havíamos combinado previamente que naquele dia não teria atividade de desenho. Respondi-lhe que eu não poderia dar a resposta e sim a Lu. Socializamos a questão para as crianças e também para

a Lu, que autorizou a atividade, porém com a recomendação de que não demorassem, considerando o horário exiguo. A reação das crianças foi de alegria geral, chegaram a comemorar a permissão de desenhar antes de sairem para o almoço (FIG. 45 e 46).

Figura 45: Crianças comemoram Figura 46: Guilherme retoma o desenho antigo

Todas as crianças desenharam e Guilherme, antes de guardar o seu caderno veio ao

meu encontro para mostar o “desenho do foguete do rato”, que ele sabia se tratar de uma

produção importante para a pesquisa. Conforme veremos mais adiante, a produção dessa imagem faz parte do conjunto de unidades e subeventos que foram analisados. Dessa maneira, a retomada de Guilherme ao desenho mostra que o tempo passado não diminuiu o sentido do mesmo para a criança. Essa atitude indica que, naquele momento, estavam acionados memória e consciência, desconstruindo concepções que apregoam a ideia de que o desenho para a criança pequena tem sentido somente no momento de sua produção. Como também demonstra que o desenho constituiu uma atividade para a criança, no sentido proposto por Leontiev, quer seja, envolveu a realização de ações concretas, com um objetivo e a produção de um produto, no caso um desenho (ROTH; GOULART, 2013).

Ainda tematizando a participação das crianças na pesquisa, penso que elas sabiam do sentido da minha presença. No evento a ser apresentado e analisado de maneira mais detalhada, principalmente Lucas e Guilherme demonstraram compreender quais as minhas intenções e também agiram intencionalmente, com consciência de que me apresentavam um conjunto de ações em torno do meu interesse: acompanhar e filmar crianças desenhando, questão também presente no ato de Duda produzir uma pintura em casa e trazê-la para ofertar- me. De certa maneira, tiveram autonomia para gerir o tempo escolar e regular suas ações ao romperem com a rotina escolar, ultrapassando o horário, permanecendo na sala comigo sem a presença dos colegas e da professora. Na cena que se segue eles demonstraram o quanto estavam atentos à minha presença e a importância de serem alvo do foco da filmagem. Tanto é que pediam licença a qualquer criança, que se postasse em frente ao visor da máquina de

filmar. Eles sabiam que eu os filmava e que essa era a maneira que como pesquisadora fazia o registro das situações de desenho. Não era fortuitamente que, enquanto desenhavam, olhavam para a câmera por diversas vezes (FIG. 47).

Figura 47: Guilherme olha para a filmadora

Esses comportamentos revelaram o quanto desenhar é importante para as crianças, vindo a confirmar uma das ideias iniciais da pesquisa, que essa é uma das atividades que caracterizam a infância. Elas desenham por gosto e prazer, e concordavam em participar na e da pesquisa.

Na verdade, para além desta situação específica, o desenho constitui um mediador das relações crianças e adultos. Estes continuamente valorizam a produção do desenho infantil, destacando sua qualidade estética e plástica. Neste sentido, existe um reconhecimento pelos adultos (claro que não generalizado) da importância e valor do desenho para a criança, sendo o mesmo entendido como atividade infantil por exelência.

Tal reconhecimento implica na produção de uma cultura material infantil ligada ao desenho, como lápis de cor, cadernos, papéis, tintas, etc, que relacinam-se a um imaginário sobre a criança. Tais materiais, grande parte das vezes abandonado pelos sujeitos posteriormente, acabam por constitiuir-se patrimônio da memória da infãncia, sendo frequentemente resgatados na ação evocativa.