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A percepção dos profissionais da escola em relação aos adolescentes

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4.2 A percepção dos adolescentes sobre a escola

4.2.1 A percepção dos profissionais da escola em relação aos adolescentes

Assim como os adolescentes, as docentes também explicitaram a relação aluno- professor como um aspecto positivo. Para elas, há mais respeito na escola do CASE do que nas escolas fora do sistema socioeducativo, como pode ser observado nos depoimentos da professora II e da coordenadora:

Olhe eu diria que é muito boa, nós temos uma relação maravilhosa, a gente se dá muito bem. Assim, eles são um pouco inquietos, mais também não é diferente da escola lá fora, que hoje são muito inquietos. E assim, tem uns que realmente rende muito, não são todos que rende, mas a gente tem alunos que realmente a gente vê o trabalho. A gente comparando a escola aqui nesse espaço eu acho melhor do que a escola lá fora, eu acho assim a maneira que eles tratam a gente com mais respeito (Entrevista: Professora II).

Eu acho muito positiva, não só comigo como os outros professores também. Olha, desde 2014 que eu estou aqui eu nunca vi esses meninos desrespeitarem, destratarem, você vai se surpreender quando você chegar na escola, a gente é anexo de uma escola, as bancas da gente estão em estado físico bem melhor do que a escola, do que lá fora, do que a escola que a gente é anexo, às vezes quando a gente tem formação ou tem capacitação, a gente comenta e tem gente que fica com aquele ar duvidoso, mas só você vendo. Eu vejo eles com muito respeito não só comigo como com todos os professores, a gente nunca teve problema de falta de respeito por nenhum adolescente, pelo contrário, a gente vê que eles tem uma boa aceitação não só com a escola como com os professores (Entrevista: Coordenadora Pedagógica).

A boa relação aluno-professora-escola é fundamental para a construção de um ambiente harmônico, sadio, de reciprocidade. Percebemos tanto na fala dos adolescentes quanto das docentes e da coordenadora essa harmonia. É um aspecto muito positivo para a escola e seu trabalho pedagógico. As docentes se sentem valorizadas, tanto que acreditam que há mais respeito entre os alunos do anexo escolar do que em escolas situadas fora desse ambiente. Durante todo o trabalho desenvolvido pela escola, a coordenadora relata que nunca houve episódios de desrespeito a algum profissional da escola. O respeito às profissionais, porém, pode ter relação com a medida socioeducativa, já que em casos de desrespeito, o adolescente pode ser responsabilizado, inclusive com avaliações negativas do desenvolvimento da medida.

A professora I relata que quando aceitou ir trabalhar no CASE, se questionava como seria a relação com os alunos, como seria estar numa sala de aula com alunos privados de liberdade, e ao iniciar suas atividades, percebe que “é uma sala de aula como outra qualquer”. Os adolescentes são alunos como os demais, não há diferença na sala de aula.

As demais professoras também relatam a sensação de incerteza em relação aos adolescentes antes de conhecê-los. Todas são contratadas pela Secretaria de Educação, fazem uma seleção pública simplificada e à medida que surgem vagas são chamadas. Quando elas aceitaram o trabalho, sabiam o que era o CASE, porque a cidade toda tinha conhecimento, mas nunca tinham trabalhado em uma instituição socioeducativa, nem prisional. A princípio, tinha o preconceito da própria classe de professores, das pessoas da rede de relacionamentos, e seus próprios, devido aos estigmas que a sociedade impõe aos adolescentes em conflito com a lei.

Apesar de, em determinados momentos, termos reconhecido resquícios desses preconceitos e estigmas, todas veem possibilidades e humanidade nos adolescentes. Elas os percebe para além do infrator, e isso se reflete na relação construída de alunos-professoras como aponta o depoimento da professora V abaixo:

Estão ali você sabe muito bem que nem conheceram o amor né, na realidade não tiveram amor, não tiveram, orientação familiar, então a gente tenta passar pra esses alunos esse amor que falta além do conhecimento que é muito importante, conhecimento é importante, mas a gente tem que passar os valores do cidadão

(Entrevista: Professora V).

No entanto, nem todos os agentes públicos possuem essa mesma percepção dos adolescentes. O relato do gestor escolar é revelador, ele percebe que a educação no espaço socioeducativo não é, nem pode ser igual ao da escola certificadora:

Diferente porque por mais que os nossos alunos aqui da escola eles tenham comportamentos, é, vamos dizer, de risco, mas eles não têm a periculosidade, eles não, nós não estamos correndo risco com eles, entendeu? Tanto quanto se corre com um aluno interno, olhe, o fato dele ser privação de liberdade já diz que aquele aluno, que ele tem uma dificuldade de interação social e os nossos alunos da casa, o fato deles não terem privação de liberdade é suficiente pra se entender que eles não tem os distúrbios de interação social, que talvez eles tenham, mas não ameaça a vida de ninguém, nem a deles mesmos, e aí assim, é diferente, o que eu bato aqui, e que ninguém vai me fazer ver que e igual, é que é diferente, o meu aluno não toca fogo no outro (Entrevista: Gestor Escolar).

O gestor não mascara sua percepção em relação aos adolescentes. Essa visão conservadora, reacionária, infelizmente é também presente entre os profissionais da FUNASE, que não reconhece os adolescentes como sujeitos de direitos. Essa perspectiva, compromete o

trabalho socioeducativo, visto que todas as possibilidades do adolescente são resumidas a condição de autores de atos infracionais. O gestor diz, que “seus alunos”, referindo-se apenas aos alunos que estudam na escola certificadora, o “fato deles não terem privação de liberdade é suficiente pra se entender que eles não tem os distúrbios de interação social”. É uma declaração, no mínimo, determinista que não faz relação com as vivências dos adolescentes, além disso, um questionamento torna-se indispensável: Que pessoa está totalmente livre de cometer um crime, e no caso de adolescentes, atos infracionais?

Preconceitos e estigmas, mais uma categoria emergente do campo, constitui-se de uma

das implicações no processo de educação no CASE. Enquanto há pessoas que percebe o adolescente para além do infrator, muitas outras não possuem esse olhar e acabam sufocando práticas de educação e humanização.

A autora Lotta (2012) analisa os aspectos que influenciam a atuação dos burocratas de nível de rua, apontando fatores institucionais e organizacionais (normas, regras, estrutura, pareceres, etc.) bem como fatores individuais e relacionais (valores, crenças, relações interpessoais, etc.). Neste sentido, podemos perceber a atuação da equipe escolar em relação aos adolescentes. Ao sobrepor valores e crenças individuais e relacionais (preconceitos e estigmas) nas práticas escolares, esses profissionais podem corroborar para a manutenção de ações que não privilegiam o educativo e para a manutenção de práticas excludentes que não promovem o desenvolvimento das capacidades dos socioeducandos.

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