• Nenhum resultado encontrado

4 AÇÕES GOVERNAMENTAIS E AS ESCOLAS PROFISSIONAIS

4.1 PROGRAMAS E OFERTAS GOVERNAMENTAIS

4.1.4 Contradições do Governo para ofertas de formação profissional inicial

Além da constatação da pouca oferta para a formação inicial e continuada do ProJovem, fato exposto no item anterior, algumas outras contradições foram identificadas na oferta, ou falta dela, de cursos de formação inicial para os trabalhadores.

A primeira delas se estabelece quando, apesar de haver um sistema de qualificação de mão de obra instituído, em muitos casos essa qualificação acontece no âmbito da empresa, que prefere realizar o ensino profissional de seus funcionários no âmbito da própria produção, oferecendo alguém para treinar o aprendiz. Em sua pesquisa em indústria de grande porte, Garcia (2000) evidenciou que o treinamento do trabalhador para o aprendizado da utilização de máquinas e da lógica dos processos produtivos pode ficar ao cargo de um tutor, ou aquilo que denominaram naquela empresa como um “padrinho” do aprendiz.

O padrinho é em geral um funcionário que tem bastante tempo de fábrica e muita prática na operação de máquinas, tendo a oportunidade de conhecer e operar diversas delas, desde as mais simples às mais complexas, acompanhando a sua evolução industrial na empresa. Dele é requerido muito mais experiência e conhecimento do processo industrial do que escolaridade. Sua atuação como instrutor pode ser comparada àquela dos mestres artesãos, que assumiam para si a responsabilidade de repassar um determinado tipo de conhecimento para os aprendizes, convivendo com eles longos períodos, até que os mesmos pudessem ser considerados artesãos. Devido a essa característica, foi possível observar a convivência, no mesmo ambiente, de máquinas com dispositivos tecnológicos da terceira revolução industrial com uma forma de aprendizado característico do artesanato (GARCIA, 2000, p. 119).

Esse mesmo fenômeno foi verificado em todas as indústrias visitadas nesse atual processo de pesquisa, assim como, em outras pesquisas e momentos vividos pelo pesquisador em sua vida profissional. Tomando como exemplo uma das indústrias gráficas visitadas, observou-se que os profissionais entrevistados aprenderam suas profissões com os funcionários mais antigos. Dois dentre os

entrevistados, coincidentemente, tiveram como tutores os seus pais, um deles prosseguiu aprendendo com outras pessoas, enquanto que o outro continuou o seu aprendizado junto à família.

A maior confecção visitada, pela carência no mercado de profissionais qualificados, adotou a contratação de pessoas sem qualquer experiência. Nela, o profissional entra, trabalha como auxiliar de produção e, lentamente, vai se aproximando da primeira máquina. Nessa empresa, na inexistência de qualquer padrão ou método específico de ensino e aprendizagem técnicos, a profissional “vai se virando, vai aprendendo a fazer e a mexer na máquina” (Trabalhadora Va-3). A empresa e o novo profissional contam apenas com a boa vontade de um outro mais experiente e que tem o interesse para ensinar, já que não recebe qualquer gratificação para tal desempenho. Verifica-se que, normalmente, assim são “qualificados” os profissionais das micro e pequenas indústrias, ou seja, conforme aponta Garcia (2000), num aprendizado característico do artesanato.

Essa contradição gera uma outra, relacionada ao aproveitamento e certificação de conhecimentos práticos.

O Governo Federal através da Portaria 646/97 propõe o aproveitamento dos conhecimentos adquiridos para a composição curricular do aluno, sendo os mesmos avaliados sobre a sua práxis enquanto trabalhador, e em quaisquer níveis de qualificação. Ou seja, estando matriculado em um curso regular, o aluno pode solicitar que seus conhecimentos adquiridos em suas atividades profissionais anteriores possam ser considerados no curso em questão.

Isso exige do profissional da educação aptidão para julgar se são válidos, ou não, tais conhecimentos. Processo de análise que, necessariamente, adotará também caráter subjetivo, além de se acreditar ser necessário um mapeamento prévio, com análise, de todos os possíveis conhecimentos aprendidos de forma tácita, mas que, e de alguma forma, podem ser demonstrados pelo trabalhador e analisados e comparados pelos avaliadores. A contradição se estabelece porque, apesar dessa possibilidade, ainda não existem mecanismos para a sua execução, o que pode ser visto como mais um problema a ser vencido pelo processo educacional das profissões no país.

E ela continua quando faltam os critérios de análise de cada uma das áreas. Se o próprio professor não possuir anterior experiência fabril, o que muitas vezes acontece com professores da Educação Profissional, principalmente da Rede Federal,

na qual essa modalidade de ensino é mais desenvolvida, mais difícil se tornará a sua análise, pois, muitas vezes, o trabalhador equaciona seus problemas técnicos dos processos fabris tacitamente e por caminhos diferentes e muitas vezes não convencionais.

Outra contradição, relativa a essa mesma situação, diz respeito à ocupação dos laboratórios de práticas industriais de muitas das instituições que tem como missão a formação profissional, como por exemplo a Universidade Tecnológica Federal do Paraná que pouco ou nunca são utilizados para qualificação ou requalificação inicial de profissionais, ficando, muitas vezes ociosos.

Nesse sentido, se pergunta por que não se pode avançar na direção dessa formação inicial do trabalhador? Por que não estabelecer convênios no sentido de aproveitar os equipamentos para a qualificação profissional do cidadão, o que poderia, inclusive, redundar em benefício da formação dos próprios docentes dessa universidade?

Ao mesmo tempo em que isso ocorre, ocorre também nessa Universidade o movimento no sentido de dar andamento a uma política interna de deixar de oferecer, cursos técnicos de nível médio, modalidade no qual essa Universidade, oriunda do CEFET-PR, se tornou nacionalmente conhecida. Tal decisão, frente à realidade constatada de carências de profissionais em níveis básico e técnico, entende-se ser de grave prejuízo socioeconômico para a região.

Essa mesma tendência também está sendo aplicada pelo Sistema SENAI do Paraná, e principalmente em Curitiba, que, seguindo na mesma linha, reforça a oferta das graduações e pós-graduações em faculdades próprias, reduzindo a dos cursos básicos e técnicos em muitas áreas, mesmo tendo sido essa a maior vocação em 70 anos de história dessa entidade.

Esse quadro, de certa forma, explica a dificuldade, por parte das pequenas indústrias, em contratar pessoal melhor qualificado.