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APÊNDICE 3- Tabelas de plantas introduzidas por Biezanko em Guarani das Missões

2.5. A “Paternidade da Soja” e a relação Polônia, imigrantes poloneses, soja:

Guarani das Missões revelou ao longo da pesquisa uma realidade complexa e uma memória muito particular com relação à introdução da cultura da soja na região, este acontecimento desenvolveu uma série de particularidades, que remontam ao período da chegada do cientista polonês Ceslau Biezanko e até mesmo antes dele.

A fim de exprimir o modo como se depreende a complexa teia memorial e de representações simbólicas com relação ao processo maior da soja e projeção de

Biezanko na colônia polonesa, percebemos que na memória do guaraniense200, Santa

Rosa usurpou o título de capital nacional da Soja, ao ser considerada berço do produto e

receber a Fenasoja (Festa nacional da soja)201. Como mostramos, a planta tem uma

história que traz a tona eventos do século XIX e sua “origem” não é fácil de ser rastreada. O relevante é que em grande parte dos relatos a disputa com Santa Rosa se evidencia de maneira bastante latente e tem um significado importante no modo como o guaraniense se relaciona com sua cidade, ademais das disputas internas na região.

A questão do pioneirismo da soja tem início a partir da disputa pelo título de “Capital Nacional da Soja”, desde muito cedo capitaneado pela maior cidade da região, Santa Rosa (ainda que a oficialização fosse posterior), a qual ostenta a denominação honorífica alegando o início da cultura por volta de 1914, com ações do pastor Lembauer, o que a tornaria o “Berço Nacional da Soja”. Tal fato permitiu a criação da Feira Nacional da Soja, a FENASOJA, iniciada em 1966 e que ocorre periodicamente

200 Gentílico, que expressa também uma “identidade” de modo usual, expressa em jornais da cidade ou na

memória dos cidadãos.

201 Soubemos através dos entrevistados que no Museu da Soja na cidade de Santa Rosa há referências ao

desde 1974, na qual chegaram a existir embates com guaranienses que reivindicavam o título para sua cidade.

Em praticamente todas nossas entrevistas com os habitantes de Guarani, a querela com o município vizinho era manifesta, as referências são muito recorrentes, como: “Guarani ficou para trás, cidade pequena não é...” (A.A. agricultor aposentado, 62 anos), “Por que sabe de uma coisa? Guarani brigou com Santa Rosa por causa

disso aí!” (C.B. agricultora aposentada, 78 anos), “Porque é ele [Biezanko] que – contam não é? – ele que trouxe as primeiras sementes do soja; e depois foi plantada no nosso município, e hoje quem leva a fama é Santa Rosa” (M.L., dona de casa, 78 anos),

ou então menções ao fato de Biezanko ter levado sementes para linhas que eram, então, parte de Santa Rosa. O “título” seria mais um elemento de reforço identitário importante para a constituição do grupo e da cidade, tendo como resultado o aumento dos seus recursos, não apenas culturais, mas inclusive materiais através da divulgação e turismo.

Para além das contestas com Santa Rosa, dentro da própria colônia polonesa há questões quanto a quem foi o introdutor da soja. Em todos os grupos sociais (como os étnicos) existem divisões, referentes a variadas formulações, ainda mais, quando remete à constituição identitária grupal, que envolve posicionamentos e capacidade de enunciação e ativação de determinadas situações em relação a outras, ou seja, o potencial de “representação” cujo alguns porta-vozes têm nas disputas simbólicas, o qual tem reverberações nos discursos. A definição do personagem relacionado à introdução da soja na atual memória do guaranienses parece menor, com Biezanko já estabelecido, mas nas fontes encontramos diversas referências, especialmente na atuação de diferentes intelectuais polono-brasileiros, que neste momento analisaremos a fim de contextualizar a temática.

Primeiramente, Edmundo Gardolinski, ao publicar em polonês no Lud em 1966 um artigo sobre a história educacional polonesa em Guarani das Missões, acabou entrando em debates por meio de missivas com Józef Kuryło, professor por muitos anos da escola Santo Isidoro, na Linha do Rio, margem direita do Rio Comandaí (parte que pertencia a Santa Rosa) Este personagem foi um dos que tiveram relações com Biezanko em suas atividades na colônia na década de 1930, inclusive apoiando suas ideias de associativismo e educação rural.

Francisco Wasilewski era segundo vice-presidente da Centralne Towarzystwo

Rolnicze (CTR), instituição fundada por Biezanko que apresentaremos melhor no

próximo capítulo, também era presidente do Círculo Agrícola (Kółko Rolnicze) da Linha do Rio, o Mazur, o qual foi vinculado à instituição central, o CTR, portanto existindo uma ligação formal com o cientista polonês, o mesmo equivalendo para Kuryło, que exerceu várias atividades no mesmo círculo agrícola, coordenadas por Biezanko, inclusive como primeiro vice-presidente do CTR. Ambos atuaram juntos numa importante escola localizada na sede de Guarani das Missões, o Kolegjum.

Segundo Kuryło, ao comentar o artigo de Gardolinski sobre a educação em Guarani, “V. S. Eng. Edmundo demorou-se demais nos méritos de algumas pessoas e

deixou outras”202, adicionando que o próprio Biezanko teria se aproveitado da situação

para se colocar como introdutor da soja

Demorou-se um pouco demais [...] e especialmente com o Eng. Biezanko, que apesar de que foi meu professor de Biologia e Botânica, o considero também um grande “demagogo”, e explico-me: Em quanto nós trabalhamos para trazer um desenvolvimento ao n/ colono o Snr. Biezanko escrevia artigos sobre o que ele não tinha feito. [sic]

Kuryło em artigo ao Odrodzenie de 24 de janeiro 1934, escrito por ele, mas assinado por Francisco (Franciszek) Wasilewski “para que fosse melhor aceito pelo

colono”203, afirma que já em 1931 iniciou não apenas o cultivo, mas a distribuição de

sementes de soja na região próxima ao rio Comandaí, na margem pertencente ao então município de Santa Rosa.

Wasilewski, um antigo oficial do exército russo e ex-combatente da guerra Russo-Japonesa, teria recebido exatamente 33 sementes da mão do professor Kuryło e não de Biezanko e que no “ano 1933 o Prof. Biezanko distribuiu algumas sementes, no entanto, escreveu artiguinhos, sem fazer nada, ele é o tal!”, assim o cientista teria sim participado na difusão de sementes, mas se aproveitado do trabalho de outros. No artigo

202 Carta de 14/04/1966 de Kurylo para Gardolinski. 203 Carta de Kurylo para Gardolinski 05/10/1966.

ainda destaca, que “Durante a minha estada no Extremo Oriente na Manchúria204 tomei um olhar mais atento a esta útil planta, que, ao lado do arroz é básico, uma planta cultivada na China, no Japão e na Coréia. Grandes plantações de soja foram vistas nas

proximidades na Manchúria [sic][...]”205, além disso, o artigo destaca a leitura de um

texto sobre a soja do professor Jan Muszysnki da Universidade de Vilnius, no periódico polonês de Buenos Aires Przyjacielu Ludu (Amigo do Povo), o professor seria o mesmo que daria acesso às sementes para Biezanko na Polônia (BIEZANKO, 1958) e seu artigo teria influenciado os agricultores a plantar a leguminosa.

Quanto aos resultados, conforme o professor da Linha do Rio, a soja cresceu até 146 cm e colheu, fruto das primeiras sementes, 8kg das quais distribui dois quilos entre os vizinhos e replantou 6kg colhendo 480 kg em 1933, com um período de crescimento de 3 a 4 meses dependendo da variedade e plantando de 3 a 5 sementes em cada cava. No final do texto propõe: “Eu encorajo todos os agricultores a plantar soja, cujo cultivo

é fácil, porque a soja é uma planta muito útil”206.

Em outra carta de 23/07/1966, Kurylo explica

Bastante próximo da festa do soja, fui novamente procurado para escrever sobre a introdução da mesma aqui em Santa Rosa. O Eng. Biezanko quer ser o introdutor, porém ele veio muito mais tarde e a soja já era conhecida e bastante plantada. A culpa nossa foi trabalhar na surdina, sem escrever artigos. Biezanko trouxe uma variedade branca, pouquíssimas sementes, porém dois anos mais tarde.

Nesta situação, provavelmente, estamos tratando da primeira edição da Fenasoja, quando Kuryło queria inclusive apresentar as informações que tinha sobre a presença da soja, por ele plantada e distribuída desde 1931, deixando claro novamente que Biezanko teria uma participação na introdução, mas posterior. Realça ainda mais tarde, já conformado, que o “Pe. Wróbel fez muito pelo desenvolvimento da Colônia, porém também estagnou [...] muito. Biezanko esteve pouco tempo em Guarani: era hospede do

204 Aqui Kurylo escreve como se fosse Wasilewski, segundo o que teria afirmado, de que a redação da

carta seria de sua autoria e apenas assinada pelo ex-soldado.

205 Przebywając na Dalekim Wschodzie w Mandzurji i przyjrzałem się bliżej tej pożytecznej roślinie,

która, obok ryżu jest podstawów, rośliną uprawną w Chinach, Japonji i na Korei. Wielkie plantacje soi widzialem koło Mukdenu [...]

206 Wszystkich rolników zachecam do sadzenia soi, której uprawa jest latwa, soja bowiem jest roslina

Pe. Wróbel. Caçava e estudava sobre borboletas e escrevia artigos, mas infelizmente todos eles não tiveram a popularidade que poderiam ter”, assim, nos permite relacionar inicialmente a vinculação do cientista com o padre, importante argumento do próximo capítulo, além do fato de que Biezanko talvez tivesse um acesso limitado aos colonos na medida de sua “popularidade” ou até mesmo, que não ficou tempo suficiente para ganhar-lhes a confiança necessária, mesmo que seja justamente nos anos 1960 que sua história passa a ser rememorada muito em função do trabalho de Edmundo

Gardolinski207, então, pelo menos desde 1958, amigo de Biezanko.

Em sua resposta208, Gardolinski afirma que

para desfazer as mágoas e interpretações errôneas a respeito da soja ou da paternidade da Introdução da Soja – na região missioneira – pelo Prof. C. M. Biezanko – [...] – o ilustre entomólogo – não reivindica o mérito – foi lhe atribuído por agrônomos do governo – ou seja, João Antonio de Assis Brasil e Becklere O da Silva, técnicos do Deptº de Estatística Estadual “que lhe atribuiu a introdução no Estado, Este novo setor de riqueza” (V/ pag 33. 5º vol. Da Enciclopédia Rio Grandense. Foram, pois aqueles funcionários, antes de tudo, que publicaram o seguinte tópico, (trab. “A soja”) publ. 17/fev/1957) [sic].

Gardolinski soma que “Daí, decorre pois, um artº publicado pelo [...] Brasileiro de Imigração e Colonização – vol. III – pag. 124 – que menciona o prof. Biezanko – “enquanto introdutor e orientador da cultura da soja” ... que, com a colaboração de um grupo de imigrantes poloneses, etc... fizeram [...] plantações...” (sic) e posteriormente defende seu amigo cientista ao ponderar

Na época, o prof. Biezanko, já era formado, e, possuía uma vasta bagagem científica escrita incl. em alemão na Europa. Creio que, o snr. não avalia bem as qualidades e os conhecimentos daquele mestre – possuidor de tantos títulos – que le foram conferidos por diversas escolas e instituições científicas. Não se pode – pois – na minha opinião – conferir-lhe o título de

207 Gardolinski vai se concentrar na História e divulgação da imigração e identidade polonesa,

principalmente, no Rio Grande do Sul, sendo a partir dos anos 1950, que as divulgações ganham mais força projetando-se como o mais notável agente étnico do estado (WEBER, no prelo). Biezanko, seu amigo pessoal, era assunto constante das pesquisas e apareceu em artigos e em uma biografia escrita pelo engenheiro Gardolinski.

demagogo – pois, assevero que jamais fez questão de se aproveitar de trabalhos dos outros, e, muito menos vestir-se em penas de pavão! Para que o amigo tenha uma pequena – do gabarito deste cientista – autor de centenas de trabalhos publicados em vários idiomas – que estou certo – o amigo mudaria de opinião – Quem fê-lo grande, ou atribuiu-lhe méritos, não conhecia [...] bem o gabarito, porém, ele jamais fez questão disso [sic].

As discussões terminam assim e a partir deste debate fica patente a questão da problemática que era a “paternidade” da Soja. É possível que em 1931 já houvesse a utilização de espécimes de soja entre os colonos poloneses na cidade, o próprio Biezanko em 1934 destaca que Wasilewski na Linha do Rio, juntamente com outro agricultor chamado Grzesiuk (só aparece na versão traduzida de 1958), plantavam o produto com sucesso na região missioneira, no artigo o cientista alega que apenas alguns colonos poloneses em Guarani no Rio Grande do Sul em 1933 e em Misiones na

Argentina209 “também começaram o cultivo de soja”210, além disso, lembra a

importância dos ex-combatentes da guerra Russo-Japonesa que tiveram contato com a

planta ao apontar o desenvolvimento dela na Polônia, onde “a soja foi conhecida no

século XIX, mas somente depois da guerra russo-japonesa”, quando soldados trouxeram consigo muitas sementes de diversas plantas do Oriente, entre elas várias dezenas de variedades de soja (BIEZANKO, 1958).

O significativo não é quem foi ou não o introdutor da soja quando o próprio Biezanko admite a colocação de outros personagens, não nos empenharemos na resolução desta polêmica e nem é nosso objetivo, mas sim a dimensão do trabalho exercido por Biezanko, mais completo, amplo e impactante, envolvendo uma gama grande de múltiplos personagens que vão desde clericais até anticlericais, intelectuais e colonos, somados a criação de instituições, a promoção de atividades e a publicação de artigos, ações que extrapolam Guarani e que impactam diretamente na comunidade polonesa em nível nacional, diferentemente da dupla Kuryło e Wasilewski, os quais tiveram ações muito mais localizadas espacial e temporalmente.

209 Lud 10/03/1934. Artigo O pożytkach z soi.

210 równiez rozpoczęli uprawę soi i doszli do przekonania, że soja jest roślina, która zasługuje ze wszech

miar na uprawę na większa skałe ze wzgłedu na wszechstronną użytkowość i latwość uprawy. Lud, 28/02/1934.

É sintomático que Biezanko, a partir do seu gabarito intelectual e seu capital cultural, pode ter sido “lembrado”, enquanto outros personagens de menor destaque não. Gardolinski, enquanto letrado e um líder, de projeção estadual e, quiçá, estendendo-se pelo sul do Brasil diante do grupo polonês, ao defender o amigo propõe que Biezanko não era indivíduo banal, mas um cientista muito reconhecido e que não queria os louros do título de introdutor da soja, o qual posteriormente será a sua grande referência.

É provável que, ao frequentarem os mesmos círculos da sociedade majoritária, isto é, da elite gaúcha, tanto intelectual como eventualmente econômica, Gardolinski acaba por realçar Biezanko, pois este era reconhecido como “introdutor da soja” por esta mesma sociedade, e este reconhecimento é importante, assim como Nuñez (2006) assevera, em resumo, Gardolinski se reconhecia em Biezanko, como um igual, pois estavam estabelecidos diante do grupo dominante.

Possivelmente, como atenta o texto assinado por Wasilewski, o seu trabalho no CTR e no círculo agrícola Mazur tenha propiciado uma ação conjunta, quiçá coordenada ou orientada por Biezanko em 1933 aliando as sementes existentes com variedades novas trazidas da Polônia.

A disputa memorialística aparente nas entrevistas é posterior, remetendo o início da produção em larga escala da soja, justamente quando o artigo de Gardolinski é lançado, atrelado à inauguração da Fenasoja em Santa Rosa, o aumento dos preços do produto, a mecanização da lavoura, enfim, aquilo que identificamos como boom da soja, talvez este motivo tenha sido suficiente para iniciar o embate, que como resultado final, tem Biezanko como “vencedor” ao ser fortemente lembrado em oposição a Kuryło. Mesmo assim, ainda existem indivíduos que interessados pela história do seu lugar continuam guardando na memória aquele professor da linha do Rio, como é o caso de A.W.K (agricultora aposentada, 76 anos), segundo ela “Mas [...], agora, esse lugar de

onde esse soja veio primeiro, é Ubiretama”, precisamente, Ubiretama é um município

da região noroeste do estado e faz divisa com Guarani das Missões e Santa Rosa tendo se emancipado dessa cidade mais tarde, em 1995 e, onde Kuryło teria atuado na margem direita do Rio Comandaí.

Porque na verdade isso foi assim[...]: o meu irmão ele andava no colégio, lá nesse colégio na; agora vai ser Linha Vinte e Três, era Vinte e Três, do rio, vinha do rio assim, daí ia até a Vinte e Três que ia lá para a ponte. Não; não tinha ponte aquele tempo, agora tem a ponte da Linha Pinto. Então, tinha um professor que era assim, de origem polonesa, e eles eh... Daí tinha o presidente, era o Wasilewski, Francisco, e ele fez – [...] lá, não sei como é que descobriram – que tinha uma semente que o pessoal podia plantar para fazer o óleo e servia para tratar os animais e tudo, essa tal de soja.

Depois confirma a introdução afirmando

Porque o pai sempre e a mãe contavam isso, contavam essa história. Até depois um dia – porque daí eu vou contar bem certo –, daí veio, dizem que um pacotinho assim, veio tudo empacotado para aquela sociedade Santo Isidoro, a sociedade Santo Isidoro. E – eles até tinham um quadro de Santo Isidoro, que era o lavrador [...] – e lá daí, mas como com esse punhadinho que veio, então para plantar, todos os sócios vão pegar não vai dar em nada! Aí esse presidente plantou a primeira vez, colheu, e depois distribuiu para cada um, por entre, então os alunos ganharam um punhadinho.

O depoimento rememorado a partir das histórias do pai de A.W.K, Zygmunt, vai ao encontro com o artigo do Odrodzenie, assim, Wasilewski tem sua memória relembrada junto com Kuryło, quem é afirmado pelo esposo da entrevistada senhor J.K. (agricultor aposentado, 80 anos) ao referir-se ao professor que distribuiu as sementes na região, vinculando a escola Santo Isidoro, onde ele trabalhava lecionando e como coordenador, na qual teria inclusive distribuído sementes para os alunos nos primeiros anos do cultivo, para que levassem as suas casas e ensinassem os pais a plantarem, caso ocorrido com a irmã de A.W.K, quem ainda assevera

E daí... Aquela soja começou; então o meu pai, quando começou a plantar, que ele; aí isso cresceu uma soja assim alta, que podiam se esconder, os pés altos assim que debaixo de um pé de soja dava sombra, para a pessoa sentar. E, mas plantaram um ano; aumentou; outro ano; no fim depois já não sabiam mais o que fazer, e não tinha comércio. Então o pai tratava para os porcos, cozinhava junto com mandioca, e depois o pai continuou sempre. E, mas daí, depois daquilo, então quando esse presidente, que era o Wasilewski faleceu, aí eles botaram no túmulo dele uma pedra assim, daquelas pedras que faziam os túmulos – agora é mármore não é, mas antigamente –, daí eles botaram assim uma pedra muito bonita, assim feita, meio arredondada, e o pé de soja; e daí tinha a data de quando esse pé de; essa soja surgiu. Só que depois veio um temporal...

Quando ele começou, primeiro, a plantação. É; a soja ela veio; esse professor; tinha um russo211, que ele foi para a guerra212, não sei, acho que era na Polônia ou... Não sei, não lembro que local, então eles se guardavam na sombra, e ele falava, disse que plantava essa soja, e disse que dava para fazer óleo, e explicava para esse professor, e o professor mandou uma carta para lá, e eles mandaram, disse que um punhadinho, e aí cada sócio ganhou acho que dois grãos. E aí começaram a plantar

A entrevistada rememora a distribuição das sementes e a falta de comércio que acabava levando a usos mais secundários do produto, bem como, posteriores homenagens ao introdutor Wasilewski, quem segundo Gardolinski (1974, p. 75) “a sua grande popularidade entre os colonos decorria não apenas do seu preparo intelectual e facilidade de expressão, mas sobretudo do seu espírito de bem servir o próximo”. Segundo a entrevistada, a “realidade é essa”, sua pequena cidade, Ubiretama, seria o berço nacional da soja e não a cidade maior, Santa Rosa ou muito menos a vizinha Guarani. Neste caso temos mais um elemento de questionamento e que envolve as tramas da memória dos habitantes daquela região que até os anos 1950 era dividida entre São Luiz Gonzaga, Santo Ângelo e Santa Rosa, permeada de colônias de diferentes etnias e que na década de 1930 viu nascer o cultivo de um novo produto entre seus colonos.

Posteriormente, Gardolinski em sua versão final do artigo sobre a educação em Guarani das Missões de 1976 inclui as informações prestadas nas cartas de 1966 por Kuryło, além disso, Malczewski e Wachowicz (2000) no seu verbete sobre Biezanko afirmam que os colonos poloneses da região já conheciam a soja, assim como concorda Jan Wójcik em biografia de Biezanko de 1966. Mas o debate continua, para alguns habitantes de Guarani tal fato é “mentira”, como uma das entrevistadas afirmou, então, o que pretendemos demonstrar é a importância da memória do evento a qual envolve as emoções das pessoas e permite diferentes interpretações do pesquisador, diante da publicidade que a soja atingiu, das disputas dos municípios por títulos e festas, as quais atraem turistas e interessados, perante os usos, enfim, da história na sua vinculação com