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2 BASES E CONDIÇÕES PARA A FORMAÇÃO PROFISSIONAL

2.3 A PEQUENA EMPRESA FRENTE À GLOBALIZAÇÃO ECONÔMICA

Entre a primitiva indústria artesanal da colônia e a moderna maquinofatura, interpõe-se na evolução econômica do Brasil um grande hiato. Aquela decaiu e praticamente se anulou antes que a outra surgisse (PRADO JÚNIOR, 2012, p. 257).

Caio Prado Júnior (2012) já indicava que a abertura dos portos em 1808 “aniquilou a rudimentar indústria que existia na colônia” (p. 257). Essa “abertura” é emblemática, pois, em boa parte dos momentos históricos brasileiros, inclusive no atual, privilégios são costumeiramente concedidos aos empreendimentos estrangeiros que por aqui aportam. Inclusas nesse processo, muitas das pequenas indústrias nacionais padecem para crescer em função de um processo concorrencial disforme.

Para Prado Júnior (2012), a tardia industrialização do Brasil é atribuída, em primeiro, às deficientes fontes de energia no passado. O carvão mineral do país é de baixa qualidade e sua exploração é difícil e precária, sendo a lenha e as forças motrizes da água ou do vento insuficientes para movimentar indústrias. “Além da deficiente energia, faltou ao Brasil outro elemento fundamental da indústria moderna: a siderurgia” (p. 257). Ele também indica que em meados do século XIX a população brasileira era pequena, dispersa e pobre, para justificar a implantação de uma maquinofatura.

Porém, ainda de acordo com o autor, coexistiam algumas condições favoráveis à industrialização. A primeira foi o constante declínio do câmbio, fenômeno qual aponta ter sido observado “em toda a evolução financeira do Brasil, desde sua independência” (p. 258). Os altos preços dos manufaturados importados propiciavam oportunidades para a produção no mercado interno. As barreiras alfandegárias eram outro fator de incentivo à instalação de indústrias. Essas barreiras foram progressivamente elevadas a partir de 1844, orientadas à proteção do Tesouro público. Mais um fator positivo foi a produção local do algodão, matéria-prima que ajudou a efetivação da maquinofatura têxtil no Brasil. Por muitas décadas a indústria têxtil representará parte substancial da indústria brasileira.

Finalmente, ele aponta como facilidade a disponibilidade e os baixos custos da mão de obra local. “São essas as circunstâncias principais que condicionarão o desenvolvimento de uma pequena indústria, sobretudo o têxtil, na segunda metade do século passado24. Ela terá um caráter local limitado a pequenos mercados de curto raio” (p. 259, grifo meu), o que, impedia as pequenas empresas de crescerem substancialmente. Os crescimentos observados pelos estudiosos e relativos ao setor industrial, geralmente, diziam respeito à quantidade de estabelecimentos, mas não a seu caráter qualitativo, ou seja, o porte das indústrias era limitado e a qualidade dos produtos, geralmente, inferior à dos países mais industrializados.

Prado Júnior (2012) ainda indica que, depois de um início modesto,

a indústria brasileira terá seu primeiro surto apreciável no último decênio do Império (1880-1889). (...) O número de estabelecimentos industriais, de pouco mais de duzentos em 1881, ascende no último ano da monarquia para mais de seiscentos. O capital invertido sobe então a 400 mil contos (cerca de 25 milhões de libras), sendo 60% na indústria têxtil, 15% na de alimentação, 10% na de produtos químicos e análogos, 4% na indústria da madeira, 3,5% na de vestuário e objetos de toucador, 3% na metalurgia (p. 259).

Conforme mencionado, a instalação de “grandes” indústrias não encontrava viabilidade face à fraca infraestrutura oferecida no país. Essa falha, além das dificuldades para as importações provocadas ora pelas desvalorizações cambiais, ora pelas proteções alfandegárias, indicou o caminho para os grupos empresariais internacionais de operações de capitais. Seus objetivos, então, passaram a ser o de investir na implantação dessa mesma infraestrutura, concentrada nos serviços

públicos, como estradas de ferro, serviços e melhoramentos urbanos, instalações portuárias e fornecimento de energia elétrica.

Entretanto, em se pensando na exploração das oportunidades financeiras, e do ponto de vista estratégico econômico internacional, o Brasil oferecia muito mais lucratividade com as operações bancárias. Portanto, a implantação de fábricas aqui, mostrava-se menos interessante do que fomentar essas mesmas operações e os decorrentes endividamentos, tanto por parte do governo, quanto de sua população. Para tanto, a infraestrutura era mais um meio de se auferir lucro e de acelerar os empreendimentos locais e as suas relações com os referidos bancos desses grupos internacionais. Dessa forma, então, “substituiu-se o simples objetivo de vender produtos industriais, a ampla expansão do capital financeiro que, sob todas as modalidades, procurará explorar em seu proveito as diferentes atividades econômicas” (p. 271).

Nessa perspectiva de valorizar o retorno do investimento, apesar de não haver um interesse intenso na industrialização do país, alguns outros saltos de crescimento industrial foram observados após aquele primeiro avanço no final do Império. A continuidade do crescimento se dá após esse período com “a febre de iniciativas dos primeiros anos do novo regime”. Com a República foram fundadas mais 425 novas fábricas. Mas, foi a Primeira Guerra Mundial (1914-18) que ajudou a impulsionar a indústria brasileira na primeira metade do século XX, não só através da redução das importações, mas também pela já conhecida desvalorização cambial da moeda nacional. Foi apontado

no primeiro grande censo posterior à guerra, realizado em 1920, os estabelecimentos industriais arrolados somarão 13.336, com 1.815.156 contos de capital e 275.512 operários. Destes estabelecimentos, 5.936 tinham sido fundados no quinquênio 1915-19, o que revela claramente a influência da guerra (PRADO JÚNIOR, 2012, p. 261).

Apesar desses números e dos saltos do empreendedorismo local, num todo o Brasil se industrializava a passos lentos, pois na média, cada indústria absorvia cerca de 21 trabalhadores apenas. Nossa grande especialidade econômica, desde o descobrimento, sempre foi o fornecimento de matérias-primas e produtos primários, baseado nos extrativismos vegetais e minerais, e na agricultura.

Da segunda metade do século XIX às primeiras décadas do século XX a principal atividade econômica foi a cafeicultura. O poder gerado pela exportação

desse produto foi tão grande que os maiores fazendeiros da época, os chamados barões do café, participaram diretamente na queda do Império, tendo sido eles, no primeiro período da República, a classe que governou o Brasil. O grosso da renda auferida pelo café provinha das exportações desse produto, no entanto, devido às variações do seu preço no mercado internacional, nem sempre propiciava lucros, e às vezes até grandes prejuízos. De acordo com Prado Júnior (2012) e Furtado (2007), esses eram prejuízos geralmente absorvidos pela população brasileira. Manobras políticas internas faziam com que aqueles fazendeiros repassassem os danos econômicos à população. Tudo isso era possível graças a um processo “democrático” muito falho, quando a maioria não podia eleger, pois só votavam pessoas do sexo masculino, alfabetizados, e maiores de 21 anos, além de o voto ser “aberto”, o que facilitava a coação por parte dos candidatos mais poderosos. A maior parte dos operários fabris era analfabeta, por isso não votava, e os empresários industriais tinham pouca ou nenhuma influência no processo eleitoral. Assim, os interesses das indústrias eram tratados com menor importância pelos governantes.

A grave crise de 1929, com a quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque, agravaram os problemas com a venda do café no mercado externo e o preço desse e dos demais produtos agrícolas brasileiros despencou. Naquele momento as reservas cambiais do país já estavam exauridas, mas novamente os cafeicultores, e seus importadores, utilizaram manobras para não perderem. Celso Furtado (2007) aponta que no final daquele ano e no auge da crise, os estoques eram grandes e a enorme safra não havia sido colhida. Isso pedia uma decisão, deixar o café apodrecer no pé ou colhê-lo a fim de estocar para forçar os preços a subir, ou até destruí-lo com essa mesma intenção. Qualquer das decisões implicava em mais custos ainda e seriam financiadas, mais uma vez,

com recursos obtidos dentro do próprio país, seja retendo uma parte do fruto da exportação do café, seja com pura e simples expansão do crédito. À medida que se utilizou a expansão de crédito, houve mais uma vez uma socialização dos prejuízos. Essa expansão de crédito, por seu lado, iria agravar o desequilíbrio externo, contribuindo para maior depreciação da moeda25, o que beneficiava indiretamente o setor explorador (FURTADO,

2007, p. 266).

25 Indica também Furtado (2007, p. 265) que a desvalorização da moeda já fora um artifício utilizado para que

Essas práticas político oligopolistas, além de outras tantas ações que desagradaram a classe média brasileira, e nesse conjunto os militares, vão desgastando a política da Velha República por toda a década de 1920, até a ocorrência da Revolução de 1930 para a tomada do poder. No entanto, a total dependência econômica brasileira da cultura cafeeira, apesar da saída dos cafeicultores do poder, obrigou o então atual governo a manter as medidas protecionistas anteriormente concedidas. Para Francisco C. Weffort, de acordo com o texto denominado: “Educação e Política: reflexões sociológicas sobre uma pedagogia da Liberdade, que é preâmbulo da obra Educação como prática da Liberdade

tendo sido afastada do poder a oligarquia cafeeira, principal suporte do antigo regime oligárquico, surge uma composição entre alguns dos setores tradicionais do Sul e do Nordeste e setores das classes médias em ascenso político desde a década de 20. Entretanto, esta aliança entre alguns dos grupos dominantes, que posteriormente se abre também aos interesses industriais, nunca pôde recusar-se ao fato da ponderação decisiva dos interesses do café para o conjunto da economia brasileira, pois todos os setores participantes dessa composição eram relativamente marginais do ponto de vista econômico (in FREIRE, 2003, p. 29).

Para Furtado (2007), entretanto, isso não fora de todo ruim, pois evitou maiores danos ao Brasil no período imediato à crise, ou seja, nos anos de 1930 a 1932. Para ele,

a política de defesa do setor cafeeiro nos anos da grande depressão concretiza-se num verdadeiro programa de fomento da renda nacional. Praticou-se no Brasil, inconscientemente, uma política anticíclica de maior amplitude que a que se tenha sequer preconizado em qualquer dos países industrializados (p. 272).

De acordo com ele, naquele momento, o mercado interno fora responsável por um maior equilíbrio econômico no país.

Assim como a segunda metade do século XIX se caracteriza pela transformação de uma economia escravista de grandes plantações em um sistema econômico baseado no trabalho assalariado, a primeira metade do século XX está marcada pela progressiva emergência de um sistema cujo principal centro dinâmico é o mercado interno (p. 323).

Ainda analisa Furtado (2007) que “o período compreendido entre 1920 e 1957 está assinalado por uma redução substancial da importância relativa da procura externa como fator determinante do nível de renda” (p. 326). Apesar de o Brasil

também começar a se destacar na exportação de outros gêneros, como foi o caso do algodão a partir de 1934, do minério de ferro etc., será o mercado interno que sustentará nossa fraca economia. Nessa perspectiva, ao final da primeira metade do século XX, a indústria começara assumir papel fundamental.

A era Vargas foi um período sem precedentes para a industrialização do país, acarretada por alguns acontecimentos e medidas governamentais importantes. Pode- se considerar que a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) foi o principal, pois a grande recessão externa com a consequente e drástica redução das importações, favoreceu a iniciativa privada local a investir na abertura de mais empresas. A implantação das “indústrias de base”, com a abertura das estatais Companhia Siderúrgica Nacional e mineradora Vale do Rio Doce contribuíram muito para a independência nacional no fornecimento da principal matéria-prima industrial, ou seja, o aço.

É significativo que, em meio às dificuldades da Segunda Grande Guerra, o Governo brasileiro haja conseguido dotar o país de um moderno complexo siderúrgico26. No imediato pós-guerra foi lançado um primeiro plano de

investimentos públicos infra-estruturais (Plano Salte). Em 1952, foi criado o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, graças ao qual importantes recursos foram encaminhados para as indústrias de base e para os setores infra-estruturais (FURTADO, 1976, p. 195).

Com relação à questão energética, visando reduzir o problema da eletrificação do país, foi criada a Eletrobrás, e na questão da redução das importações de petróleo e seus derivados, fora criada a Petrobrás. Outra importante decisão da era Vargas foi a abertura do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial, o SENAI, que visava contribuir na formação da tão escassa mão-de-obra qualificada para o setor industrial. Mas o final da Segunda Guerra, com a crescente industrialização brasileira, por outro, também marcam o fortalecimento da entrada do capital norte-americano no país. Para Leôncio Basbaum, citado por Ribeiro (1998),

é somente em 1945, com a derrota dos países do Eixo, que o Brasil se amarra definitivamente com os Estados-Unidos, único país capitalista que sobrou da segunda guerra em condições de sobrevivência. E é quando começa

26 Descreve Furtado que “o plano siderúrgico do Governo brasileiro foi elaborado imediatamente antes da guerra.

Nos anos de conflito, a usina de Volta Redonda foi construída mediante financiamento do Export-Import Bank e aquisição dos equipamentos nos Estados Unidos, o que somente se tornou possível graças a entendimentos políticos do Governo Vargas com o presidente Roosevelt. A usina começou a operar em 1946 (FURTADO, 1976, p. 195).

realmente a grande penetração capitalista norte-americana, que iria atingir o apogeu em 1955 (p. 131).

Furtado (1976, p. 196) também indica que logo após a Segunda Guerra Mundial, a atividade industrial no país cresceu. No entanto, não conseguiu manter tal crescimento a partir da década de 1960. Indica ele que entre os anos de 1956 e 1962 a média de crescimento atingiu a marca de 10,8 por cento, tendo declinado vertiginosamente para 4,8 por cento no período entre 1963 e 1968, sendo a redução da velocidade do desenvolvimento reduzida devido ao “aumento da pressão inflacionária” e ao “agravamento das tensões sociais” naquele momento pós-golpe.

Quando havíamos instalado os elementos básicos de um sistema produtivo moderno, criando as condições necessárias para completar a construção nacional no plano social, deu-se a reversão do processo histórico. O fechamento do processo político, ao destruir as bases da convivência democrática, deu à dilapidação do Estado. Este sofreu uma metamorfose, crescendo desordenadamente, escapando ao controle da sociedade civil (FURTADO, 1998, p. 79).

Apesar dos avanços na direção da industrialização, a economia do país ainda permanecia modesta se comparada aos maiores centros econômicos. Prado Júnior (2012) identifica esse como mais um dos entraves ao crescimento industrial, apontando que

o baixo nível econômico do país, e sobretudo deficiências estruturais, tornam o processo de capitalização lento e muito débil. Não se chegará a formar no Brasil nada que se parecesse com um mercado de capitais semelhante ao de todos os países industriais da atualidade (p. 263).

O autor também demonstra que esse grande crescimento industrial ocorrido nessas primeiras décadas do século XX passou a representar importantíssimo papel na economia nacional, colaborando com a equalização da balança comercial e com a normalidade financeira do país. Para ele a indústria “tornara-se um elemento indispensável ao funcionamento normal da economia brasileira que já não poderá mais dispensá-la sem um distúrbio profundo de todo seu equilíbrio” (p. 262). No entanto, todo esse ambiente protecionista, por vezes suportado pelas políticas econômicas internas, outras por conta das próprias recessões internacionais, causou profunda acomodação das indústrias locais.

Não terá havido para elas a luta pela conquista e alargamento de mercados que constitui o grande estímulo das empresas capitalistas, e o responsável principal pelo progresso vertiginoso da indústria moderna. Pode-se dizer que os mercados virão a elas, num apelo à produção interna de artigos que a situação financeira do país impedia que fossem comprados no exterior (p. 262).

É nessa conjuntura protecionista que “a maior parte da indústria brasileira continuará como dantes: largamente dispersa em unidades insignificantes, de rendimento reduzido e produzindo exclusivamente para estreitos mercados locais” (p. 263). Prado Júnior, então, indica que esse protecionismo, se, de um lado reservou às empresas o mercado interno, por outro acomodou os empresários, tornando pouco competitiva a indústria nacional, quando comparada com a dos países centrais.

Assim foi até o ano de 1990, quando o presidente Fernando Affonso Collor de Mello abre indiscriminadamente o mercado aos produtos estrangeiros. Então, quando produções das mais variadas procedências passaram a entrar no país, muitas indústrias nacionais faliram, inclusive desaparecendo setores inteiros, como foi o caso do quase total desaparecimento da indústria de calçados na cidade de Curitiba naquela mesma década.

Apesar de escrito antes dos eventos anteriormente citados, a percepção de Prado Junior (2012) a respeito do perfil do industrial brasileiro continua pertinente. Para ele, esse perfil não se alterou muito ao longo do século XX, pois

observa-se que boa parte deles se constitui de indivíduos de origem modesta que estabelecendo-se com empreendimentos a princípio insignificantes, conseguiram graças aos grandes lucros dos momentos de prosperidade e um padrão de vida recalcado para um mínimo essencial à subsistência, ir acumulando os fundos necessários para ampliarem suas empresas (p. 263).

Em Diagnóstico27 realizado sobre o setor da confecção do vestuário paranaense, no ano de 1995, junto ao CITPAR (Centro de Integração de Tecnologia do Paraná), foi constatada essa mesma realidade e, ainda, que a maioria dos empreendedores desse segmento não possuísse qualquer experiência técnica antes de abrirem o seu negócio, sendo também que a maior parte deles possuía baixa escolaridade. O mesmo fenômeno foi observado em pesquisas e apontado em Diagnóstico28 realizado pelo SEBRAE-PR no ano de 2000. A questão da baixa

27 A pesquisa, os resultados e a elaboração desse documento foi um trabalho deste pesquisador.

qualificação do industrial brasileiro, até o final do século passado, identificava ser mais um dos problemas para o crescimento desse setor da economia.

Entretanto, para Celso Furtado (2000) a industrialização de um país é uma das condições primordiais para a superação de seu subdesenvolvimento, e nesse contexto a participação do Estado se faz fundamental. Com foco nessa importância socioeconômica, entende-se que o estímulo estatal à boa formação profissional do brasileiro, seja ele empregado ou empregador, é questão sine qua non para o desenvolvimento industrial do país. Porém, desde meados da década de 1960, até os dias atuais, as políticas governamentais de estímulos às empresas internacionais superam as iniciativas com vistas a atender os anseios das indústrias domésticas. Tal prática subtrai o que os próprios governantes defendem ser o conceito de livre concorrência.

Eduardo Galeano (2013) já indicava que essas tradicionais vantagens dedicadas às empresas estrangeiras ocorrem desde a década de 1960, mostrando em seu trabalho que

dois ministros do governo que depuseram na comissão parlamentar29 sobre

a desnacionalização do Brasil reconheceram que as medidas adotadas no governo de Castelo Branco, permitindo o fluxo direto do crédito externo para as empresas, tinham deixado em inferioridade de condições as fábricas de capital nacional. Ambos se referiam à célebre instrução 289, de princípios de 1965: as empresas estrangeiras obtinham empréstimos no exterior a 7 ou 8 por cento, com um tipo especial de câmbio que o governo garantia no caso de desvalorização do cruzeiro, enquanto as empresas nacionais deviam pagar juros de 50 por cento pelos créditos que laboriosamente conseguiam dentro do país (p. 308-309).

Galeano também cita o discurso de Robertos Campos, Ministro do Planejamento no governo de Castelo Branco, proferido à mesma comissão de inquérito. Fato que reforça tese de Florestan Fernandes (2008a), quando indica a subserviência da elite nacional aos interesses do capital externo, com vistas a lograrem benefícios próprios. O trecho atribuído a Campos a que se refere Galeano é o que segue:

“Obviamente, o mundo é desigual. Há quem nasça inteligente e há quem nasça tolo. Há quem nasça atleta e há quem nasça aleijado. O mundo se compõe de pequenas e grandes empresas. Uns morrem cedo, na plenitude da vida; outros se arrastam, criminosamente, numa longa existência inútil. Há

29 Comissão Parlamentar de Inquérito sobre as transações efetuadas entre empresas nacionais e estrangeiras

uma desigualdade básica fundamental na natureza humana, na condição das coisas. Disto não escapa o mecanismo do crédito. Postular que as empresas nacionais devam ter o mesmo acesso que as empresas estrangeiras têm ao crédito estrangeiro é simplesmente desconhecer as realidades básicas da economia” (1960, apud GALEANO, 2013, p. 309).