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2 BASES E CONDIÇÕES PARA A FORMAÇÃO PROFISSIONAL

2.4 EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL

2.4.1 Breves aportes sobre o histórico do ensino profissional no Brasil

O processo de organização do currículo escolar no Brasil vem desde os primórdios do período colonial. Para a Coroa portuguesa o sucesso da “empresa colonizadora” dependia da educação do índio (RIBEIRO, 1998, p. 18). Aos jesuítas, sob o comando do Padre Manoel da Nóbrega, fora entregue a incumbência da educação escolar e catequética, mas ainda no modelo escolástico medieval. A Coroa entendia que só poderia, de fato, colonizar o Brasil através da educação dos nativos. Desde aquela época a educação escolar mantém no país a sua finalidade voltada ao utilitarismo econômico.

Nos primeiros anos do Brasil Império, apesar de alguns avanços, mas frente ao endividamento do país, os investimentos em educação acabam sendo colocados em segundo plano. Desta forma a independência brasileira, com sua nova Constituição, pouco fez pelo avanço da educação. Isso se manterá também na segunda fase imperial. Com o progresso da cultura cafeeira a educação “para os ricos” toma mais corpo, principalmente com o surgimento de escolas de nível médio e de outros novos cursos superiores, fixando no país os filhos da burguesia, que, até então, costumavam completar seus estudos na Europa. No entanto, a educação popular continua a padecer.

Com o crescimento das cidades, de suas populações, da tardia abolição da escravatura, e junto com a República, emergem novos problemas sociais, destacando-se o agravamento da pobreza e o surgimento da miséria. Nesse novo modelo político, os republicanos, influenciados pela filosofia positivista, “consideraram a educação como condição para emancipar a sociedade e para a constituição da nacionalidade e da cidadania” (MORAES; FERRETTI [Coords.], 1999, p. 15). Mas esse projeto republicano não repercutiu da mesma forma na prática, como se pode verificar na “Reforma Benjamin Constant”, que tinha como “uma das intenções tornar os diversos níveis de ensino ‘formadores’ e não apenas preparadores dos alunos; com vistas ao ensino superior”, conforme apontado por Ribeiro (1988, p. 73).

A mesma autora enfatiza a exclusão dos mais pobres do ensino secundário naquele período, se observada a disparidade entre crescimento populacional e a pequena ampliação da oferta de vagas nas escolas públicas.

Registra-se que no mesmo período o ensino profissional obteve significativo crescimento, pois se para os governantes o ensino secundário e superior eram destinados à elite, “o ensino profissional (elementar e médio) destinava-se às camadas menos favorecidas (...) um conjunto de escolas propiciava a formação das “elites” e, outro, a do ‘povo’” (RIBEIRO, 1988, p. 90). No caso do Paraná, que fora emancipado da Província de São Paulo no ano de 1858, os

trinta e poucos anos sob o governo monárquico, não lhe trouxeram nenhuma iniciativa no tocante ao ensino profissional. (...) Tudo que se fez, no período que antecedeu à República, ficou no domínio das sugestões, das palavras, das propostas ou das leis não realizadas (FONSECA, 1986, v.5, p. 197).

O Paraná já contava com significativo número de unidades fabris, e reconhecida relevância no cenário econômico nacional já no início do período republicano. Porém, foi apenas no final da primeira década do século XX, ainda na República Velha, que o governo federal inaugurou a Escola de Aprendizes Artífices, instalada na capital paranaense no ano de 1910 e que ocorreu no mencionado contexto onde a preocupação com a pobreza e com a miséria era crescente.

Para Moraes e Ferretti (Coords.), nas primeiras décadas do século XX

em momentos e circunstâncias diversas, a ‘educação do povo’ aparece como solução para erradicar os graves problemas sociais que afligiam o país e, nos anos 60, os modelos desenvolvimentistas, de diferentes aportes ideológicos, a tomaram como pressuposto do crescimento econômico e desenvolvimento social (MORAES; FERRETTI [Coords.], 1999, p. 15).

O período político compreendido entre a morte de Getúlio Vargas até o golpe militar de 31 de março de 1964 é marcado, então, pela continuidade do projeto nacional-desenvolvimentista, momento no qual se destacou o presidente Juscelino Kubistchek de Oliveira. Para imprimir esse mesmo projeto, frente às crises econômicas herdadas de períodos anteriores, e para manter a paz política no país, Kubistchek tenta conciliar seu programa de governo com o modelo de economia dependente. O que não permitirá o desenvolvimento o qual pretendia ele e seus apoiadores. Apesar da indústria nacional apresentar crescimento, é nesse momento que as grandes multinacionais começam a entrar maciçamente no país, o que fortalecerá os vínculos da dependência econômica brasileira, favorecendo o posterior, e já comentado, truste no governo de Castelo Branco. No plano educacional o país consegue avançar um pouco mais. De acordo com Ribeiro (1998), entre os anos de

1955 e 1965 são destinados mais quatro por cento das verbas públicas para investimentos com a educação, o índice de analfabetismo é reduzido, e as matrículas nas escolas públicas aumentam.

No entanto, logo no período a seguir, Otaíza Romanelli (2007, p. 205) aponta para uma crise na educação compreendida entre os anos de 1964 a 1968, que teve como uma das causas o próprio crescimento da demanda por pessoal escolarizado e profissionalizado, mas que, por outro lado, confrontava-se com a incapacidade do Estado em ampliar as vagas nas escolas. Segundo ela

esse crescimento resultou da conjugação de dois fatores: a) a implantação da indústria de base, acelerada sobretudo na segunda metade da década de 50, que criou uma quantidade e uma variedade de novos empregos; b) a deterioração dos mecanismos38 tradicionais de ascensão da classe média.

(...) A educação, portanto, passa a ser encarada como o único caminho disponível, para as classes médias, de conquistar postos e, para as empresas, de preencher seus quadros (p. 205).

Na tentativa de equacionar esses problemas da educação, nessa mesma década de 1960, o Governo Federal tomou algumas atitudes. Criou o salário- educação, uma contribuição compulsória das empresas, com vistas a socorrer financeiramente os poderes públicos estaduais e o federal para a expansão do ensino primário. Ajudou a ampliar as escolas privadas de ensino fundamental com o pagamento de bolsas de estudo e com investimentos diretos feitos aos seus caixas. Estimulou a criação de novos cursos técnicos e, ainda, o de cursos superiores mais curtos com vistas a aligeirar a formação em algumas áreas. Esse governo também buscou empréstimos externos, com vistas a aplicá-los junto à educação. Nesse processo o MEC firmou acordo com o USAID39, permitindo a total interferência dos E.U.A. na filosofia, planejamento e estruturação de todos os níveis dos processos educacionais no Brasil, e, nesse caminho, exarando decretos-leis que tiravam a autonomia política e de pesquisa das universidades, assim como a liberdade de expressão e organização de docentes e discentes enfraquecendo suas atuações políticas.

O conjunto dessas diversas medidas e os decorrentes decretos, de caráter tecnicista, com alinhamento à Teoria do Capital Humano, culminará na edição da Lei

38 Segundo Luiz Antonio Rodrigues Cunha, anteriormente o modelo de ascensão da classe média “passava pela

constituição de capital através da poupança, investimento em pequenas empresas, reprodução do capital, nova poupança, etc.” (apud ROMANELLI, 2007, p. 205).

5.692 de 11 de agosto de 1971, que transformou, da noite para o dia, o ensino regular de nível médio ofertado na rede pública em ensino médio compulsoriamente profissionalizante. Autores como Gaudêncio Frigotto, Acácia Kuenzer, dentre outros, escrevem sobre os problemas causados com a falta de pessoal especializado, as carências infraestruturais das escolas, e a decorrente baixa qualidade de formação profissional provocada por essa precarização.

A década de 1970 seguirá dentro da mesma égide, já que a ditadura militar de direita prosseguia no poder, mas os problemas educacionais aumentavam. Destaca-se que, a partir do apoio financeiro governamental, as escolas privadas passaram a crescer em quantidade e oferta de vagas, enquanto que a educação pública de ensino fundamental e médio se deteriorava. Dentro de um projeto governamental de caráter liberal, os estudantes de famílias de classe média iam gradativamente se deslocando para o ensino privado, que se sofisticava frente àquele oferecido pela rede pública, ao mesmo tempo, por contraditório que possa parecer, de acordo com Garcia (1995) também passaram a procurar as Escolas Técnicas da Rede Federal, estas por ofertarem um ensino de qualidade e serem gratuitas, descaracterizando, a partir desse momento, o seu público.

A década de 1980 marcará a redemocratização no país, culminando com o processo constituinte. Paralelamente, o mundo inicia uma travessia rumo à “nova” globalização dos mercados, que vai afetar a organização de nossa educação.

Entretanto, a preocupação com a “prestação de contas” junto às entidades internacionais credoras do país conduziu o governo a realizar ações mais centradas na solução dos problemas quantitativos, reflexo das disparidades existentes na relação entre matrículas versus população, do que nos avanços na qualidade da educação oferecida. O fracasso da 5.692/71 foi evidente, pois as escolas secundaristas em sua maioria, com algumas exceções, nelas incluídas as Escolas Técnicas e CEFETs, pela já comentada falta de especialização técnica do corpo docente e de infraestrutura inadequada, não deram conta da missão da profissionalização técnica.

Assim, já na década de 1990, de acordo com Frigotto (2007),

do ciclo de reformas educativas centrado na ideologia do capital humano, transitamos para um ciclo de reformas sob a ditadura do capital. A travessia efetivou-se, perversamente, pela profunda regressão das relações sociais e com um aprofundamento da mercantilização da educação no seu plano institucional e no seu plano pedagógico. No âmbito do pensamento

pedagógico, o discurso em defesa da educação é dominantemente retórico ou colocado de forma inversa tanto na ideologia do capital humano (conjuntura da década de 1960 a 1980), quanto nas teses, igualmente ideológicas, da sociedade do conhecimento, da pedagogia das competências e da empregabilidade (décadas de 1980 e 1990) (p. 1138).

Nos anos de governo de Fernando Henrique Cardoso, ou seja, compreendido entre os anos de 1995 a 2002, foi publicada a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a LDBEN 9.39440 de 20 de dezembro de 1996. A partir dela é exarado o Decreto 2.208/9741, que separou, no nível médio, o ensino propedêutico do ensino técnico, fato apontado por muitos intelectuais da educação como prejudicial à formação profissional do jovem brasileiro, em especial àqueles das camadas economicamente menos favorecidas.

Este governo também lançou em 1995 o Plano Nacional de Educação Profissional (PLANFOR)42, que foi implementado no ano seguinte nos termos da Resolução 126/96 do Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (CODEFAT). Em 1997 lançou o Programa de Melhoria e Expansão da Educação Profissional (PROEP)43, planejado através de empréstimo obtido junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

Decorrente da extinção dos cursos técnicos integrados, o Decreto 2.208/97 abriu maiores condições para a ampliação da rede particular de escolas profissionais e técnicas, fato verificado na maior incidência de escolas profissionais em Curitiba inauguradas nesse mesmo período.

Passamos da ditadura civil-militar à ditadura do mercado. Instaura-se um crescente processo de privatização institucional e do pensamento pedagógico. Não é por acaso que, no ano 2000, a OMC indica que um dos mercados prósperos de investimento privado é o "mercado educacional". As reformas educacionais do Chile, Argentina e Brasil, na década de 1990, são emblemáticas nesta direção. As análises feitas por Céa (2003)44 e Grabowski

(2004)45 mostram de forma inequívoca como a reforma da educação

profissional no Brasil se efetivou nos marcos da privatização (FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2009).

40 A presente Lei e sua referência à educação profissional será assunto abordado no 1.5.1. 41 Idem.

42 Abordado no item 1.5.2. 43 Abordado no item 1.5.3.

44 CÉA, G. S. dos SANTOS. A qualificação profissional entre fios invisíveis. Uma análise crítica do Plano Nacional

de Qualificação do Trabalhador- PLANFOR. São Paulo: PUC, 2003 (Tese de doutorado).

45 GRABOWSKI, G. Outra educação profissional é (im)possível? Projetos e políticas em disputa. Porto Alegre:

De acordo com Frigotto, Ciavatta e Ramos (2009) esse é um momento histórico, ou seja, da “globalização”, da irradiação do neoliberalismo, e da “sociedade do conhecimento”, em que as decisões marcam, segundo eles, um processo de regressão das relações sociais do próprio capitalismo. “É extremamente irônico que o processo de “globalização”, tão tendenciosamente propagandeado, tenha assumido em toda parte a forma devastadora do desemprego crônico, mesmo no “Norte” mais desenvolvido e privilegiado” (MÉSZÁROS, 2012, p. 17).

É nesse mesmo período que se consolida ainda mais no país a ideologia da mercantilização da educação, surgindo também no discurso governamental a ideia da efetivação da privatização das universidades públicas federais.

O governo subsequente, do presidente Lula da Silva, que governou do ano de 2003 ao de 2010, conduziu diversas ações com vistas a melhorar a educação profissional nos três níveis. Dentre as medidas, destacou-se o Decreto 5.15446, de 23 de julho de 2004, que revogou o Decreto 2.208/97 de FHC. Por ele, a educação básica e a profissional de nível técnico podem ser oferecidas concomitantemente, como já ocorria antes do decreto revogado.

Esse governo lançou também o Projeto Escola de Fábrica47 em 2005, através da Lei 11.180, de 23 setembro de 2005, tendo “a finalidade de ampliar as possibilidades de formação profissional básica, favorecendo o ingresso de estudantes de baixa renda no mercado de trabalho”48. Também pelo Decreto 5.840, de 13 de julho de 2006, criou o Programa Integração da Educação Profissional ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA)49, e, através da Lei 11.129, de 30 de junho de 2005, instituiu o Programa de Inclusão de Jovens (ProJovem)50, criando também o Conselho Nacional da Juventude (CNJ) e a Secretaria Nacional da Juventude. Através da Lei 11.892, de 11 de dezembro de 2008, criou os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia.

O atual governo federal, com o segundo mandato vigente até o dia 31 de dezembro de 2018, sob a presidência de Dilma Rousseff, além de dar continuidade a alguns programas do governo anterior, exarou no dia 26 de outubro de 2011 a Lei

46 Abordado no item 1.5.5. 47 Abordado no item 1.5.6.

48 Ver a matéria do MEC intitulada: Aprovada a Lei que cria o Escola de Fábrica. Disponível em

<http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=3266&catid=211>, acesso em 03, mar. 2015.

49 Abordado no item 1.5.7. 50 Abordado no item 1.5.8.

12.513, que, dentre outras atribuições, em seu Artigo 1o institui “o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC) 51, a ser executado pela União, com a finalidade de ampliar a oferta de educação profissional e tecnológica, por meio de programas, projetos e ações de assistência técnica e financeira”. De acordo com o próprio governo, esse é um programa que vem formando milhares de brasileiros nos últimos meses. Apesar da propaganda, observa-se a baixa oferta para vários segmentos da indústria na cidade de Curitiba.

Inegavelmente, na última década foram notados avanços na educação profissional no país, contudo, a efetividade e os resultados esperados por esses programas foram e são questionados por pensadores da educação.

Esse brevíssimo panorama histórico ajuda a fazer uma síntese sobre a filosofia da educação escolar profissional no Brasil, enfatizando o seu caráter utilitarista e sectário. Frente a todo esse contexto, somado à vivência obtida em escolas profissionais por mais de duas décadas, assim como aos resultados das pesquisas realizadas no passado, e junto a esta nova que aqui se apresenta, consolida-se a percepção de que a formação nos níveis iniciais da profissionalização foi ao longo do tempo direcionada aos pobres e raramente possibilita a ascensão social, uma ideologia constantemente observada nas ações e palavras dos responsáveis pela educação nos diversos níveis de governo.