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A participação da escola nas dificuldades de aprendizagem das crianças

3.3 As justificativas dos professores: ecos do passado ou um novo saber?

3.3.3 A participação da escola nas dificuldades de aprendizagem das crianças

Os professores entrevistados identificam também a participação da escola nas dificuldades das crianças. Na visão deles, a escola contribui para que as dificuldades se instalem na medida em que os professores das turmas regulares dos primeiros anos escolares das crianças, não oferecem um acompanhamento voltado às primeiras dificuldades apresentadas. A consequência disto é que pequenas dificuldades, não detectadas e superadas já nos primeiros anos de escolaridade, podem vir a se cristalizar

constituindo-se em dificuldades maiores e mais difíceis de serem superadas posteriormente. Lembremos que a oferta do projeto do qual os professores que entrevistamos fazem parte, o PIP, é prevista para alunos do 2o e 3o ciclos escolares. Ou seja, alunos com no mínimo três anos de escolarização. Logo, para praticamente todos os professores entrevistados, muitas crianças não estariam agora com dificuldades mais graves se recebessem, de seus professores, uma atenção mais individualizada no início de sua vida escolar. A maior parte dos entrevistados atribui essa falta de atenção, contudo, ao fato de os professores trabalharem com turmas muito cheias, chegando até a 35 alunos, em alguns casos. Isso impossibilitaria uma atenção mais individualizada às crianças, o que poderia sanar as dificuldades assim que aparecessem. Essa seria então a expectativa dos professores em relação à escola. Perguntamo-nos, contudo, se expectativas dessa natureza não estariam fundamentadas na crença de uma intervenção educativa supostamente adequada às capacidades das crianças, sobre a qual nos advertiu Lajonquière (1999). O fato é que ainda paira sob o desempenho didático dos professores e a organização escolar, uma expectativa de que possam ajustar-se às necessidades de seus alunos. Reproduz-se, dessa forma, o princípio fundamental do movimento de renovação edu a io al: a edu aç o e t ada a

ia ça e suas e essidades. Veja os o o os e t e istados a o da a essa uest o.

P2: Veja bem, um aluno que chega aqui com 8 anos ele vai pra frente e ele não está bem alfabetizado em português e nem em matemática também né que são as 4 operações, o domínio das 4 operações, o aluno ele vai pra frente, mas vai ser um aluno desinteressado, indisciplinado porque ele não vai dominar o básico que é saber ler e escrever, como ele não tem o domínio de saber contar esse aluno vai... Vira uma bola de neve e aí todos os outros problemas de indisciplina, de desanimo, de falta de interesse vão se acentuar.

P6: o menino chega aqui com 6 anos, 1º ano 6 anos. Aí ele tem uma dificuldade que ela não é superada naquele ano, eu acho que se ela fosse superada naquele ano talvez não chegasse nesse ponto que a gente está. Mas o problema é que as coisas vão acumulando e vai ficando de um ano pra outro, a gente não tem uma retenção né, que também não é a chave não é? Mas é o caso, porque na sala de aula eu estou com 20 e qualquer coisa, e com o grupo menor [no PIP] é mais fácil porque eu estou pertinho dele aqui, sabe.

P3: ele precisa mesmo de um atendimento mais individualizado eh, se a gente pudesse fazer isso desde o principio que é, seria o ideal talvez ele não chegaria no 2º ciclo com isso, ou então no final do 1º ciclo com essas dificuldades todas.

P9: Em algum momento da aprendizagem deles, eles não foram vistos porque eles passam a ser, passam a pertencer a um grupo do qual eles são invisíveis

Pesquisadora: Invisível, você acha? Na sala de aula?

P9: É. Invisíveis no sentido de... De não produzir e não tem tempo para olhar esses meninos, professor com 35 meninos como é que vai olhar aquele que não dá conta. Então eles ficam...

Alguns entrevistados, contudo, sugerem que há uma dificuldade no processo de ensino que talvez pudesse ser sanada com outra atitude do professor. A questão do número de alunos aparece, mas não como a única justificativa para a falta de atendimento mais individualizado para as crianças.

Pesquisadora: E aí chega no final do 1º ciclo com dificuldades?

P7: Com dificuldades que eles deveriam ter vencido antes. E não tiveram oportunidade né, ou foi queimada etapa.

P8: Aí na sala de aula não tem isso, porque aí eu não estou criticando as professoras não, mas é porque tem todo um universo de 30 alunos eu acho que né, fica um pouco até complicado pra professora, isso aí é de cada professor, tem professor que se dispõe a fazer o trabalho separado e tem professor que não. P11: Já vi em alguns momentos atrás, acho que é até a questão do, da rotina da sala já vi isso também interferindo numa época que tinha muito menino no PIP, muitos dos problemas era da sala de aula, era da condição também né, não era propriamente problema de aprendizagem era da ensinagem também.

Destaca-se, do contexto escolar, a figura do educador como responsável pela condução das crianças em direção aos objetivos maiores da educação escolarizada. No Manifesto dos Pioneiros, o papel do educador tem destaque logo no início do texto quando é questionada e criticada a preparação do educador brasileiro, entendida como decorrente de u e pi is o g ossei o , asta te dista te da a lise ie tífi a dos fi s e eios da

educação. Esse emblemático texto reforça a esperança de que educadores melhor preparados poderiam obter da educação os fins desejados pela sociedade. A preparação viria do acesso aos conhecimentos científicos sobre a criança e sobre o papel da escola e sua função na sociedade. Sobre o educador, assim se expressa o Manifesto:

[...] se tem um espirito cientifico, e p ega os métodos comuns a todo gênero de

investigação científica, podendo recorrer a técnicas mais ou menos elaboradas e dominar a situação, realizando experiências e medindo os resultados de toda e qualquer modificação nos processos e nas técnicas, que se desenvolveram sob o impulso dos trabalhos científicos na administração dos serviços escolares.

A função do educador, assim estabelecida, apresenta-se como garantia do sucesso da empresa educativa. Os professores entrevistados por nós também expressam a crença de ue p ofesso es elho p epa ados ou dispostos pode ia e ita ue g a de pa te das crianças chegassem ao PIP. . Observamos também que os mesmos não se dão conta ou não dão devido peso, considerando as justificativas que nos apresentaram, aos saberes que constroem cotidianamente com as crianças. Assim, lançam também sobre o seu próprio trabalho uma crítica, na esperança de que um saber Outro pudesse ampará-los nessa impossível tarefa.