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O binômio violência/pobreza como determinante das dificuldades de aprender

3.3 As justificativas dos professores: ecos do passado ou um novo saber?

3.3.1 O binômio violência/pobreza como determinante das dificuldades de aprender

dificuldades. Nesse momento, os traços de uma certa tendência explicativa começaram a se delinear. Mais do que a constatação das dificuldades que ocorrem às crianças, pareceu-nos central, para a compreensão da concepção predominante entre os professores sobre as mesmas, a maneira como eles as explicam. Esse foi, inclusive, o ponto em que a investigação modificou a hipótese inicialmente formulada. As razões das dificuldades foram identificadas, como veremos a seguir, em um conjunto de fatores que se referem ao contexto onde a criança se encontra. Nessa direção, aparecem referências ao local onde moram, à família e ao contexto escolar. Fatores que se enumeram como responsáveis pelas dificuldades das crianças e que poderiam ser localizados no que também Couto (2012), denominou como um processo de psicologização e sociologização do fracasso escolar.

Em nosso trajeto, contudo, constatamos a repetição de concepções cuja origem identificamos nas teses escolanovistas que orientaram as principais políticas de educação no Brasil, nas origens de sua instituiç o o o fu ç o esse ial e te pú li a .

Vejamos como essas justificativas aparecem e se consolidam na fala dos professores.

3.3.1 O binômio violência/pobreza como determinante das dificuldades de aprender

Em quase todas as entrevistas realizadas, o contexto onde vivem as crianças aparece como uma explicação para as dificuldades que apresentam em aprender. Tal contexto é reduzido, contudo, à violência e precariedade econômica. Registramos através das falas de quase todos os professores entrevistados, a presença dessa referência ao contexto. Dos onze professores ouvidos apenas três não fizeram referência às condições sociais de vida das crianças que apresentam dificuldades para aprender. Vejamos.

P1: A morte é muito comum entre eles.

P2: A violência, é um dado assim banal, é banal na vida deles. Então eu acho que eles vivem uma pressão muito grande. 35

P2: É justamente esse fator social, eu acho que influencia demais mesmo, porque veja bem, nós convidamos os meninos pra fazer o PIP e boa parte deles não veem por quê? Porque a família não deixa, porque ele tem que olhar o irmão, ele tem

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que varrer casa, lavar prato. Muitos deles saem agora 4:20 vão chegar em casa e vão trabalhar ou então levantam 5hs da manhã e tem que trabalhar antes de vir pra escola.

P4: Né, a gente não está afirmando, eu não estou aqui afirmando que isso define, mas eu estou afirmando que talvez pra eles o processo de alfabetização não seja o centro do interesse da vida deles, porque estão vivenciando coisas muito pesadas, coisas muito difíceis e complicadas, entendeu? Eu acho que isso influencia.

P4: A condição socioeconômica, violência, né, violência, uso de drogas, e conflitos mesmo entre os parentes ali, disputa de poder pra ficar com a criança, histórias muito, muito diversas.

P5: a gente tem caso aqui que viu o pai ser assassinado, a mãe, a gente tem caso assi , de alu o ue a fa ília hega p o Co selho Tutela ão ue o esse e i o , e tão são histó i os ue a ge te ão pode des o side a , ão te como você virar e falar assi o e i o pelo e i o ão o e i o o a história de vida...

P9: E às vezes, uma situação de risco que eles vivem onde eles moram, né. E a gente fica percebendo e tem que ficar atento se não há uma questão maior né. Eh, eu vejo assim meninas com muita revolta, tem uma aluna P., ela era uma das alunas desse grupo. Por exemplo, em que os pais eh, se drogavam. E ela estava com avó e a avó já tinha dificuldades de estar com ela e com os outros irmãos não sabia como lidar porque a menina já estava com comportamento agressivo, se enturmando com outras meninas...

P10: Limitação é a limitação financeira, a limitação no meio social de, de violência, de drogas, porque eles convivem com isso tudo, de mortes. Né? Como é a cabeça de uma criança que tá ali naquele meio, que vê né, o vizinho ou até a própria família... porque a gente isso aqui no nosso meio é muito, muito gritante né.

P11: É (...) aí o pai reclamava que a mãe batia nele, batia no pai então tem umas histó ias assi , eu falei ge te esse e i o p e isa de ãe ão sei o o ele criado pela madrasta então eu acreditava mais numa falta de estímulo.

Os relatos acima denotam a maneira como os professores entendem as dificuldades das crianças como estando associadas ao contexto onde vivem. Eles apresentam-nos fatos desse contexto, os quais parecem determinar, por si mesmos, as dificuldades das crianças com a aprendizagem. Tal postura indica uma concepção de ambiente como produtor de exigências adaptativas incompatíveis com as exigências da escola. Ressalta-se também, mesmo que subentendida, uma crítica às condições de vida das crianças atendidas pelas escolas, como bastante distantes de um ideal de ambiente adequado às crianças e à aprendizagem. Os exemplos mencionados permitem depreender uma concepção em que as exigências de trabalho, a violência, uso de drogas e a ausência da atenção dos pais são responsáveis por efeitos e influências nocivas sobre as crianças atendidas pelo PIP. A descrição que nos oferecem os professores, se encaixa bem na concepção de ambiente utilizada o o justifi ati a pelos adeptos da teo ia da a ia ultu al , o o os le a Patto (1993, p.45), nessa concepção as crianças com dificuldades na escola são oriundas de

g upos fa ilia es patol gi os e a ie tes so iais at asados. .

Observamos, contudo, que a crítica ao contexto social no qual as crianças estão inseridas, não inclui uma análise que contemple as condições socioeconômicas mais abrangentes que regem a sociedade, reflexos de uma ordem social estabelecida pelo modelo capitalista, como também nos alertou Patto (1993). Nas justificativas dos professores a questão da pobreza e violência aparece como uma questão local, como apontam as falas de P9 e P10, apresentadas acima.

Por fim, constatamos que, para esses professores, o ambiente violento e precário no ual i e as ia ças eflete-se o odo o o se ap ese ta a es ola e ta as dificuldades que, supostamente, possuem. Assim, parecem reproduzir o que bem observou Patto (2005, p.60) em sua análise das pesquisas edu a io ais o B asil: a po eza dos alu os o o fato e te io es ola a p i ipal ausa do seu i su esso es ola .

P7: Porque eles, eles eh, presenciam muita briga né, eles presenciam muita discussão, tudo isso reflete aqui na escola.

Desse modo, a leitura funcionalista para a qual as contingências do ambiente determinam os comportamentos das crianças é reproduzida com naturalidade nas explicações dos professores sobre as dificuldades das crianças.