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A pequena produção na década de 1980: algumas considerações

Mapa 1 – Localização do PA Paciência no município de Uberlândia-MG

2. ESTADO E POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL: Considerações sobre as políticas agrícolas e a questão agrária

2.5. A pequena produção na década de 1980: algumas considerações

Em linhas gerais, a década de 1980 foi marcada pelo fim do regime ditatorial, aprofundamento da crise econômica brasileira e ressurgimento da participação popular por meio de movimentos sociais consolidados, a exemplo do movimento sindical entre outras questões.

Em relação à agricultura, essa década marcou o fim do subsídio estatal por meio do crédito agrícola para o financiamento da modernização no campo, o que e aprofundou ainda mais a sua dependência do mercado externo e integração/subordinação da agricultura ao complexo agroindustrial que se fortalecia.

Além disso, a década de 1980 foi marcada pelo fechamento da fronteira agrícola para os pequenos agricultores e a expansão da grande produção nessa área, visto que muitos proprietários (e empresas) se deslocaram para essa região nas décadas de 1970 favorecidos pelos incentivos governamentais. Esse fato deu início a uma série de conflitos pela terra nessas áreas, já que inúmeros agricultores de pequeno porte tiveram suas terras griladas por grandes latifundiários e empresários.

Em relação aos estudos sobre a pequena produção agrícola, já no início da década de 1980, as justificativas que a colocavam como possível solução para a questão agrária brasileira, visto sua importância econômica, política e social, começaram a ser questionadas. A agricultura baseada na mão de obra familiar começava a perder importância econômica, assim como todo o setor primário, sendo agora substituído pelo complexo agroindustrial. Assim, abordagens referentes à pequena produção, e à agricultura como um todo passaram a enfocar o processo de modernização agrícola e a consolidação do complexo agroindustrial brasileiro, levando em consideração a sua integração/subordinação ou exclusão de cada tipo de agricultura nesse processo (HESPANHOL, 2000).

Tais abordagens sugeriam que entre os pequenos agricultores havia uma diferenciação social, resultado da modernização agrícola empreendida pelo Estado brasileiro. Essa diferenciação estava principalmente no nível de renda, capitalização, mão de obra e integração à indústria.

Os pequenos agricultores da fronteira agrícola e áreas de colonização mais antiga que se encontravam entres os latifúndios e as grandes cidades, apresentavam um nível de capitalização e renda muito mais baixo do que os pequenos agricultores do Sul do país. Estes já integrados nesse período às agroindústrias de carne e hortifrútis (no caso

do estado de São Paulo), possuíam um nível de renda superior aos posseiros, meeiros e parceiros das áreas de fronteira. Soma-se a isso o fechamento da fronteira na década em análise e o acirramento dos conflitos por terra na região, provocando a exclusão, a migração, a miséria e em vários casos, a morte desses agricultores. Fernandes (2005) nos diz que:

Na destruição do campesinato por meio da expropriação, ocorre simultaneamente a recriação do trabalho familiar através do arrendamento ou da compra de terra, e também; uma pequena parte é transformada em capitalista pela acumulação de capital, compra de mais terra e assalariamento (FERNANDES, 2005, p. 5).

Tem-se assim, em uma mesma categoria, diferenciação entre os agricultores, visto que a região em que se encontram e o nível de integração à indústria foram aqui determinantes para essa diferenciação.

Com isso, os pequenos agricultores integrados/subordinados à indústria apareciam nesses estudos como ideais para a reprodução capitalista no campo e desenvolvimento econômico, levando em consideração a viabilidade econômica dessa integração, visto que saía mais barato o agricultor se integrar à indústria e fornecer à ela o que ela necessitava do que o Estado financiar todo esse processo.

Para além das discussões sobre a viabilidade econômica da integração da agricultura à indústria no Sul do país, a década de 1980 viu ressurgir os movimentos sociais e com eles a necessidade da população de participar ativamente das discussões em curso no país. A reforma agrária excluída dos debates no regime ditatorial, foi trazida à tona novamente com a elaboração do I Plano Nacional de Reforma Agrária no governo de José Sarney (1985-1989). Retornavam assim as discussões e preocupações a respeito da questão agrária no país, visto que, a questão agrícola tinha sido privilegiada e financiada durante o período da modernização do campo. Nas palavras de Fernandes (2005),

A questão agrária está presente no nosso cotidiano há séculos. Pode-se querer não vê-la, encobrindo deliberadamente parte de uma realidade, mas ela descortina dia-a-dia. Pode-se afirmar que é uma coisa do passado, mas é do presente, está ali, aqui e naquilo, em todo lugar, ação e objeto. Em cada estado brasileiro a questão agrária se manifesta, principalmente, nas ocupações e nos acampamentos, nas estradas e nas praças. Igualmente está presente nos latifúndios, no agronegócio, e nas “commodities”, nas teses, livros e relatórios [...] por sua complexidade, alguns pesquisadores e outros envolvidos com este problema desistem de tentar compreendê-la. [...] A questão agrária nasceu da contradição estrutural do capitalismo que produz simultaneamente a concentração e a riqueza e a expansão da pobreza e da miséria (FERNANDES, 2005, p. 4).

A partir da retomada dessas discussões, em 1986, José Sarney criou em seu governo o Ministério da Reforma e do Desenvolvimento Agrário (MIRAD) e também elaborou um plano que resgatava as diretrizes do Estatuto da Terra15 que visava em sua

totalidade, a redemocratização da distribuição da terra no país, o Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA). Esse ato provocou grande apreensão entre os latifundiários, pois o plano estabelecia zonas prioritárias de reforma agrária em todo território brasileiro. Devido às pressões que o Plano Nacional de Reforma Agrária sofreu nesse período, foram feitas alterações significativas, dificultando assim grande parte do processo de desapropriação de terras.

Segundo Ranieri (2003), “o número de beneficiários de projetos de reforma agrária no final do governo Sarney (1990) não atingiu 10% da meta inicial” (RANIERI, 2003, p. 13), além de criar projetos de colonização na região Norte do país (BERGAMASCO et al., 1999). Não houve ruptura significativa com o processo implementada pelos governos militares, mas sim, a manutenção da estrutura já existente, apenas deslocando os conflitos para as áreas de fronteira agrícola, numa espécie de medida compensatória.

Com isso, apesar dos debates que se fizeram em torno da implementação desse plano, este acabou por frustrar aqueles que esperavam uma transformação no campo brasileiro, sobretudo, os pequenos agricultores excluídos do processo de modernização agrícola, excluídos de suas terras, excluídos de seu modo de vida tradicional, e ao invés de uma reforma agrária, teve início uma política de criação de assentamentos rurais, que perdura até os dias de hoje. Assim, via-se que a questão agrária estava mais presente do que nunca, e fazia-se necessário uma política pública eficaz capaz de amenizar o saldo de décadas de valorização da agricultura capitalista em detrimento da agricultura camponesa.

15 Criado pela Lei nº. 4.504, de 30 de novembro de 1964, durante o regime militar. Sua criação estava relacionada ao clima de insatisfação reinante no meio rural brasileiro e ao temor do governo e da elite conservadora pela eclosão de uma revolução camponesa. O Estatuto da Terra e a promessa de uma reforma agrária foi a estratégia utilizada pelos governantes para apaziguar, os camponeses e tranquilizar os grandes proprietários de terra. As metas estabelecidas pelo Estatuto da Terra eram basicamente duas: a execução de uma reforma agrária e o desenvolvimento da agricultura. No entanto, apenas a segunda foi levada adiante pelos governos militares (COELHO, 2014).

2.6. A década de 1990 e a emergência da agricultura familiar nos debates oficiais: