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3 Valores sociais, educação e teorias pedagógicas

3.4 A pedagogia crítica e o centralismo do conhecimento

Como vimos, ainda que esteja equivocado, o escolanovismo trata a questão dos valores e da formação moral como algo importante na educação. Sendo o caráter idealista do “centralismo dos valores” no escolanovismo obviamente um problema para a compreensão das questões pedagógicas, por outro lado não temos ainda uma formulação pedagógica que trate o problema de modo a superar criticamente esse tratamento idealista. Via de regra o que se faz, em casos variados, é buscar negar as proposições escolanovistas sem considerar o problema levantado como válido objetivamente, e portanto, sem encará-lo em termos críticos sem cair nas armadilhas do epistemologismo.

A notável ausência de uma reflexão elaborada e permanente sobre os valores, elementos tão decisivos à prática social, acaba por impor às teorias críticas sobre educação o

que podemos chamar de “centralismo do conhecimento”. Por “centralismo do conhecimento” entendemos uma concepção na qual a defesa da centralidade do conhecimento não implica uma articulação com os valores sociais, que sequer chegam a se tornar um aspecto a ser considerado na prática educativa. Ainda que a questão dos valores não esteja totalmente ausente da elaboração crítica, ela é efetivamente residual hoje.

Essa ausência da questão dos valores tem um impacto nas formulações basilares do debate pedagógico crítico no Brasil. Tomaremos aqui como recorte das teorias críticas em educação31 aquela que tem se mostrado mais presente no debate entre os educadores e acumulado um conjunto maior de elaborações neste campo, qual seja, a Pedagogia histórico- crítica, notadamente a obra de seu fundador, Dermeval Saviani. O objetivo presente é evidenciar alguns elementos de sua obra que se tornaram significativos na produção pedagógica crítica, e que, portanto, transcendem a letra do texto do autor. Tal como no trabalho, também na filosofia e na ciência toda objetivação teleologicamente posta adquire um autonomia diante de seu produtor. Nesse sentido, seria desnecessário, se não fosse prudente, adiantar que não se trata aqui de pretender denunciar equívocos ou falsidades de sua teoria, que versa competentemente sobre os mais diversos aspectos da educação, da didática às políticas públicas, da filosofia à história da educação. Por outro lado, tampouco se trata de assumir uma posição bajuladora, que, aliás, é sempre nociva à capacidade de autocrítica e fere particularmente o debate pedagógico progressista. Enfim, na expressão do próprio Saviani, não se trata de fazer uma crítica “(...) a gosto dos francoatiradores da polêmica fácil.” (2013b, p.25), mas sim, de evidenciar aspectos teóricos que têm se cristalizado e que merecem problematização, tendo em vista que este debate se coloca como mediação para as lutas que tem por horizonte uma formação sólida e combativa da classe trabalhadora.

No texto “Ética, educação e cidadania” (SAVIANI, 2014), Saviani dá indicações acerca da especificidade dos valores e de sua relação com a atividade educativa. Conforme o próprio autor afirma, este texto é uma retomada de diversos pontos que foram levantados por ele em 1971 no texto “Valores e objetivos na educação” (SAVIANI, 2013a). Nesta retomada, Saviani dá uma definição de valores: “De fato, a melhor definição de valor é exatamente esta: valor é uma relação de não indiferença entre o homem e os elementos com que ele se

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Entendemos que “teorias críticas em educação” tem o seguinte sentido: “Com efeito, a pedagogia crítica implica a clareza dos determinantes sociais da educação, a compreensão do grau em que as contradições da sociedade marcam a educação e, consequentemente, como o educador deve posicionar-se diante dessas contradições e desenredar a educação das visões ambíguas, para perceber claramente qual é a direção que cabe imprimir à questão educacional. Aí está o sentido fundamental do que chamamos de pedagogia histórico-crítica.” (SAVIANI, 2013b, p. 86)

defronta.” (SAVIANI, 2014, p.49) e estabelece uma importante relação, semelhante à indicada por nós no Capítulo 2 na análise do pôr teleológico no trabalho, entre valores e dever-ser, que na educação se dá na relação entre valores e os objetivos da educação:

Ao indicar aquilo que deve ser, os valores colocam-nos diante do problema dos objetivos. Com efeito, um objetivo é exatamente aquilo que ainda não foi alcançado. A partir da valoração é possível definir objetivos para a educação. Considerando-se que a educação visa à promoção do homem, são as necessidades humanas que irão determinar os objetivos educacionais. E essas necessidades devem ser consideradas em concreto, pois a ação educativa será sempre desenvolvida num contexto educacional concreto. (SAVIANI, 2014, p. 55)

Desta forma, não se pode afirmar que Saviani ignora o papel dos valores na educação. Neste texto há alguns elementos sobre valores, ainda que muito breves, que poderiam ser melhor explorados e desenvolvidos pela elaboração coletiva da pedagogia histórico-crítica, já que na prática social o conhecimento sempre comparece em unidade com determinados valores.

Além desse texto, há outras duas discussões na obra de Saviani que remetem a este problema. Implicitamente ela comparece no texto “Competência política e compromisso técnico (o pomo da discórdia e o fruto proibido)” (SAVIANI, 2013b), no qual se discute, no fundo, o domínio do conhecimento e a vinculação valorativa e ideológica do ensino, ou seja, é a mesma discussão, mas carente de pressupostos ontológicos que indiquem a especificidade de ambos. Outra importante indicação que potencialmente traria à discussão pedagógica o papel dos valores consta no livro “Escola e democracia” (SAVIANI, 2008), notadamente na discussão dos “passos”, que são bastante discutidos no que se refere à didática. Não nos interessa aqui os limites metodológicos que são bastante discutidos acerca do caráter etapista ou não dessa proposta, se os passos seriam lineares, sequenciais ou não. O que importa aqui é que o primeiro e o último passo propostos por Saviani tem por referencial a prática social:

O ponto de partida seria a prática social (primeiro passo), que é comum a professor e alunos. Entretanto, em relação a essa prática comum, o professor assim como os alunos podem se posicionar diferentemente enquanto agentes sociais diferenciados. E do ponto de vista pedagógico há uma diferença essencial que não pode ser perdida de vista: o professor, de um lado, e os alunos, de outro, encontram-se em níveis diferentes de compreensão (conhecimento e experiência) da prática social. (SAVIANI, 2008, p. 56, grifos originais)

A questão de ter a prática social como ponto de partida da atividade educativa e de que educadores e educandos podem “se posicionar” de modo diferente abriria caminho para discussão da questão do encaminhamento valorativo do conhecimento. Mas, como vimos, logo em seguida o que entre em pauta é a diferença no domínio de conhecimento entre professor e alunos, sendo que o primeiro tem uma “compreensão sintética”, elaborada, sistemática do mundo. Está correto, porém não avança na questão de que uma compreensão científica do mundo sempre socializa determinados valores sobre ele, o que não entra em questão neste texto de modo aprofundado. Sobre o quinto e último passo, Saviani afirma:

O ponto de chegada é a própria prática social, compreendida agora não mais em termos sincréticos pelos alunos. Neste ponto, ao mesmo tempo que os alunos ascendem ao nível sintético em que, por suposto, já se encontrava o professor no ponto de partida, reduz-se a precariedade da síntese do professor, cuja compreensão se torna mais e mais orgânica. (SAVIANI, 2008, p. 58)

Mais uma vez, a questão da vinculação com a prática social real se esgota no domínio do conhecimento sobre ela, e não se trata das posições valorativas e ideológicas por meio das quais se encaminha esse conhecimento. A questão dos valores sociais que são parte fundamental de toda realidade sócio-histórica e toda atividade educativa mais uma vez acaba subjacente e oculta pelo tratamento do acesso ao conhecimento sistematizado, de forma que temos que inferir dele qual seria o papel dos valores a partir deste ponto de vista didático.

No movimento das ideias dentro do debate pedagógico outros elementos de sua obra parecem ter se tornado dominantes, esgotando a análise em uma estreita disputa com outras teorias, notadamente o escolanovismo, e particularmente o construtivismo. Certamente a defesa abstrata e epistemologizante do conhecimento científico é uma delas, e o academicismo vigente, que parece se esgotar nas disputas entre teorias na busca por legitimação acadêmica no interior da universidade, tem contribuído bastante para isso. Na medida em que o conhecimento científico é cada vez mais desprezado pelas teorias liberais, escolanovistas, a pedagogia crítica se empenha por defendê-lo, respondendo assim a uma demanda histórica legítima. Porém, nesse movimento o conhecimento parece adquirir uma autonomia completa diante dos valores, o que acaba por desvincular a unidade conhecimentos e valores, ignorando a especificidade da práxis humana, na qual o conhecimento é sempre valorado e encaminhado em determinada direção definida valorativamente.

A crítica de Lukács ao epistemologismo, contra a qual ele afirma a perspectiva ontológica, é fundamentalmente uma crítica às teorias que se autorregulam em críticas

recíprocas, também chamada de “paradigmas explicativos”, para as quais a realidade objetiva, a práxis histórica, acaba secundarizada em função de um critério de verdade teoricista, cuja referência principal não é mais a realidade em movimento, mas outras posições teóricas. Essa questão é central para problematizarmos até que ponto a teoria pedagógica crítica no Brasil não incorre em um teoricismo, notadamente em função de um modus operandi essencialmente academicista, na qual a performance de cada pesquisador depende de sua capacidade de criticar os pressupostos de seus opositores, de modo que o referencial objetivo da realidade histórica acaba secundarizado. Esse teoricismo se torna particularmente problemático dentro da perspectiva crítica, na medida em que o que acaba por se secundarizar são as questões essenciais da realidade de um país latinoamericano, periférico e dependente. Nildo Ouriques, vinculado ao Instituto de Estudos Latino-americanos (IELA), em sua crítica às referências eurocêntricas do academicismo brasileiro, aponta na obra “O colapso do figurino francês” (2017) que:

O academicismo é profundamente anti-intelectual, colonizante, eurocêntrico. Ainda que esnobe, não faz menos do que simular produção intelectual; é esterilizante e inútil do ponto de vista das maiorias, das necessidades sociais e nacionais num país dependente. Ainda que estimulado pelos centros metropolitanos, o academicismo é intolerável nas universidades, que aqui são considerados como modelo de centros de ensino e pesquisa (“centros de excelência” no jargão ideológico), pois nos países centrais estão a serviço do interesse nacional e da expansão imperialista. Nos países dependentes, ao contrário, funcionam como mera simulação intelectual, ou seja, como academicismo nocivo que merece denúncia e combate. (OURIQUES, 2017, p. 15)

Assim, é preciso questionar até que ponto o teoricismo academicista não nos induz a prescindir da realidade histórica dos trabalhadores em nome de abstratas referências eurocêntricas, que em geral vêm alinhadas a um colonizante figurino francês, (inglês, alemão, estadunidense) que acaba por silenciar a produção teórica de viés crítico próprio da América Latina. Trata-se, à partida, de uma indicação importante para se considerar o lócus da produção da teoria pedagógica crítica no Brasil.

A pedagogia histórico-crítica nasce na esfera da pós-graduação da síntese crítica de Saviani às pedagogias tradicional e nova, como pedagogias idealistas por um lado, e por outro lado ao crítico- reprodutivismo como teorias fatalistas sobre a educação. Nesse movimento se tornou muito forte o significado da “teoria da curvatura da vara”, que - como toda metáfora que se utiliza da natureza para tratar de questões sociais - tem desdobramentos que podem se tornar problemáticos, notadamente em função de uma leitura lógico-formal. A

metáfora da curvatura da vara, por vezes chamada de “teoria” da curvatura da vara, de “técnica” e até mesmo de “método”, tem o seguinte sentido no contexto da gênese da pedagogia histórico-crítica:

Partindo do pressuposto de que a plateia era predominantemente escolanovista, utilizei a metáfora de Lênin, da curvatura da vara, forçando a argumentação para o outro lado, o da defesa da Escola Tradicional. Deixava claro, todavia, que isso não queria dizer que a Escola tradicional estava certa. Eu estava apenas aplicando a técnica da curvatura da vara, ou seja, para endireita-la não basta colocá-la na posição correta, é preciso curvá-la do lado oposto. (SAVIANI, 2013b, p. 64)

A ideia fundamental é de que o núcleo de ideias que se quer combater, neste caso a crítica banalizada da escola nova à escola tradicional, é tensionado ao polo oposto, a defesa de elementos importantes da escola tradicional, que parecia totalmente relativizada. É evidente que a elaboração de Saviani se serve de fartos elementos históricos para situar essa disputa - o contexto de industrialização iniciado na década de 1930, o Manifesto dos Pioneiros, o papel da Igreja católica, etc. - no entanto, para além de seu texto, a metáfora da vara curvada tem se tornado tão usual entre os educadores que tem condenado significativamente o debate a uma lógica epistemologicista, de disputa interna entre teorias, na qual a posição assumida acaba por se reduzir a o contrário daquilo que se quer combater. Não por acaso, como o próprio Saviani admite, o resultado efetivo do uso da “metáfora” como “método” teve resultado diverso do esperado:

Nesse artigo, tentava mostrar como se configuraria uma proposta que não fosse nem tradicional nem escolanovista. Porém, como a crítica inicial foi muito contundente, de alguma forma marcou a mente das pessoas, e às vezes sou mais identificado como antiescolanovista do que propriamente como um educador crítico, que tenta fundar o trabalho pedagógico na base da perspectiva histórica. (SAVIANI, 2013b, p. 64)

Assim, no movimento das disputas teóricas, a metáfora da curvatura da vara acaba se impondo como método, e na medida em que o conhecimento sistematizado e a importância dos conteúdos são relativizados pelo escolanovismo, se curva a vara ao polo oposto e acaba se reificando a ênfase nos conteúdos, de tal forma que se chega a admitir, em nosso contexto marcado pelo predomínio de treinamentos para o vestibular, que a acusação de “conteudismo” seria, na verdade, um elogio. Nesse movimento, a questão dos valores - que marcam esses conteúdos desde sua produção na pesquisa científica, até sua socialização na atividade educativa – acaba por não ser objeto de preocupação sistemática no pensamento pedagógico

brasileiro crítico, configurando assim o centralismo do conhecimento. Quando se trata da importância do conhecimento, este aparece, ou desprovido de valores ou se supõe que sua articulação a valores progressistas é auto evidente, óbvia.

Não se trata apenas do fato de que é preciso afirmar a importância de certos valores progressistas, mas antes, de indicar a própria especificidade ontológica da atividade educativa, isto é, de constatar que a produção e a socialização de conhecimentos sempre carrega determinados valores, que encaminham os conteúdos em determinada direção na prática social. Não tratar dessa questão, permanente na atuação prática de qualquer educador, é efetivamente uma lacuna que parece reforçada pela lógica de esgotar a bandeira da pedagogia crítica na defesa do conhecimento e dos conteúdos, que é a lógica da curvatura da vara. Importa, portanto, problematizar o ranço lógico-formal que parece acompanhá-la se atentando para a especificidade do agir teleológico do ser social e para o estado de coisas real da educação dos trabalhadores nesta sociedade. Este estado de coisas se caracteriza por uma formação definida em função das demandas e dos valores do mercado, marcada por uma disciplinarização esvaziada, em condições precárias de estudo e ensino, com vistas ao treinamento, que tem por horizonte mecanismos de avaliação escolar também vazios de significado, senão para agências financiadoras, não raro estrangeiras.

Essa defesa vigorosa do conhecimento e dos conteúdos se fundamenta na necessidade objetiva e autêntica de que os filhos da classe trabalhadora tenham acesso ao conhecimento para que possam “dominar o que os dominadores dominam”. Possibilitar que os “dominados dominem o que os dominadores dominam” é, assim como a metáfora da curvatura da vara, outra pedra angular dos pesquisadores envolvidos com a elaboração coletiva da pedagogia histórico-crítica, e se baseia na elaboração fundante de Dermeval Saviani:

Os conteúdos são fundamentais e sem conteúdos relevantes, conteúdos significativos, a aprendizagem deixa de existir, ela transforma-se num arremedo, ela transforma-se numa farsa. Parece- me, pois, fundamental que se entenda isso e que, no interior da escola, nós atuemos segundo essa máxima: a prioridade de conteúdos, que é a única forma de lutar contra a farsa do ensino. Por que esses conteúdos são prioritários? Justamente porque o domínio da cultura constitui instrumento indispensável para a participação política das massas. Se os membros das camadas populares não dominam os conteúdos culturais, eles não podem fazer valer os seus interesses, porque ficam desarmados contra os dominadores, que se servem exatamente desses conteúdos culturais para legitimar e consolidar sua dominação. Eu costumo, às vezes, enunciar isso da seguinte forma: o dominado não se liberta se ele não vier a dominar aquilo que os dominantes dominam. Então, dominar o

que os dominantes dominam é condição de libertação. (SAVIANI, 2008, p. 45)

Essa perspectiva é o núcleo fundamental de sua elaboração e não se pode negar que se trata de uma necessidade concreta da classe trabalhadora tanto brasileira, quanto latina e mundial. Apreender com profundidade os conhecimentos sobre a realidade natural e social é imprescindível para compreender o caráter das relações sociais em todos os complexos sociais, isto é, tendo em vista a totalidade social. Não por acaso, desde Marx e Engels as armas da crítica são reivindicadas como condição de atuação no mundo, embora não condição absoluta, pois como nos mostra a história, em condições objetivas de contradição aguda, a crítica das armas fez de analfabetos, revolucionários. Assim, cabe confrontar a consígnia “o dominado não se liberta se ele não vier a dominar aquilo que os dominantes dominam” com a função real que a educação cumpre hoje e o modus operandi histórico das relações sociais capitalistas, notadamente nos países periféricos. É sobejamente demonstrado, mesmo à observação empírica, que no processo de reprodução do capitalismo a universalização da educação é, fundamentalmente, uma necessidade para a formação para o trabalho assalariado. Nesse sentido, de modo geral a família trabalhadora vê na escola uma necessidade para que seus filhos tenham melhores condições de vida, consigam uma melhor inserção no mundo do trabalho assalariado, e para tanto, é preciso dominar o que os dominadores dominam. Garantida a vigência da contradição, dominar o que os dominadores dominam pode servir tanto para a resistência, para o que Saviani chama de libertação, como para a subordinação, para a manutenção e reprodução do mesmo estado de coisas. No entanto, o acesso àquilo que os dominadores dominam aparece, no contexto da defesa do conhecimento sistematizado, como condição de libertação, na medida em que se contrapõe ao outro lado da vara, o relativismo que acaba por defender o esvaziamento do conhecimento e de sua sistematização. Assim, a possibilidade de que o acesso ao conhecimento, àquilo que os dominadores dominam, seja articulado a valores conservadores de modo a garantir apenas melhores condições de inserção individual no mercado de trabalho não tem sido considerada de maneira significativa no movimento das ideias pedagógicas críticas.

É muito comum que no tratamento dessa questão se faça referência a Adam Smith e sua metáfora de que a educação dos trabalhadores deva se realizar em “doses homeopáticas”, e com ela se levanta a questão de que o capitalismo não pode garantir com segurança que os trabalhadores não tenham acesso amplo ao conhecimento, isto é, o capitalismo não pode garantir que os trabalhadores tenham acesso a mais conhecimento do

que é necessário apenas para produzir mais-valor. De fato, é real a possibilidade de que o conta-gotas da educação burguesa acabe propiciando às classes subalternas mais conhecimento do que a burguesia gostaria, e é também diante dessa possibilidade que se situa a defesa do acesso ao conhecimento que o dominador domina. É diante desse cenário que se curva a vara para a defesa de “quanto mais conhecimento melhor”, isto é, para a necessidade do acesso ao conhecimento “mais elaborado e mais desenvolvido”, sem, no entanto, enfrentar a questão do encaminhamento valorativo e ideológico desses conhecimentos pelas atividades