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A política de crédito rural

Mapa 1 – Localização do PA Paciência no município de Uberlândia-MG

2. ESTADO E POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL: Considerações sobre as políticas agrícolas e a questão agrária

2.3. Estratégias estatais para a revolução agrícola pretendida no campo

2.3.2. A política de crédito rural

O crédito rural pode ser entendido como um financiamento da produção agrícola por meio do qual o Estado procurou orientar e regular as transformações no campo durante o processo de modernização da agricultura que se pretendia.

Pinto (1981) lista três momentos distintos do uso do crédito rural no Brasil. O primeiro vai do descobrimento até a década de 1930, o segundo de 1937 a 1965, e o terceiro de 1965 a 1980. Segundo o autor, o primeiro momento se caracteriza por iniciativas localizadas, destinadas à um certo número de produtos e eram empréstimos concedidos por fazendeiros locais, casas comissárias e casas bancárias do período. Conforme Stein (1977)

Naquela época, o triângulo fazendeiro-comissário-banco, das transações de crédito iniciava-se apenas; a maioria dos fazendeiros obtinha empréstimos não diretamente dos estabelecimentos creditícios mas sim daqueles membros da família que eram comissário de café em Iguaçu ou no Rio, ricaços do interior ou da cidade que dispunham de capital para empregar. A fundação da sucursal vassourense do novo Banco Comercial e Agrícola, em 1859, marcou a transição de uma era financeira para outra: do crédito individual para as relações de crédito impessoal (STEIN, 1977, p. 285).

Com a Proclamação da República em 1889, todas as políticas governamentais passaram a ser destinadas ao café, com crédito barato, cotas de produção e controle dos preços, consistindo em um financiamento estatal deste produto até a segunda metade da década de 1930, quando se inicia a segunda fase do crédito na agricultura brasileira.

A segunda fase será caracterizada pela ampliação oficial do crédito, de acordo com Gonçalves Neto (1995)

A segunda fase de 1937 a 1961 [...] é inaugurada com a criação da Carteira de Crédito Agrícola e Industrial do Banco do Brasil (CREAI), a partir da Lei nº 454, de 9 de julho de 1937, com o intuito de aumentar o alcance do crédito rural, por meio de uma série de normas relativas ao controle de recursos e exigências de garantias. É a iniciativa pioneira de sistematizar o financiamento à agricultura, permanecendo responsabilidade apenas sobre o Banco do Brasil. A participação de outros bancos oficiais[...] é diminuta e a dos bancos particulares praticamente inexistente (GONÇAVES NETO, 1995, p.159).

A terceira fase se inicia com a criação da Lei nº 4.829 de novembro de 1965 e a definição do que se convencionou chamar de crédito rural:

O suprimento de recursos financeiros por entidades públicas e estabelecimentos de crédito particulares a produtores rurais ou suas cooperativas para aplicação exclusiva em atividades que se enquadrem nos objetivos indicados na legislação em vigor (BRASIL,1965).

Tais objetivos estavam expostos em seu artigo 3º e diziam respeito ao estímulo aos investimentos das atividades rurais, inclusive para o armazenamento, beneficiamento e industrialização da produção; favorecimento por meio do custeio da produção e comercialização da produção; fortalecimento dos agricultores, aqui incluídos também os pequenos e médios; e incentivo à introdução de métodos racionais (tecnologia e pesquisa) na produção para proporcionar aumento de produtividade, melhoria nas condições de vida dos agricultores e proteção do solo (GONÇALVES NETO, 1995).

Neste mesmo documento ficava também estabelecida as entidades que faziam parte do Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR) a saber, o Banco Central, Banco do Brasil, bancos regionais de desenvolvimento, Banco Nacional de Crédito Cooperativo (BNCC), Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDE), bancos estaduais, bancos privados, sociedade de crédito e cooperativas. Também são expostas as modalidades de crédito a serem concedidas: custeio, investimento, comercialização10 e

industrialização, que posteriormente passou a integrar a modalidade de custeio.

A legislação estabelecia também a quantidade de recursos que seriam repassados aos agricultores para evitar oneração do tesouro nacional, entretanto, tais recursos não poderiam ser inferiores a 10% dos depósitos bancários.

Com isso, a utilização do crédito informal, característico de agricultores menos capitalizados, começou a entrar em decadência ao longo da década de 1960, visto que para esse tipo de agricultura, o Estado participava com apenas 18% do financiamento.

A partir da criação do SNCR, o acesso ao crédito rural cresceu substancialmente até 1975, momento em que o país começa a sentir os pesos da crise econômica externa, oriunda do choque do petróleo. Nesse momento há uma retração na participação dos bancos comerciais no oferecimento de crédito, e o governo estatizou o fornecimento de crédito através do Banco do Brasil.

No entanto, como sabemos, o Estado brasileiro vinha financiado um projeto de sociedade “moderna” que interessava a determinados grupos econômicos e ao estatizar

10 Na Seção 3, ao discutirmos o Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), estas

o financiamento da produção por meio do crédito agrícola ele destinou recursos acima dos valores reais da produção do país, a fim de atender as necessidades impostas pelos mesmos grupos que o mantinham no poder. A respeito disso, Goncalves Neto afirma que

Conseguiu-se aumentar a produção, mas a um custo altíssimo, com a produtividade não acompanhando o volume de estímulos financeiros aplicado. Conseguiu-se também, aumentar o número de envolvidos com o crédito rural, mas multiplicou, ao mesmo tempo, a massa de subsídios distribuídas aos produtores rurais, onerando o tesouro nacional e incrementando uma nova forma de pressão inflacionária (GONÇALVES NETO, 1995, p. 168).

A partir de então, a política de crédito agrícola começou a dar sinal de esgotamento, devido sobretudo, aos altos custos de sua manutenção. Além disso, estudiosos demonstraram que havia um grande volume de dinheiro empregado nas atividades agrícolas. No entanto, poucos agricultores tinham acesso a ele, em especial os pequenos e médios que se mantinham por conta própria.

Outros estudos da década de 1970 demonstravam a ineficiência dessa política a nível territorial nacional, visto que foram constatados que certas regiões recebiam mais crédito do que as outras, assim como determinadas culturas, a saber aquelas destinadas à exportação, recebiam mais financiamento que as culturas utilizadas na alimentação básica da população brasileira. As tabelas 1 e 2 nos mostram a distribuição de crédito agrícola no montante de recursos repassados pelo governo federal por culturas e regiões.

Tabela 1 - Participação do governo federal nos empréstimos à agricultura nacional 1969-1979 (em %)

Anos Algodão Arroz Milho Soja Outros Total

% % % % % % 1969 29 44 5 9 13 100 1970 19 46 12 12 11 100 1971 22 33 6 26 13 100 1972 26 32 7 28 7 100 1973 26 50 13 0 11 100 1974 23 20 15 35 7 100 1975 19 15 8 44 14 100 1976 10 28 12 41 9 100 1977 24 17 10 42 6 100 1978 32 14 5 38 12 100 1979 34 12 7 33 13 100

Fonte: WORLD BANK, 1983. Org.: GARCIA, J.C., 2014.

Tabela 2 - Participação das regiões brasileiras na produção agrícola nacional (P) e no recebimento de crédito (C) 1973-1977 (em %)

Podemos observar, com isso, que já no final da década de 1960 havia uma priorização de determinadas culturas no recebimento de crédito agrícola, assim como de determinadas regiões. Tal fato desencadeou o privilegiamento governamental à alguns setores, sobretudo da agricultura de exportação e das regiões Sudeste e Sul.

Nas palavras de Gonçalves Neto (1995),

Os recursos atingiram de forma privilegiada os grandes produtores e grandes proprietários, em detrimento dos pequenos; serve mais às regiões já desenvolvidas, discriminando sobretudo com relação ao Nordeste; as culturas mais dinâmicas ligadas ao mercado externo ou à substituição de importações, abocanham parcelas de crédito muito superiores à sua participação na produção nacional, restringindo o uso de crédito pelas culturas mais ligadas ao mercado e às necessidades internas (GONÇALVES NETO, 1995, p. 179).

Com o corte do subsídio no final da década de 1970, as atividades ligadas à agricultura, sobretudo, as agroindústrias passaram a ser afetadas, visto que, duas modalidades de crédito a de custeio e investimento perpassavam diretamente ao acesso aos produtos fornecidos por essas indústrias. Os cortes efetuados em cada modalidade do crédito afetaram um ramo específico da agroindústria tanto a montante, produzindo bens de consumo para a agricultura como tratores, implementos, defensivos agrícolas, fertilizantes, etc., como a jusante, no momento em que se realiza a comercialização da produção.

Além disso, em consonância com as outras políticas já mencionadas, foi efetuada nesse período a tributação agropecuária. Uma medida adotada pelo governo brasileiro para não taxar a agropecuária moderna que surgia. Além do crédito subsidiado, era possível abater os gastos de produção no imposto de renda. Com isso, o imposto sobre a propriedade rural era baixo, sobretudo, para os grandes proprietários, que declaravam

valores abaixo dos reais e não pagavam o imposto. Já os pequenos não possuíam isenção e os valores obtidos com esse imposto, era quase exclusivamente oriundos da pequena propriedade rural.

Dessa forma, a política de preços mínimos foi apresentada como uma política mais eficaz em países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil. Vejamos as principais características dessa política e seus efeitos na agricultura do país.