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PA Paciência em Uberlândia-MG: criação de gado leiteiro em regime extensivo

Autora: GARCIA, J. C., 2014. Fonte: Pesquisa de Campo, 2014.

Foto 2 - PA Paciência em Uberlândia-MG: criação de gado leiteiro em regime extensivo

Autora: GARCIA, J. C., 2014. Fonte: Pesquisa de Campo, 2014.

Interessante notar que por se tratar de uma atividade tradicional entre os agricultores da região, praticamente em todos os lotes do PA Paciência é realizada a criação de gado, uns com menos entre 5 e 6 cabeças e outros com maior quantidade, chegando ao número máximo de 30 cabeças (Pesquisa de Campo, 2015).

Um dos assentados entrevistados durante o trabalho de campo relatou um pouco de sua história de produção agropecuária no assentamento:

Eu era do MTL fiquei muito tempo debaixo de lona, era pra ter ido pro Tangará, mas aí lá já tava cheio e mandaram a gente pra cá, aqui era o MLT... Aí a Emater começou a fazer uns projetos aqui com a gente, veio o projeto “Leite e Pasto”, eu já tinha conhecimento mas a assistência técnica foi fundamental porque o maior problema é a

assistência técnica pros assentados. Nessa época eu tirava 60 litros de

leite por dia. Aí em 2010 eu comecei a inseminação artificial e continuei fazendo queijo. Atualmente dá pra tirar 350 a 380 litros por dia. A alimentação mudou um pouco, diminuiu a ração por cevada, subcevada que a Ambev vende pra gente. Hoje em dia eu to com 30

cabeças de gado, tudo leiteiro.43

Outro motivo que nos levou a pesquisar o PA Paciência foi o diferencial tecnológico de determinados assentados, os quais chegam a utilizar, inclusive, técnicas

43 Informações fornecidas pelo Sr. M. M. S. um dos assentados no PA Paciência (Entrevista realizada em

de inseminação artificial em seus rebanhos. Além disso, o PA Paciência se destaca em relação a outros assentamentos do município por várias particularidades que contribuíram para o seu desenvolvimento. Entre elas, podemos destacar a sua localização, próxima à Uberlândia (menos de 30 Km), principal mercado consumidor do que é produzido; a existência de uma linha de ônibus (D 282) com destino ao distrito de Tapuirama que passa às margens do assentamento, facilitando o deslocamento dos assentados, além de um solo de boa qualidade, proximidade à cursos hídricos e um relevo plano suavemente ondulado que facilita a produção e criação animal.

Dentre os 14 assentamentos do município, observados no mapa 2, percebemos que este se encontra isolado dos demais, sem a influência urbana da cidade. Suas características naturais são propícias ao desenvolvimento da agricultura e pecuária, o solo e as pastagens naturais são de boa qualidade (PDA, 2007). Além disso, sua extensão territorial é menor em relação aos demais assentamentos do município e o número relativamente pequeno de famílias assentadas, facilitaram distribuição dos lotes e a exploração deles.

Apesar de ser margeado por dois grandes lagos de usinas hidrelétricas e possuir dois rios, a dificuldade de acesso à agua no assentamento foi uma das principais reivindicações relatadas pelos agricultores nas pesquisas de campo, mostrando que essa é uma questão delicada em áreas rurais, principalmente em assentamentos de reforma agrária em que o uso e gestão da água se difere do uso e gestão das terras.

Assim, visto suas particularidades, o Paciência se mostrou como um assentamento diferenciado, em que suas características contribuíram para a manutenção da maioria das famílias iniciais no assentamento, fato que difere da realidade presenciada em outros assentamentos do município.

Com isso, optamos por entrevistar assentados que fazem parte das famílias iniciais, pessoas que investiram por conta própria no início da produção e que fizeram da terra conquistada sua moradia e fonte de renda para melhoria da qualidade de vida44 da

sua família. Um desses assentados mais antigos nos contou que “trabalhou duro”, mas sempre procurou ajuda externa quando tinha algum problema na produção.

44 O termo “qualidade de vida” é bastante subjetivo, estando relacionado ao que cada indivíduo considera

como qualidade de vida. No entanto, para os assentados pesquisados qualidade de vida se refere à suas necessidades básicas atendidas e a pequenos confortos considerados típicos dos ambientes urbanos, tais como, eletrodomésticos, eletroeletrônicos, automóveis, etc.

Tem um custo pra ensinar...algumas pessoas não querem, acham que já sabe de tudo que morou a vida inteira na roça e sabe o que fazer. Mas não sabe...e outra coisa, isso de diversificar não funciona, tem que especializar porque pular de galho em galho não funciona. Todas as coisas tem os altos e baixos, tem que esperar que a hora boa chega. Olha, eu já ofereci aqui meu curral pro pessoal da Emater vir dar assistência, tem gente que não vem só porque é aqui, tem inveja porque eu to dando certo...mas eu tenho a mente aberta, eu aceito o que me ensinam, eu procuro melhorar cada vez mais minha

produção.45

O ensino que ele relata se refere à assistência técnica. Para ele, a assistência é fundamental para a produção agrícola, principalmente em assentamentos de reforma agrária. Contudo, sua opinião a respeito da diversificação produtiva reproduz um discurso muito comum na agricultura capitalista, e apesar de ser considerado agricultor familiar46,

sua produção é especializada. A produção de milho, hortaliças e pequenos animais existentes em seu lote se dá exclusivamente para o consumo da família.

Quando questionado a respeito do papel e importância do PRONAF na sua produção, o mesmo afirmou:

Toda ajuda é bem-vinda né, mas eu já tinha condições, já tinha as vacas, usei o dinheiro pra comprar um trator que melhorou muito, porque não preciso pagar mais particular pra vir fazer o serviço, agora eu trabalho nele aqui e pros vizinhos também. Mas tem gente que não faz assim, pega o dinheiro e compra um trator e mais nada, se o trator der defeito eu tenho as vacas pra garantir meu sustento. É bom né, mas tem que ter planejamento. Tem gente que pega o Pronaf compra vaca mas não sabe zelar, não sabe cuidar, não sabe das doenças que tem que tratar, deixa as vacas morrer não sabe administrar. E na minha opinião, terra boa igual essa nem precisa de Pronaf (risos) tem que ensinar a mexer, ensinar a cuidar...mais importante que o dinheiro é

ensinar a mexer a produzir.47

Novamente, o entrevistado afirmou a necessidade da assistência técnica concomitantemente com o financiamento do PRONAF. Percebemos, assim, que o programa é de grande valia para a população menos capitalizada do campo, contudo, apenas o recurso sem um planejamento técnico muitas vezes não alcança o resultado desejado.

45 Depoimento do Sr. M. M. S. um dos assentados do PA Paciência (Entrevista realizada em

dezembro/2014).

46 No subitem 4.3. aprofundaremos a discussão a respeito do que vem a ser considerado um agricultor

familiar, conforme legislação oficial vigente, e se os assentados de reforma agrária estão inseridos nessa categoria.

47 Depoimento do Sr. M. M. S. um dos assentados do PA Paciência (Entrevista realizada em

Quando perguntado sobre sua opinião a respeito do PRONAF, disse:

É bom né mas tinha que ser mais rigoroso. Todo mundo pega mas não produz com ele, na minha opinião tinha que tirar a terra de quem não quer produzir, em outros países eles fazem isso...tinha que fiscalizar isso aí porque o dinheiro tira mas e a produção? Isso que eu to falando você vai ouvir só de mim, muitos só quer mais recurso mas não quer trabalhar nem pagar, não quer aprender a produzir acha que já sabe tudo. E isso não acontece só em assentamento. Tem pessoa que acha que tirar 50 litros de leite por dia sem ter custo é melhor que aumentar a produção com gasto...mas gasto é importante, tem que ir melhorando porque a cada ano a vaca tá mais fraca, chega uma hora que ela não vai produzir mais, aí tem que investir. Tem assentamento que é um fracasso, mas tem fazenda que também é...tem muito fazendeiro que não quer trabalhar, só se acha...tem pesquisa mostrando que terra na mão de assentado é mais lucrativa que em algumas fazendas...Eu vim aqui falidinho e melhorei, tem que trabalhar, tem que querer aprender. Eu já to numa situação que posso pegar o Pronaf mais alimentos, que é o mais difícil pro assentado, o valor é de até R$ 160.000... mas é

porque eu produzo, eu pago o que eu pego no banco.48

Nesse sentido, fica perceptível a visão de um assentado de reforma agrária que já está totalmente inserido na lógica financeira do sistema econômico vigente. O fato de sua produção ser especializada em gado leiteiro revela uma atividade econômica muito forte na região, inclusive, para os menos capitalizados. Entretanto, o assentado considera mais importante do que o financiamento a própria assistência técnica. Além disso, apesar de ser um assentamento de infraestrutura consolidada, com presença de energia elétrica, casas de alvenaria em todos os lotes, a questão do acesso à água também foi citada. Estando localizado próximo a dois importantes rios, ainda é difícil a captação de água para a produção agropecuária.

Financiamento bom foi o da casa, foi 20 mil, a gente construiu ela em 2009 mas a energia elétrica só chegou em 2011 com o Programa Luz para Todos. Mas de resto...tem um poço furado pelo Incra há 5 anos mas só 1 pessoa usa, porque ela comprou uma bomba pra puxar água...eles furaram e nunca mais voltaram pra nada...quer nem saber se tá vivo ou morto...a água aqui é importante demais, eu uso uma cisterna que eu construí com meu dinheiro...a represa do Miranda que

margeia o assentamento não pode ser usada.49

48 Depoimento do Sr. M. M. S. um dos assentados do PA Paciência (Entrevista realizada em

dezembro/2014).

49 Depoimento do Sr. M. M. S. um dos assentados do PA Paciência (Entrevista realizada em

Mesmo assim, quando questionado sobre a vida no assentamento, o mesmo se mostrou muito satisfeito, apesar dos percalços e lembrou o que pode vir a ser para muitos assentados.

Gosto demais daqui, é bom demais pra mim e pra minha esposa isso aqui foi a realização de um sonho, mas pra muita gente aí foi um

pesadelo.50

Dessa forma, é perceptível a satisfação do assentado em relação à terra conquistada, apesar de enfrentar algumas dificuldades para produzir, em sua opinião, tais problemas seriam amenizados caso as políticas públicas de financiamento da produção estivessem em consonância com a assistência técnica e infraestrutura adequada nos assentamentos.

Mesmo com a visão mercadológica propagada dentro dos assentamentos de reforma agrária e aceita por muitos assentados, encontramos um outro assentado, que, diferentemente dos demais insistiu em diversificar sua produção e tem obtido excelentes resultados. No entanto, a morosidade no processo e a burocracia das instituições financeiras atrapalham o crescimento dos agricultores, em suas palavras:

A Emater que elabora o projeto pra gente produzir com o dinheiro do PRONAF, eu crio gado porque eu sei, eu gosto de investir na minha criação, já tenho 90 cabeças de gado eu e minha mulher (assentada em outro lote), mas não é fácil não...fui atrás do custeio mas o banco fica me enrolando, eu levei os documentos tudo que eles pediram mas a moça lá não tá nem ai, só fica enrolando a gente, pro banco assentado são as piores pessoas, não sei porquê, falou que é assentado eles tratam de qualquer jeito. Mas o banco não tem o tempo da agricultura, a gente não pode ficar esperando, eu preciso do custeio pra investir na minha lavoura, eu preciso desse dinheiro pra começar a inseminação artificial no meu gado... tem que investir agora pra eu colher no tempo certo e eu que tenho que ficar atrás disso porque o interesse é meu não

é do banco. Cobrar eles cobram todo dia mas o processo não anda...51

Apesar das dificuldades enfrentadas para acessar o crédito, inclusive para assentados que já utilizaram e quitaram o primeiro financiamento, o PRONAF Investimento, esse assentado optou pela diversificação da produção, em oposição à especialização produtiva e, segundo ele, representantes do INCRA que visitam o

50 Depoimento do Sr. M. M. S. um dos assentados do PA Paciência (Entrevista realizada em

dezembro/2014).

assentamento elogiam sua postura, visto que, o assentado produz praticamente tudo o que consome, desde arroz, hortaliças, frutas e milho, até porcos (Imagem 2), galinhas (Foto 3), gado, cana-de-açúcar (para alimentação animal) (Foto 4) e até alguns pés de café (Foto 5) para o consumo de sua família. Além disso, há também a produção de queijos e requeijão com o leite tirado do próprio rebanho.

A prefeitura vem aqui e quer que eu só produzo leite...quer que eu produza o que eles querem comprar, o que vende mais, mas quem tá na terra sou eu, eu que sei o que é melhor pra mim e pra minha família...o INCRA veio aqui e me elogiou, disse que eu to no caminho certo, que eu to dando certo aqui e eu vou continuar produzindo o que eu acho

que é melhor pra mim.52

Imagem 2 - PA Paciência em Uberlândia-MG: Criação de porcos

Autora: GARCIA, J.C., 2015. Fonte: Pesquisa de Campo, 2015.