• Nenhum resultado encontrado

para a obra da Pena em Sintra

6. A Pena como modelo

Quando se fala de Sintra e do seu «Glorious Eden», não é possível, hoje, esquecer o caso da Pena como paradigma do romantismo nacional.

Barbara Borngässer afi rma que «[e]l edifi cio más emblemático del siglo XIX en Sintra es, sin embargo, el Palacio da Pena, que Fernando de Sajonia- -Coburgo encargó al arquitecto y naturalista barón Wilhem von Eschwege en 1839. Representó, un intento, aunque no el primero, de unir estilos de distintas épocas y países»27. Certamente, por isso, Peggy Guggenheim, quando visita Sintra em 1941, escreve nas suas memórias que «we often went to Cintra, a Wonderful palace built high up on a hill and surrounded by incredible boulders, which looked as if they had been brought there on purpose. The gardens had tropical fl owers and trees of every description. The castle itself was more like a dream than a reality. It had a Surrealist quality, as it was all covered with fantastic sculptures. Apart from this it had terraces and ramparts like Elsinore. Hamlet’s ghost might well have walked there and felt quite at home».28

A grande coleccionadora intuiu o espírito do lugar e não foi por acaso que relacionou o romantismo com o surrealismo, já que este movimento artístico do Século XX deve muito da sua agitação e inspiração ao movimento de oitocentos.

José-Augusto França diz que «Sintra, com a Pena ao princípio, deve ser considerada uma espécie de agente catalisador do ramo exótico do gosto romântico, com as suas propostas góticas, manuelinas e orientais — e foi a partir de lá que puderam desenvolver-se certos programas lisboetas.»29 Não

27 AAVV, 2000. Neoclasicismo y romanticismo, arquitectura, pintura, escultura, dibujo, 1750-

-1848. Colónia, 144.

28 Peggy Guggenheim, 1979. Out of This Century. Londres, 244. 29 José-Augusto França, op. cit., p. 380.

foi só em Lisboa que se criou alguma descendência (como quase sempre e neste caso o é) mais pobre e sem o rasgo genial do que se vê na serra de Sintra, mas também por outras regiões do país.30

É neste sentido que se torna da maior relevância referir o caso da casa Morozov, em Moscovo, como modelo cuja infl uência é atribuída ao Palácio da Pena, o que até hoje não foi referido por estudiosos nacionais sobre a temática envolvida neste trabalho.

Para Oleg Pavlov31, a Casa Morosov, localizada no n.° 16 da Rua Vozd- vizhenka, em Moscovo, deve-se ao impacto que o Castelo da Pena teve, aquando da viagem de Arseniy Morosov a Portugal e Espanha, em 1897, acompanhado do arquitecto Victor Mazyrine.

Segundo Oleg Pavlov, «V. A. Morozova était la fille d‘Aleksis Khloudov, grand industriel, propriétaire d’une fabrique de coton à Yégorievsk, également célèbre grâce à ses collections de manuscrits moyenâgeux et de livres. Mariée à un représentant de la dynastie des industriels Morozov, Abram Morosov, elle devenait Ia copropriétaire de la manufacture de Tver, une des plus grandes en Russie. Après la mort de son père et de son mari (les deux décédés en 1882) elle est devenue maîtresse d’une fortune fabuleuse.»

A senhora Morozova registou, em 1897, o terreno da rua Vozdvizhenka em nome de seu fi lho mais novo, Arseniy Morosov. Vai ser com a visita a Portugal e Espanha que, acompanhado pelo seu arquitecto, Arsenii Morozov fi ca fascinado pela arquitectura árabe, o que fará com que os projectos para a sua casa de Moscovo venham a ser completamente alterados.

Oleg Pavlov acrescenta que «[l]a façade de l’hôtel rue Vozdvijenka est la copie de la partie centrale du château de Sintra, près de Lisbonne. Elle a été exécutée à l’ainsi dit style ‘espagnol-mauritanien’, dans l’esprit de l’architecture portugaise «manuelino». De là viennent les détailes pittoresques du décor — des coquillages, des amarres des navires, etc. Ce qui manque — ce sont les vignes grimpantes — la décoration traditionnelle des châteaux portugais; or, le climat moscovite leur est interdit. Mazirine s’est tiré de la situation, en décorant un des murs des vignes en pierre, que nous voyons à présent sur la rotonde Est de l’édifi ce.»

Olhando para a fachada principal da casa, vemos que a escadaria da porta principal da habitação inscreve-se em estrutura que reinterpreta o arco das

30 Regina Anacleto, 1997. Arquitectura neomedieval portuguesa - 1780-1924. Lisboa, Fun- dação Calouste Gulbenkian.

31 Texto dactilografado, que me foi enviado pelo embaixador de Portugal em Moscovo, José Manuel Villas-Boas, em 1996.

colunas torças da fachada Sul do Palácio da Pena, suportando igualmente um balcão, mas com outro tipo de decoração. É notório o fascínio pela diferente tipologia das janelas do «palácio novo», havendo, no primeiro piso, a tentativa de evocar o movimento do terraço da Rainha no corpo da direita. Deve-se referir que a janela central que dá para o balcão da varanda repensa os arcos do claustro de Alcobaça. O rendilhado da banda superior e remate recriam o receituário de outros elementos. No todo, o châteaux Morozov interpreta e reinventa o modelo da Pena, mas num contexto urbano, sem haver, aí, qualquer ligação à fi losofi a proposta pelo monumento português e com uma dimensionalidade limitada ao terreno disponível. A decoração de interiores presente não tem semelhança com o intimismo criado na Pena, se bem que, como O. Pavlov diz, cada dependência seja decorada em estilos diferentes.

Interessante é referir ainda que, em todas as publicações turísticas de Moscovo, a Casa Morozov seja referida como residência privada dos fi nais do Século XIX, considerada a mais célebre e mais bizarra.32

Até onde nos leva o património, poder-se-á demandar, tendo presente como a judia e multimilionária Peggy Guggenheim interpretou a Pena quando, por volta de 1940, nos visitou acompanhada do seu marido, daquela altura, o pintor Max Ernst. Por outro lado, como chegou até à capital moscovita, nos fi nais de oitocentos, o modelo da Pena, reinterpretado pelo arquitecto do magnata Morozov, que se havia fascinado com aquele tipo de gosto? Nem a americana nem, tão pouco, o russo, tiveram, por certo, a consciência de quem fora o príncipe germânico a quem se fi cou a dever os fascínios e os mistérios da Pena, mas o diferente ou inédito fascinou-os, ao ponto de darem, de formas diferentes, testemunho disso.

José Manuel Martins Carneiro

Julho de 2014

32 Consulte-se, a título de exemplo, Eduard Zhigailov, Moscow 850, Komsornolskaya Pravda, Publishing House, Moscow, 1996.

Fig. 1

Projecto do Palácio Acastellado da Pena, tinta-da-china e aguada cinzenta sobre papel, Col. PNP.

Fig. 2

Fig. 3

Schloss Babelsberg, projecto de Karl Friedrich Schinkel, 1833.

Fig. 4

Schloss Stolzenfels, projecto de Karl Friedrich Schinkel. Vista geral e alçado Nascente.

Fig.5.2

Bow-window do Palácio de Babelsberg. Proposta inicial para o Palácio da Pena. A janela do Tritão, resultado fi nal.

Fig. 5.1

Torreão de Babelsberg. Projecto inicial para o Torreão da Pena. Torreão do Palácio da Pena, resultado fi nal da obra.

Fig. 6

Palácio da Pena, fase fi nal de construção. Tisseron, Col. Biblioteca da Ajuda.

Referências Bibliográfi cas

AAVV. 1831. Memórias da Academia Real das Sciencias de Lisboa. Lisboa. Typographia da Academia Real das Sciencias.

AAVV. 2000. Neoclasicismo y romanticismo, arquitectura, pintura, escultura, dibujo, 1750-

-1848. Colónia. Kömemann.

Anacleto, Regina. 1997. Arquitectura neomedieval portuguesa - 1780-1924. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian.

Bornheim, Werner. 1999. Stolzenfels Castle. Mainz, Landesant für Denkmalpfl ege, Burgen, Schlösser, Altertümer.

Carneiro, José Manuel Martins. 1985. “O Erguer de um ideal. O Ideal romântico”, in D. Fer-

nando de Saxe-Coburgo Gotha, comemorações do 1.° centenário da morte do rei-artista.

Sintra, Palácio Nacional da Pena.

Ehrhardt, Marion. 1985. D. Fernando II, um mecenas alemão regente de Portugal. Porto, Paisagem.

Eschwege, Barão de. 1826. Relatório abreviado sobre o estado actual da administração das

minas de Portugal (...). Lisboa, Typographia Carvalho.

Eschwege, Barão de. 1837. Portugal. Ein Staats - und Sittenge Malde. Hamburgo, Hoffmann und Campe.

Eschwege, Barão de. 1838. Memória sobre a história moderna da administração das minas

em Portugal, Lisboa, Typographia da Academia Real das Sciencias.

Fernando II. 1836. Caderno de desenho do D. Fernando II, PNP, Inv.° n.° 394, Folha n° 17. França, José-Augusto. 1981. A arte em Portugal no Século XIX, vol. I. Lisboa, Livraria Bertrand. Guggenheim, Reggy. 1979. Out of this century. Londres

Lima, Constança Moreira Rato Azevedo. 1998. Os livros de ponto da real obra da Pena 1839-

1855. Sintra, Palácio Nacional da Pena. Não publicado.

Orey, Fernando d’. 1988. “O Barão de Eschwege, autor do primeiro estudo geológico da serra de Sintra”, in Romantismo - Figuras e factos da época de D. Fernando II. Sintra, Instituto de Sintra. Rio-Carvalho, Manuel. 1972. “O Castelo da Pena’’, in Palácios Portugueses. Lisboa, SEJT. Sousa,Tude de. 1851. Mosteiro, palácio e parque da Pena na serra de Sintra, Sintra, Sintra-

-Gráfi ca.

Streidt, Gert, Klaus Frahm. 1996, Postdam – Die Schlösser und Gärten der Hohenzollern. Colónia, Könemann.

VILLAS-BOAS, José Manuel . 1996. Texto dactilografado, pessoalmente cedido por embaixador de

Portugal em Moscovo, José Manuel Villas-Boas. Não publicado.

de List e sua recepção