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As três frentes do projecto: palácio, parque e castelo dos mouros

para a obra da Pena em Sintra

5. As três frentes do projecto: palácio, parque e castelo dos mouros

A construção do túnel de acesso ao Palácio iniciou-se em 1840, com a casa do túnel, o fosso à entrada do túnel, o arco da ponte, torre de reforço e casa redonda. Igualmente se constrói um curro, a cavalariça, a casa de jardineiro.18

No Parque, surge a informação que em Janeiro de 1840 executaram-se plantações que continuaram nos anos seguintes. De 1841 a 1844, desen- volveu-se o plantio de canas; em 1842 e 1843, o buxo; pinhal, de 1844 a 1846; as plantações no jardim novo deram-se em 1848, sendo, também, nesse ano que avançou o jardim inglês.19

Quanto ao Castelo dos Mouros, o primeiro registo surge em Maio de 1841, continuando os restauros em Novembro. Mais concertos das paredes realizam-se em Abril e Maio de 1843, tendo-se intensifi cado os restantes trabalhos, de 1844 a 1846.20

Se realizarmos o estudo comparativo relativamente ao chamado «Palácio Novo», encontramos, do mesmo modo, dados curiosos nos Livros de ponto

da real obra da Pena.

Nas folhas referentes aos anos de 1845 e 1846, informa-se quanto às novas frentes de obra. Assim, são construídos os pórticos laterais da porta nova que corresponde à «porta» do Arco do Tritão. Em 1849, a frente de trabalho concentra-se no palácio novo e no palheiro da cavalariça, conti- nuando as obras no palácio novo até 1854.

18 Constança Moreira Rato Azevedo Lima, op. cit., p. 7-8. 19 Idem, p. 1-12.

No Parque, o ano de 1846 foi dedicado a limpezas várias: limpar os castanheiros, limpar o viveiro; de 1848 a 1852, há inúmeras referências aos pinhais: Desbastar os Pinhais; e em 49 refere-se limpar o pinhal manso. Por seu turno, em 1844/1845 constrói-se um tanque nos sete pinheiros e há trabalhos na lagoa grande; o segundo e o terceiro tanque são asfaltados. Realiza-se, em 1847/1848, um trabalho notável integrado no programa do espaço verde, prosseguindo as obras na Lagoa Grande, concretamente a construção de paredes da ilha e trabalho de asfalto. Por outro lado, nesta altura, intensifi ca-se e desenvolve-se a rede de caminhos no Parque, desen- volvendo-se a asfaltagem até 1854. As Plantações no Jardim Novo do Castelo ocorrem durante os três primeiros meses de 1848, já que em 1847 se deram por fi ndos todos os trabalhos relacionados com paredes no Castelo.

Tem-se questionado a existência de mais projectos para o Palácio. José- -Augusto França afi rma que «Eschwege começou por traçar um plano coe- rente dentro dum estilo neogótico [...] mas D. Fernando queria “outra coisa”, menos programática, mais aberta à fantasia, capaz de assimilar os restos renascentistas do velho mosteiro e de se inspirar em mais variadas fontes».21 Marion Ehrhardt defende que D. Fernando «recusou os primeiros planos de erigir em cima do convento um castelo em estilo neogótico, mais em har- monia com a história e a natureza do sítio, donde outrora D. Manuel tinha espreitado a frota de Vasco da Gama no regresso da Índia».22 Consentânea com estas opiniões é a de Rio-Carvalho, quando escreveu que «[a] profunda sensibilidade de D. Fernando reprovou este projecto, e foi neste ponto que ele se revelou um artista com uma intuição extraordinária, que compreendeu Sintra, a magia da serra e todo um passado artístico português. Não era um castelo das regiões dos Lagos ou da Escócia que poderia coroar a serra de Sintra, teria de ser um castelo-palácio que se integrasse no ambiente, que se conjugasse com as ruínas quinhentistas e que fosse profundamente português».23 Todavia, Regina Anacleto apresenta outra opinião quando afi rma: “É bem provável que esta posição não seja consentânea com a rea- lidade e o que aconteceu, na verdade, resume-se, apenas e só, à existência de modifi cações pontuais e de carácter decorativo, executadas sobre esses mesmos planos, porque, formalmente, a sua estrutura permanece».24 (Fig. 6)

21 José-Augusto França, op.cit., p. 299.

22 Marion Ehrhardt, 1985. D. Fernando II, Um Mecenas Alemão Regente de Portugal. Porto, Paisagem, p. 17.

23 Manuel Rio-Carvalho, 1972. “O Castelo da Pena’’, in Palácios Portugueses. Lisboa, SEJT. 24 Regina Anacleto, op. cit., p. 78.

Quando se comemorou o centenário da morte de D. Fernando II, em 1985, afi rmei em texto do catálogo da exposição levada a cabo no Palácio da Pena que «não me parece correcto que se fale em dois ou mais projectos. O projecto inicial, a meu ver, o único, foi sofrendo inúmeras alterações à medida que se ia erguendo no topo da serra de Sintra».25

Na verdade, a qualidade dos desenhos e, sobretudo, a estrutura volu- métrica do edifício, sua inserção no terreno e desenvolvimento orgânico não sofreram qualquer alteração se seguirmos, atentamente, quer alçados quer plantas. O que se verifi cou, e aí D. Fernando foi genial, foi a introdu- ção de nova gramática decorativa integrada num programa maior e mais vasto, já que necessita dos jardins do Parque e do Castelo para uma possível leitura total. A ligação perfeita entre imaginação e cultura fernandina com elementos concretos da História de Portugal contribuiu para uma apresen- tação invulgar de um único exemplar nacional de palácio romântico. Se ao Barão von Eschwege devemos o saber técnico expresso na construção civil, ao príncipe de Coburgo teremos de elogiar a genialidade, fruto de uma cul- tura muito sólida e de um gosto requintadíssimo. Não é de estranhar, por isso, que os seus contemporâneos não tenham compreendido ou, melhor dizendo, não tenham tido capacidade para, nessa altura, compreender tão extraordinária obra.

A administração directa dos trabalhos e a infl uência do monarca no efectivo avanço da obra determinaram a rápida leitura do edifício, criando-se uma invulgarmente feliz articulação entre a antiga construção conventual e a nova ala, designada na época por «Palácio Novo».

«...o rei, que vinha fazer longas estadas ao palácio da vila, para contactar directamente com a obra, examinar, criticar e fazer emendar os desenhos — ou emendá-los ele próprio.»26

O inédito da construção, a assimetria construtivística, a movimentação volumétrica dão ao conjunto edifi cado uma novidade e um ineditismo a que, entre nós, há muito não se estava habituado. O desconhecimento dos modelos inspiradores e a tecnologia de engenharia usada deram à Pena as qualidades que fi zeram dela o nosso ex-libris romântico.

Falar-se em pastiche ou em amontoado de estilos sem sentido é opinião de ignorante desconhecedor das linhas mestras do novo movimento artís-

25 José Manuel Martins Carneiro, 1985. “O Erguer de um ideal. O Ideal romântico”, in D. Fer-

nando de Saxe-Coburgo Gotha, Comemorações do 1.° centenário da morte do rei-artista.

Sintra, Palácio Nacional da Pena, p. 10. 26 José-Augusto França, op. cit., p. 300.

tico e da inteligente correlação com os valores culturais da história do povo português que, desde muito cedo, esteve ligado a um cosmopolitismo e a uma miscigenação artística signifi cativa.

Por isso, a arquitectura revivalista que ali se encontra parece constituir um compromisso entre três linhas estilísticas: o neogótico germânico; a inter- pretação conjuntural do manuelino; e a introdução de constantes elementos orientalizantes. Todas elas sinalizavam, em suma, a gesta dos Descobrimen- tos, mediante a sua tradução romântica oitocentista.