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As infl uências e os contributos germânicos

para a obra da Pena em Sintra

3. As infl uências e os contributos germânicos

Sobre os projectos para o Palácio, escreveu França que «Eschwege come- çou por traçar um plano coerente dentro dum estilo neogótico, que em 36 se ofi cializara em Inglaterra, com a encomenda do novo Parlamento — mas D. Fernando queria “outra coisa” menos programática, mais aberta à fantasia, capaz de assimilar os restos renascentistas do velho mosteiro e de se inspirar em mais variadas fontes».8

É por isso que, na década de 40, o mecenas promove a viagem do Barão num périplo com programação de grand-tour romântico, na óptica do próprio príncipe. Essa viagem levou Eschwege a Inglaterra, França e Berlim, tendo regressado pelo Magreb (Argélia, Córdova, Sevilha e, muito provavelmente, Granada).

As ruínas do conventinho exigiam um tratamento cuidado, segundo um critério de construção e restauro, uma postura nova entre nós, já que praticamente grande parte do património nacional foi D. Fernando encontrar arruinada, delapidada, não havendo, entre nós, para além de uns happy

fews, quem pensasse em defendê-lo e valorizá-lo.

Esta postura, neste objecto de trabalho, deve ser considerada, antes de mais, um programa de ensino pedagógico do próprio Rei-Artista, em relação à forma corno se deve valorizar o arruinado e enriquecê-lo sempre que possível.

Na Pena tudo era propício. Passa-se do conventinho em ruínas para um espaço habitacional para se pernoitar. As celas dão lugar a dependên- cias cujas pequenas dimensões vão convidar a um futuro intimismo duma aristocracia que se vai aburguesando. A urgência de novos aposentos para transformar o espaço em agradável residência de veraneio vai exigir uma

nova edifi cação, mas, contrariamente à construção monástica, prefere-se a contemporaneidade. É neste contexto que o Barão é obrigado a viajar para se actualizar quanto às novas linguagens formais da arquitectura e quanto à respectiva decoratividade espacial.

D. Fernando, ao promover esta viagem, sabia das limitações de Eschwege. Este dominava bem a construção civil de túneis, contrafortes, abobadados, pela sua formação geológica, mas as volumetrias exteriores e o vocabulário decorativo parietal escapavam-lhe. (Fig.1)

Para a Pena, o mecenas queria o melhor, o mais actual, mas que viesse a ser, talvez, o evocar de uma nova epopeia, aos olhos de uma sensibi- lidade profundamente romântica. Daí que os elementos orientalizantes, árabes e indianos teriam de estar presentes, como um novo «Venturoso» da contemporaneidade. A reabilitação do conventinho jerónimo e do cas- telo mouro eram insufi cientes para o projecto idealizado: a Pena teria de representar a peregrinação exterior e interior do cruzado pelo património. Nas Necessidades, D. Fernando de Coburgo estava limitado pelo espaço e pela arquitectura edifi cada já existente. Aqui, o espaço era sufi ciente para erguer o sonho. (Fig.2)

José-Augusto França refere que na viagem do Barão von Eschwege à Alemanha, este «esteve convidado pelo rei prussiano e admirou trabalhos de Schinkel, falecido poucos anos antes».9 Eschwege visitou, certamente, os três palácios que Frederico-Guilherme mandou construir para os seus três fi lhos na vasta paisagem de Potsdam.

Le règne de Frédéric-Guillaume III correspond aussi à la seconde grande phase de travaux de Potsdam. Le monarque autorisa en effet ses enfants, le futur roi Frédéric- Guillaume IV, son autre fi ls, Guillaume, qui sera le premier empereur allemand de la lignée des Hohenzollern, et Carl à se faire bâtir des résidences d’été à Potsdam même ou aux alentours. C’est ainsi que se sont créés les domaines de Charlottenhof, de Glienicke et de Babelsberg, et bien d’autres édifi ces encore qui ont marqué de leur empreinte le paysage environnant.10

Vão ser construídos os palácios de Glienicke, Charlottenhof e de Babel- sberg, cada um com os seus jardins paisagistas, estando todos os espaços mobilados com lagos, rede de caminhos, pavilhões, templos, fontes, escultu- ras, construções de apoio, num todo de perfeito casamento entre arquitectura e natureza. Schinkel e Lenné encontraram em Potsdam condições ideais

9 Ibidem.

10 Gert Streidt, Klaus Frahm, 1996. Postdam – Die Schlösser und Gärten der Hohenzollern. Köln, Könemann, p. 300..

para erguer as suas ideias. A cidade encontrava-se anichada na paisagem de lagos formados pelo rio Havel, contribuindo para um trabalho de equipa entre arquitecto e paisagista.

É do maior interesse vermos como o futuro Frederico-Guilherme IV dizia a Lenné as suas intenções:

Le duc de Dessau a fait de sa terre un grand jardin. La mienne est trop vaste pour que je fasse de même. Mais petit à petit je pourrais transformer des alentours de Berlin et de Potsdam en un grand jardin. Peut-être ai-je encore vingt ans à vivre, un laps de temps suffi sant pour réussir quelque chose. Ebauchez-moi un plan en considération des mots que je viens de prononcer devant vous.11

Também, e tendo em conta as respectivas proporções, o nosso príncipe vivenciou as transformações paisagistas realizadas em Coburgo e, sobretudo, no tão querido Rosenau, onde um magnífi co parque paisagista foi criado para deleite da família.

Na verdade, o plano de embelezamento de Potsdam, que data de 1833, revela a vastidão de um projecto que, à escala de Sintra, Fernando de Coburgo levou também a cabo.

Quanto aos três palácios, devemos deter-nos no de Babelsberg, pois será esta construção e seu conjunto paisagista que irão interessar para a Pena, ligados, também, à reabilitação do Castelo de Stolzelfels, bem mais a sul, nas margens do Reno, e que sendo também propriedade de Frederico-Guilherme IV da Prússia, o manda restaurar a Schinkel, em 1836. (Fig.3)

D. Fernando conhecia esta velha construção medieval em ruínas e, ao abandonar Coburgo em Janeiro desse ano, ainda não sabia da decisão do monarca prussiano. Mas, ao conhecer a Pena, na sua lua-de-mel em Sintra, em Abril de 1836, encontrou semelhanças entre as ruínas jerónimas e as de Stolzenfels, velho castelo medieval de meados do Século XIII, na margem direita do Reno, junto a Koblenz. (Fig. 4)

Vai ser a viagem de Eschwege que trará notícias mais detalhadas sobre os projectos de restauro de Schinkel para esta obra, onde algumas semelhanças com a Pena são óbvias, como se verá. Deverei mencionar, igualmente, a importância da necessidade do mecenas em associar, ao Palácio, o Castelo dos Mouros. Esta edifi cação integra-se plenamente na paisagem a construir, através do jardim paisagista que, desde o início, brilha na mente do príncipe.

Em 1839, meses depois da aquisição do Convento, D. Fernando reque- reu, à Câmara Municipal, o aforamento do Castelo, adquirindo-o a 16 de

Dezembro de 1839, por 240 réis, com a condição de construir um passeio público, conservar todas as muralhas e vestígios antigos sem alterar a sua estrutura, efectuar plantações de árvores e arbustos, devendo permitir a entrada franca e pública.12

A medievalidade da construção evocadora da Idade Média é condi- mento fundamental do imaginário romântico, traduzido neste vivo interesse do mecenas pela sua reabilitação e melhoramento. Também nos Livros de

ponto da real obra da Pena, nas folhas de Maio de 1841, temos notícia

de que são enviados seis trabalhadores e dois pedreiros para o Castelo dos Mouros. «Em Novembro de 41 faz-se menção a Castelo Paredes e, em Abril e Maio de 43, a Concertos das paredes do castelo».13

De 1844 a 46, desenvolveu-se com maior intensidade a maior parte dos trabalhos no Castelo com a construção de caminhos (Junho, 1844), escadas (Janeiro, 1845), arranjo de paredes (Julho, 1845), construção de casa para o guarda (Julho, Agosto e Setembro, 1845), entre outros.

De facto, o paralelismo dos trabalhos de vária ordem no Castelo, no Palácio e no Parque surge simultaneamente, mostrando bem a fi losofi a global que preside ao conjunto.

A necessidade de se pensar em aumentar a área construtiva do palácio tinha que ver com a notória insufi ciência da reabilitação do convento. Era necessário criar uma nova ala para instalar a rainha e os príncipes, que iam nascendo ao ritmo de um por ano... Não é de estranhar que o novo espaço, o «palácio novo», fosse projectado nos modelos mais vanguardistas da Europa. Não era no Sul que o romantismo tinha surgido, por isso mesmo, demandar a Alemanha e a Prússia convinha ao mecenas.

Que Fernando II encontre afi nidades com a germanidade de Eschwege e lhe tenha entregue a direcção de todas as obras da Pena não é de estranhar; porém, a presença do gosto do mecenas esteve sempre bem patente em cada momento construtivo da obra.

Tendo em conta todo o espólio gráfi co original do projecto da Pena e a documentação existente, é lícito pensar que Eschwege se tenha rodeado por outros elementos da equipa técnica, para superar algumas carências. Vamos encontrar, envolvidos nos projectos e nas obras, Nicolau Pires — desenhador de plantas e provável colaborador dos magnífi cos alçados — e o mestre-

12 Tude de Sousa, 1851. Mosteiro, palácio e parque da Pena na serra de Sintra, Sintra, Sintra- -Gráfi ca, p. 59.

13 Constança Moreira Rato Azevedo Lima, 1998. Os livros de ponto da real obra da Pena

-pedreiro João Henriques, que foi o adjunto efectivo do Barão, a quem coube a tarefa de vigiar os trabalhos de construção, o que fez com evidente efi cácia, ao ponto de fi car a gerir o mapa de trabalhos que o engenheiro germânico lhe confi ou, quando se ausentou temporariamente para a Alemanha, em 1847. Nicolau Pires serviria na frente relativa aos levantamentos, desenhos e pormenores técnicos do projecto, em que adquirira prática noutras empreita- das reais; João Henriques, no acompanhamento dos trabalhos de construção civil e de coordenação de estaleiro.

Quanto ao Barão von Eschwege, deve-se evidenciar as suas grandes qualidades como geólogo e um notável engenheiro. Como geólogo são vários os seus trabalhos e relatórios. Fernando d’Orey reafi rma que é a obra Nachrichten aus Portugal und dessen Colonien, mineralogischen und

bergmännischen Inhalten (Notícias de Portugal e suas colónias respeitantes

à mineralogia e minas), publicada em 1820, e noutros artigos, que «ele des- creve com imenso pormenor as formações antigas do Norte de Portugal e mais tarde lamentava não ter tido tempo de reunir todas as suas observações sobre as províncias da Beira, Minho e Trás-os-Montes».14

Em 1830, o Barão redigiu um conjunto de trabalhos eminentemente geológicos, destacando-se, indubitavelmente, o que publicou sobre os arre- dores de Lisboa, enfatizando a serra de Sintra e terrenos afi ns, cujo título é Memória geognóstica ou golpe de vista do perfi l das estratifi cações das

diferentes rochas de que é composto o terreno desde a serra de Cintra, na linha de Noroeste a Sudoeste até Lisboa atravessando o Tejo até à serra da Arrábida e sobre a sua edade relativa.15 Obra de grande importância para o estudo da implantação do «palácio novo», atendendo às características dos solos e subsolos. Por outro lado, estes estudos estavam associados, nessa altura, a teorias gnósticas que o próprio Novalis, poeta contemporâneo de Eschwege, igualmente defendia e, como vamos ver, tiveram grande afi nidade com a própria formação do nosso mecenas.