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de List e sua recepção em Portugal

Eduardo de Sousa Ferreira

PROFESSOR JUBILADO

INSTITUTO SUPERIOR DE ECONOMIA E GESTÃO (ISEG) DA UNIVERSIDADE DE LISBOA

Friedrich List (1789-1846) é, ao lado de Karl Marx, o mais célebre eco- nomista alemão e o primeiro visionário de uma Europa unida. Acresce a sua criação da noção de «forças produtivas» que considera mais relevantes do que a riqueza presente num país por serem elas uma fonte permanente de riqueza.

Em termos de economia política contribuía List de forma decisiva para a rede de caminhos de ferro da Alemanha e para a criação do Zollverein (União Aduaneira) e, com isso, para a consolidação do Deutsches Reich (União dos Estados Alemães).

A sua obra Sistema nacional da política económica encontrou imedia- tamente grande eco para além da Alemanha, ao nível internacional. Uma obra que tive o prazer de traduzir para a Fundação Calouste Gulbenkian. 1

O impacto da recepção da obra de List nos múltiplos países da Europa conduziu à publicação do livro Die Vereinigung des europäischen Kontinents» (A união do continente europeu) em 1996 2 que consiste na reunião de con- tribuições de autores de praticamente todos os países da Europa.

Portugal contribuiu com um estudo da recepção de List neste país, da autoria de Carlos Bastian e Eduardo de Sousa Ferreira, ambos do Instituto

1 Tradução de Eduardo de Sousa Ferreira e Karin Paul Ferreira; Prefácio de Eduardo de Sousa Ferreira, 2006. Prefácio de Eduardo de Sousa Ferreira. Lisboa.

2 Eugen Wendler (Ed.), 1996. Die Vereinigung des europäischen Kontinents, Estugarda. Schäffer-Poeschel Verlag.

Superior de Economia e Gestão (ISEG) 3, um trabalho que me foi útil para a presente contribuição.

Ainda em vida, o nome de List chegou a Portugal. O comerciante alemão C. Schuster, que vivia em Lisboa, dirigiu-se por carta ao próprio List: «Caro Senhor! Sem ter o prazer de o conhecer, tomo a liberdade de lhe solicitar que preste a sua atenção a Portugal e suas Colónias; isto é, em geral, de pôr a questão: “Que vantagens podia a Alemanha tirar de Portugal e suas Colonias; e por onde começar?”» A carta continua explicando a má situação em que Portugal continuava a estar, mas «tempestades e trovoadas não contribuem também para a fertilidade da terra?». E sugere que o Dr. Dethier, em Berlim lhe pode dar informação sobre a criação de uma ligação marítima directa entre a Alemanha e a Península Ibérica, que podia ligar-se com os caminhos de ferro e navegação fl uvial da Alemanha, Holanda e Bélgica de forma a ligar-se ao Zollverein.4

Contudo, esta carta foi uma excepção. A cultura económica em Portugal era, na altura, acentuadamente fraca. Os conhecimentos nesta área chega- vam ao país quase exclusivamente pela França, o que foi também válido para as ideias de List, que ao nosso país chegaram só através da tradução francesa do «Sistema Nacional» feita por Richelot em 1857.

Foi em fi ns do Século XIX que surgiu na Universidade de Coimbra o ensino da Economia Política, nomeadamente através de José Frederico Laranjo, passando o «Sistema Nacional» de List a ser considerado em Portugal.5

Entre 1881 e 1884 Laranjo publicou no periódico O Instituto estudos sobre os economistas portuguêses Francisco Solano Constâncio e José Acúr- sio das Neves, dois apoiantes da industrialização próxima de List, tendo as suas perspectivas mais tarde sido defendidas com sucesso por List. Marnoco e Souza 6 – sucessor de Laranjo – num texto sobre a Faculdade de Direito escreve: «fi cou demonstrada a grande força e intensidade duma doutrina que quer dar à economia um cunho nacional. Esta corrente desenvolveu-se na Alemanha sob a infl uência de List.»7

3 Carlos Bastien e Eduardo de Sousa Ferreira, «Die List-Rezeption in Portugal», in E. Wendler

(Hrsg),1996. Die Vereinigung des europäischen Kontinents, Estugarda. Schäffer-Poeschel

Verlag.

4 Ver C. Schuster, Brief an F. List vom 25.4.1844; original em List-Archiv Reutlingen 25.45 5 Para esta evolução e consequências toma-se aqui em consideração a citada contribuição sobre

a recepção de List em Portugal de Carlos Bastien e Eduardo de Sousa Ferreira in E. Wendler

(Hrsg),1996. Die Vereinigung des europäischen Kontinents, Estugarda. Schäffer-Poeschel Verlag.

6 Marnoco e Souza e Alberto dos Reis, 1907. A Faculdade de Direito e o seu Destino, Coimbra. 7 Marnoco e Souza e Alberto dos Reis, op.cit., p. 80.

Nas suas aulas, Marnoco e Souza ocupou-se da Escola Histórica e das teses de Política Económica de List.

Constâncio, na opinião de Laranjo, elaborou de antemão algumas posi- ções teóricas e políticas de List, de onde alguns economistas deduziram ser Constâncio um percursor daquele economista alemão.

Quem mais se aproximou de posições tipo List (que ele só mais tarde conheceu através da tradução francesa do «Sistema Nacional») foi António de Oliveira Marreca, um grande defensor da industrialização. Numa série de 34 ensaios sobre «Interesses Industriais» que publicou em 1848-49 no periódico

A Revolução de Setembro defendeu a indústria nacional em especial contra

mercadoria inglesa 8 louvando o proteccionismo alemão, mas essencialmente criticando de forma intensiva o Tratado de Methuen de 1703.

Mas não se pode dizer que as perspectivas de List tenham tido um valor relevante no ponto de vista portugues. Não é por acaso que o estudo de Armando de Castro sobre o pensamento económico português nos Séculos XIX e XX 9 não toma em consideração a doutrina de List.

Isto apesar de ter List dedicado, de forma crítica, boa parte do 5º capí- tulo do seu Sistema nacional da economia política à política económica de Portugal. Começa o capítulo dizendo que «os portugueses, através das suas descobertas, conseguiram uma sorte rápida, atingindo grande riqueza em pouco tempo. Mas era a riqueza de um esbanjador que ganhou a sorte grande …» Louva o Conde de Ericeira que elaborou, em 1681, um plano de instalação no país de manufacturas têxteis. Mas em 1703, depois da morte do Conde de Ericeira, «o famoso ministro inglês Methuen conseguiu conven- cer o Governo português de que Portugal ganharia incomensuravelmente se Inglaterra permitisse a importação de vinhos portugueses mediante um imposto, que seria por um terço inferior ao imposto para vinhos de outras nações, e que, em contrapartida, Portugal permitisse a importação de tecidos ingleses mediante um imposto de importação, como o que tinha existido antes de 1684 (23 por cento) quando fora possível proibir a importação de tecidos estrangeiros … «Imediatamente após a consumação deste contrato comercial, Portugal foi inundado de manufacturas inglesas.»10

8 p. 444

9 Armando Castro, 1980. O Pensamento Económico no Portugal Moderno, Lisboa. 10 Friedrich List, 2006. Sistema nacional da economia política, Fundação Calouste Gul-

Apesar da diminuta infl uência de List em Portugal, não deixa de ser interessante de a mais antiga citação de List ser de 1871, feita por António da Silva Pereira Magalhães, um fabricante de têxteis no Porto, que para apoiar a sua tese de industrialização defendida por impostos alfandegários se refere às condições económicas na Alemanha.11

Já nos anos 30 do Século XX, alguns professores do Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras (hoje ISEG) ocuparam-se com F. List. Foi o caso de Francisco António Corrêa que concluiu que «as ideias de List triunfaram sobre a política económica alemã tal como as de Adam Smith sobre a inglesa e de outros países do continente europeu. As duas doutrinas são diametralmente diferentes, o que é válido também para a realidade dos países onde foram praticadas.»12

Outro professor do mesmo Instituto, A. Lino Neto, dedica-se também a List nas suas aulas, focando a disputa entre comércio livre e proteccionismo e colocando o seu nome como precursor do imperialismo alemão, ao lado de Bismarck.

Também António Oliveira Salazar se ocupa de List, não nas suas aulas em Coimbra publicadas por Alberto Menano, mas sim na sua Pequena história

das doutrinas económicas publicada em 1945 pela União Nacional 13, onde expõe um resumo da posição de List, concluindo que «em duas épocas histó- ricas damos com o proteccionismo; primeiro nos Séculos XVI e XVII na forma de Mercantilismo e mais tarde, no Século XIX, no Sistema de Economia Nacio- nal tal como desenvolvido por List. Na confrontação não puderam ambas as ofensivas vencer o liberalismo económico. O mercantilismo foi vencido por Smith e a grande maioria dos economistas alinhou por esta posição. Além disso List tinha poucos seguidores. Mas se passarmos da teoria à prática, o resultado é completamente diferente. Nos últimos 50 anos quase por todo o lado triunfou – mais ou menos pronunciado – o proteccionismo.»14

11 António da Silva Pereira de Magalhães, 1871. O proteccionista e os livre-cambistas, Porto, p. 6

12 F. A. Corrêa, 1935. Estudos de política económica internacional, Lisboa, p.9.

13 António de Oliveira Salazar, 1945. Pequena história das doutrinas económica. Lisboa. União Nacional.

Referências Bilbiográfi cas

Bastien, Carlos, Eduardo de Sousa Ferreira, 1996. «Die List-Rezeption in Portugal», in: Eugen Wendler (Hrsg.), Die Vereinigung des europäischen Kontinents. Friedrich List – Gesamteu-

ropäische Wirkungsgeschichte seines ökonomischen Denkens. Estugarda, Schäffer-Poeschel,

Verlag.

Castro, Armando, 1980. O pensamento económico no Portugal moderno, Lisboa. Corrêa, Francisco António, 1935. Estudos de política económica internacional, Lisboa. List, Friedrich, 2006. Sistema nacional da economia política. Lisboa, Fundação Calouste

Gulbenkian.

Magalhães, António Silva Pereira. 1871. O proteccionista e os livre-cambistas. Porto. Marnoco e Souza, Alberto dos Reis, 1907. A faculdade de direito e o seu destino. Coimbra. Salazar, António de Oliveira, 1945. Pequena história das doutrinas económicas. Lisboa, União

Nacional.