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3 CULTURA CIENTÍFICA

3.1 A percepção pública da ciência

É importante que se tenha uma compreensão do papel que a ciência ocupa no imaginário da população. Essa preocupação não é nova, mas começou a ter lugar a partir da

segunda metade do século XX, lodo após a Segunda Guerra Mundial, quando mais do que em épocas anteriores, a ciência foi usada como justificativa, envolvendo a biologia, a história e a filosofia, no contexto da guerra, tendo a tecnologia como determinante para o resultado do conflito bélico, com o surgimento de armas cada vez mais sofisticadas, incluindo as nucleares. A ciência já foi vista com desconfiança por séculos e foi perseguida pela igreja durante quase 500 anos. Esse momento histórico ficou conhecido como a Idade das Trevas (entre os séculos XII e XV), em que a humanidade foi empurrada à obscuridão científica. Nesse instante da história, por exemplo, até abrir o corpo humano era tido como heresia.

Essa posição levou a ciência à clandestinidade e a um atraso significativo de novas descobertas, como a cura de doenças [vidas deixaram de ser salvas], e a elaboração de novos métodos de pesquisa e novas teorias.

Todas essas possibilidades ficaram escondidas até que “a luz da razão fosse restabelecida”, com o surgimento do Iluminismo, restabelecendo um lugar para a razão científica. Assim, a ciência surge e como tal concentra-se nas universidades e posteriormente em centros de pesquisa.

O cientista passou a compor um círculo fechado que foi definitivamente absorvido em políticas de Estado e posteriormente, também como um negócio, patrocinado por empresas privadas com o objetivo de obter lucro em troca do “apoio aos cientistas”, que por sua vez aderiram ao discurso da neutralidade acadêmica, para justificarem a submissão da sua pesquisa ao Capital.

Essa realidade começou a mudar com os avanços tecnológicos e com a rede mundial de computadores. A internet aproximou o conhecimento da sociedade, que passou a se interessar mais pelo que está sendo desenvolvido nos laboratórios, seja das universidades ou dos centros empresariais de pesquisa.

A partir dessa demanda e das condições tecnológicas é que surgem as primeiras iniciativas de mensuração da percepção pública de ciência, tendo em vista, inclusive, a aproximação que a rede propicia, dos cidadãos com os temas científicos. Cada vez mais pessoas de distintas identidades, de múltiplos valores e ideologias passaram a ser reconhecidas dentro do que se convencionou chamar de cultura científica.

Um dos desafios para a compreensão da interação entre ciência e sociedade está na avaliação de três dimensões de análises relevantes: a percepção pública, a cultura científica e a participação dos cidadãos. É através dessas dimensões que a compreensão da percepção e mensuração dessa relação ciência e sociedade passa a ser observada.

No Brasil, a primeira pesquisa sobre essa perspectiva foi realizada pela Unicamp14, juntamente com a Rede Ibero Americana de Indicadores de Ciência e Tecnologia (Ricyt/Cyted), para verificar o desenvolvimento institucional da cultura científica, a relevância de experiências de participação dos cidadãos em questões de ciência e tecnologia, a percepção e consumo de fontes de informação científica, percepção do risco associado a ciência e tecnologia e como funciona o imaginário social sobre o tema.

Os dados são significativos e foram importantes para inaugurar uma série de ações e orientações para pesquisa no país, incluindo a própria Fapesp, uma das patrocinadoras da pesquisa em 2003.

As informações sobre o Brasil começam com a afirmação de que 35,3% dos brasileiros visualizam a ciência como uma epopéia de grandes acontecimentos, 46,4% tem a imagem da ciência como condição dos avanços tecnológicos e vêem a ciência como fonte de benefícios para a vida do ser humano.

A maioria, 76,5% concorda que o desenvolvimento da ciência e tecnologia é o principal motivo da melhoria da qualidade de vida da sociedade, mesmo que dentro desse imaginário social 58,7% acreditam que somente a ciência e tecnologia não podem solucionar todos os problemas da sociedade.

Essa informação é interessante, porque mostra que a população entende que para uma efetiva melhoria na qualidade de vida da população é preciso alterações de ordem política.

No entanto, 70,4% enfatizam como fundamental a racionalidade científica e depositam sua confiança na verdade da ciência, em detrimento da fé religiosa. A afirmação de que o mundo da ciência não pode ser compreendido pelas pessoas comuns é rejeitada por 64,8% dos entrevistados, que consideram a ciência fundamental como fator de racionalidade da cultura humana, uma vez que sem a ciência “nossa sociedade seria cada vez mais irracional”.

Quanto à imagem dos cientistas, a pesquisa revelou que os brasileiros acreditam que é a vocação que leva os jovens a se interessarem pela pesquisa e que esse é o motor que impulsiona os pesquisadores em seu trabalho cotidiano, seguido pelo desejo de resolver os problemas da população. Mas 59,9% não concordam que os cientistas são os que melhor sabem o que deve ser investigado para o desenvolvimento do país, e ainda 53,1% afirmam

14 VOGT, CARLOS. POLINO CARMELO. (org.). A percepção pública da ciência. Campinas, SP. Editora Unicamp. São Paulo, SP. FAPESP, 2003.

que o governo não deve intervir no trabalho dos cientistas, ainda que seja o próprio governo que os pague.

No Brasil, 55% dos pesquisados percebem o desenvolvimento científico local e 68,5% acreditam que o financiamento pelo Estado é insuficiente, e 62,3% afirmam que o pouco apoio estatal é o principal limitador do desenvolvimento científico e tecnológico nacional.

Porém, 50,6% afirmam que a pesquisa no país não deve ser controlada por empresas, ficando clara a rejeição de que os recursos de conhecimento da sociedade sejam monopolizados e dirigidos por interesses privados.Os dados revelam um tipo de pré-conceito na relação do público com o privado. Relação que se constitui em vários centros de pesquisa pelo mundo e que começa a tomar corpo no Brasil através das PPP – parcerias público privado e em torno da Lei de Inovação.

A pesquisa termina por fazer uma avaliação de como os entrevistados acessam as informações sobre ciência e como se relacionam com ela. No Brasil, 71% dos pesquisados se consideram pouco informados sobre o tema, sendo que 36,4% consomem informações científicas regularmente pelos jornais, 23,5% por revistas especializadas e 28,4% pela televisão.

Esses dados revelam que existe uma percepção do público sobre a produção científica e que esse público pode exercer uma participação cidadã como elemento importante para tomada de decisões nas políticas públicas sobre ciência e tecnologia. Mas esse dado sobre o nível da informação no Brasil, onde dois terços dos brasileiros se considerarem pouco informados sobre ciência, revela que há interesse crescente pelo tema e que é preciso que se desenvolvam espações de divulgação da ciência na esfera pública nacional.