• Nenhum resultado encontrado

Modernização agrícola: a capitalização do processo produtivo no campo e a ideologia progressista conservadora (1950 a 1970)

Mapa 1 – Localização do PA Paciência no município de Uberlândia-MG

2. ESTADO E POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL: Considerações sobre as políticas agrícolas e a questão agrária

2.1. Modernização agrícola: a capitalização do processo produtivo no campo e a ideologia progressista conservadora (1950 a 1970)

A partir da década de 1950, iniciou-se um período de investimentos maciços no que era considerado “avançado” e “progressista”, ou seja, nas indústrias e nas tecnologias estrangeiras. Preocupou-se demasiadamente com a formulação de uma indústria de base nacional, capaz de produzir o que até então era importado, em uma política denominada por Tavares (1983) de “substituição de importações”. Contudo, segundo Tavares (1983), já no final da década de 1950, este modelo de produção estava chegando ao seu esgotamento:

O dinamismo do processo de substituição de importações parece estar chegando ao fim e dificilmente se pode prever um quarto período de desenvolvimento dentro do mesmo modelo. A fase que o país atravessa atualmente parece indicar a necessidade de transição para um novo modelo de desenvolvimento econômico e social (TAVARES, 1983, p. 73).

Segundo Gonçalves Neto (1995), este era o impasse econômico em que vivia o Brasil no início dos anos de 1960, a necessidade de um novo modelo de desenvolvimento econômico que tivesse o Estado como o seu principal parceiro e que passasse a agregar a agricultura (até então intocada) à indústria.

No início dos anos de 1960, a alternância entre governos populistas no Brasil dava sinais de enfraquecimento. O Estado mediador de relações entre interesse social e privado não se sustentava mais no sistema econômico vigente. Surgia a necessidade de um novo modelo de desenvolvimento econômico que acompanhasse o momento de grande crescimento do capitalismo internacional. O modelo adotado pelo Brasil desde a década de 1930, chamado de “substituição de importações” apresentava deficiências.

Começou a partir de então, um intenso debate teórico, político e econômico a respeito dos rumos da economia brasileira, caracterizado aqui pela industrialização que ainda não havia se efetivado de maneira plena como nos países desenvolvidos. A principal causa apontada por teóricos, como, Celso Furtado (1962), Rui Facó (1961) e Jacques Lambert (1959), para o entrave em que vivia a indústria no Brasil estava no setor primário, ou seja, na agricultura.

Nas palavras de Graziano da Silva (1981),

A estereotipização do subdesenvolvimento mostrava uma economia onde o setor industrial era incipiente e o setor agrícola “atrasado”, ganharam destaque os modelos dualistas que procuravam mostrar um antagonismo

entre ambos [...] essa concepção dualista deriva, no fundo, da própria constatação de dois mundos “separados” – o subdesenvolvido e o desenvolvido. [...] A industrialização era apresentada como a fórmula milagrosa capaz de, por si só, gerar o desenvolvimento; e o setor agrícola apontado como o responsável pelo atraso desses países, deveria ceder sua posição dominante na economia (GRAZIANO DA SILVA, 1981, p. 17). A agricultura brasileira, dessa forma, não conseguia abastecer a população urbana e produzir matérias-primas em quantidade suficiente para as indústrias. Isso elevava os preços dos produtos e impedia a acumulação industrial, pois, a população urbana utilizava seu salário quase que exclusivamente para a compra de alimentos. A agricultura com suas características tradicionais impedia também a liberação de mão de obra para as indústrias.

Com isso, as preocupações de diversos setores da sociedade (acadêmicos, políticos, industriais) com o desenvolvimento econômico do Brasil se direcionavam para a procura de soluções para esse impasse, disseminadas por meio de quatro correntes distintas. A primeira, a segunda e a terceira vertentes dessa ideologia tinham a agricultura como principal responsável pelo entrave à industrialização plena no Brasil.

A primeira corrente de cunho esquerda-comunista pregava que o entrave ao desenvolvimento econômico do país estava no latifúndio, pois, o Brasil apresentava condições de trabalho muito semelhantes ao feudalismo, resquícios da estrutura vigente na Europa, trazida por Portugal durante o período da colonização. A solução para esse problema estava na eliminação do latifúndio e do trabalho serviu-feudal por meio de uma reforma agrária. Um dos principais teóricos dessa vertente foi Alberto Passos Guimarães e seu clássico livro Quatro séculos de latifúndio de 19634.

A segunda corrente, também de viés de esquerda alegava que a agricultura no Brasil não possuía resquícios de feudalismo por ter sido desde a colonização europeia, capitalista. Exercia forte crítica às condições de trabalho no campo e as relações trabalhistas existentes. Para os autores, principalmente Caio Prado Júnior, as condições de trabalho no espaço rural eram as principais causas dos problemas econômicos brasileiros. A solução também estava em uma reforma agrária que contemplasse os direitos trabalhistas no campo, visto que os trabalhadores rurais ficavam subordinados aos donos das terras. Conforme Prado Júnior (1979),

4GUIMARÃES, A. P. Quatro séculos de latifúndio. 4 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983, 197 p. (1 ed.: 1964).

É na aplicação efetiva de uma legislação trabalhista, sua aplicação e necessária correção em muitos pontos em que se vem mostrando insuficiente e defeituosa, bem como na adoção de providências complementares destinadas a consolidar e tirar todos os efeitos econômicos e sociais da nova situação criada pela melhoria das condições de vida do trabalhador obtida com a aplicação daquela legislação trabalhista é nisso, sobretudo que deve consistir no momento atual, a luta pela reforma agrária e renovação de nossa economia agrária (PRADO JÚNIOR, 1979, p. 162).

A terceira corrente, de cunho economicista, pregava a existência de uma estrutura rural arcaica e concentradora (o latifúndio), que impedia a industrialização plena no país. Havia a necessidade de se promover uma mudança estrutural na sociedade para se atingir o desenvolvimento econômico, a reforma agrária aparecia aqui também como primordial para se alcançar tal objetivo. O principal teórico dessa vertente foi Celso Furtado, em suas palavras:

A tarefa básica no momento presente consiste, portanto, em dar maior elasticidade às estruturas. Temos que caminhar com audácia para modificações constitucionais que permitam realizar a reforma agrária e modificar pela base a maquinaria administrativa estatal, o sistema fiscal e a estrutura bancária [...] e acima de tudo devemos ter um plano de desenvolvimento econômico e social à altura de nossas possibilidades e em consonância com os anseios de nosso povo (FURTADO, 1962, p. 31). A quarta vertente em curso nesse período era de caráter conservador e a favor da manutenção das estruturas vigentes no campo. Para os teóricos desse viés, a agricultura não era um entrave à industrialização, ao contrário, ela sempre havia cumprido a sua funcionalidade de fornecer alimentos e matérias-primas. Para eles, o latifúndio estava deixando de ser improdutivo. Apesar da existência de uma estrutura arcaica, não se fazia necessário modifica-la por meio da reforma agrária, pois, havia outros meios de torna- la compatível com o desenvolvimento industrial. A solução seria promover uma modernização da agricultura. Entre os seus teóricos mais importantes destacam-se Delfim Neto e Ruy Miller Paiva. Conforme Graziano da Silva (1981) “Uma formulação comumente daí derivada, é a de que, só com a modernização, ou seja, com a eliminação do ‘arcaico’, agricultura poderá desempenhar eficazmente seu papel” (GRAZIANO DA SILVA, 1981, p. 19).

Para Delfim Neto (1962), a reforma agrária não era a solução para os problemas de produtividade no campo. Ele chama a atenção para as diversidades regionais da agricultura brasileira, mostrando que era preciso um programa geral de desenvolvimento agrícola ao invés de intervenções pontuais. Para ele, a reforma agrária deveria ser feita

respeitando-se as características regionais e de investimentos preliminares, de forma gradativa. Os problemas estariam muito mais ligados à incrementação da produção representada pela modernização agrícola do que ligados à estrutura fundiária. Em suas palavras a agricultura estava dependendo

Em primeiro lugar, do nível técnico de mão-de-obra. [...] em segundo lugar, do nível de mecanização. [...] em terceiro lugar, do nível de utilização de adubos e da existência de variedades adequadamente selecionadas. E finalmente, de um elemento muito discutido atualmente: a estrutura agrária (DELFIM NETO, 1962, p.113).

Em 1965, Ruy Miller Paiva juntamente com Nicholls, apresentou uma tipologia regional para a agricultura brasileira, mostrando que a utilização de tecnologia no setor primário era privilégio do Centro-Sul do país, mais especificamente em áreas dos estados de Minas Gerais, São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul (GONÇALVES NETO, 1995).

Além disso, tal estudo demonstra que apesar de todo o debate em torno da estrutura agrária, os grandes proprietários eram os que mais tinham investido em métodos modernos e nova tecnologia, segundo os autores:

Nosso estudo mostrou, contudo, que a velha ordem está alterando-se rapidamente na agricultura brasileira. O fato notável é que são bem administrados muitos de seus grandes estabelecimentos [...] o Brasil tem uma dívida substancial para com estes grandes proprietários de terra que são ativos na ocupação, no desenvolvimento e no melhoramento de recursos agrícolas da nação e que são suficientemente abastados para arriscar inovações mal sucedidas. A reforma agrária prestará um “desserviço” se falhar em proteger esses grandes proprietários de terra que estão desempenhando este papel essencial (PAIVA; NICHOLLS, 1965, p. 25). De acordo com esses teóricos, já havia algumas propriedades, sobretudo, no Centro-Sul do país, investindo em tecnologia para a produção agrícola. O importante seria disseminar essa modernização, mas não para todos, pois, tal atitude prejudicaria os preços dos produtos, quanto mais alimentos e matéria-prima estivessem sendo produzidos, mais os preços abaixariam e isso prejudicaria o agricultor. A solução então estava em modernizar apenas alguns agricultores, principalmente os grandes proprietários, e posteriormente os demais, ou seja, os pequenos, e dessa forma a estrutura fundiária permaneceria intacta.

Cria-se, portanto, uma situação de dualismo tecnológico na agricultura brasileira, em que apenas uma parte dos agricultores pode modernizar-se, ao passo que grande parte é obrigada a permanecer com práticas tradicionais, à espera de nova pulsão do mercado. A agricultura responde desta maneira, às necessidades do processo de desenvolvimento, mas sua participação é secundária, já que permanece na dependência dos estímulos e do crescimento do setor não- agrário (GONCALVES NETO, 1995, p. 74).

Para Paiva (1965), a solução estava na modernização da agricultura e contudo, esta dependeria de fatores internos e externos chamados por ele de “mecanismos de autocontrole”, aqui entendidos pelo Estado nacional e mercado internacional.

Com o momento de crise vivenciado pelo Estado populista brasileiro, este não se posicionava favorável a nenhuma corrente, até que João Goulart (1961-1963) anunciou as Reformas de Base5, nas quais estava incluída também a reforma agrária.

Com isso, o setor conservador da sociedade brasileira (latifundiários e industriais) apoiou o golpe de Estado, que teve como consequência a implantação de uma ditadura militar no país em 1964, favorável a modernização da agricultura e contra qualquer tipo de reforma na estrutura fundiária.

Dessa forma, a partir da segunda metade da década de 1960 e início da década de 1970, a agricultura brasileira vai passar por inúmeras transformações, mas nenhuma delas objetivava modificações na estrutura fundiária e nem nas relações de trabalho existentes, tais transformações visavam integrar e subordinar a agricultura à indústria no Brasil.