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3 CULTURA CIENTÍFICA

3.2 A ciência é pública

Nunca na história desse país se investiu tanto em Ciência, Tecnologia e Inovação como agora. Essa poderia muito bem ser mais uma frase do ex – Presidente Lula, que permanece válida no atual Governo da Presidenta Dilma Rousseff. Houve um aumento significativo no número de pesquisadores e doutores, conforme demonstração no primeiro capítulo.

Esses resultados demonstram que o país tem absorvido o discurso de que a ciência é necessária e mesmo fundamental para que as desigualdades e a miséria sejam substituídas pela riqueza e abundância encontradas nos países centrais.

Existe, como vimos, uma percepção pública de que a ciência pode promover esse desenvolvimento social amplamente desejado, e simultaneamente, essa percepção sobre o papel da ciência tem levado os pesquisadores a discutir a importância da divulgação científica na aproximação do público à pesquisa.

Os pesquisadores começam a perceber que a comunicação faz parte integrante do processo científico, sendo inclusive indissociável dele, devido a uma série de necessidades que vão desde a capitação de recursos e financiamentos para novos empreendimentos, além do reconhecimento e prestígio individual, almejado pelos cientistas.

Existe nesse sentido, inclusive, um consenso crescente entre os pesquisadores, quando afirmam que a divulgação é tão importante quanto a própria pesquisa. Essa afirmação é de Martine Barrère (Vogt, 2006, p. 62): “A ciência não existe sem comunicação. Essa característica a distingue de todas as atividades exercidas na sociedade. Mais que isso, a ciência é fundamentalmente comunicação”.

Dentro desse quadro é cada vez mais comum se falar em comunicação científica e tecnológica, e observa-se em todo país, seja por parte dos governos estaduais ou por iniciativas municipais, o apoio à criação de atividades no campo da cultura científica e tecnológica.

Tem acontecido cada vez mais feiras de ciência, semanas de ciência e tecnologia, fóruns de ciência e novas tecnologias, museus, parques tecnológicos, documentários, leis de incentivo e amparo a pesquisa, verbas para bolsas, o surgimento de secretarias estaduais e municipais de ciência e tecnologia, enfim, uma série de movimentos que participam do esforço de naturalização da produção científica e tecnológica.

Governos e empresas buscam um maior compartilhamento dos meios de produção da ciência para fazê–lá mais acessível. Nesse esforço, a comunicação cumpre um papel fundamental e histórico de aproximar a ciência do público, de compartilhar e estimular o surgimento de novos pesquisadores, novas descobertas. Desse esforço e dentro dessa perspectiva é que surge a expressão “Cultura Científica”, como forma de popularizar a ciência e de posicionar adequadamente esse amplo fenômeno da divulgação científica que traz para o cotidiano da sociedade, os temas da ciência e tecnologia.

Carlos Vogt avança nessa discussão ao afirmar que cultura científica é uma expressão melhor do que alfabetização científica, popularização/vulgarização da ciência, ou ainda, percepção/compreensão pública da ciência.

A expressão “cultura científica” tem a vantagem de englobar tudo isso e conter ainda, em seu campo de significações, a idéia de que o processo que envolve o desenvolvimento científico é um processo cultural, quer seja ele considerado do ponto de vista de sua produção, de sua difusão entre pares ou na dinâmica social do ensino e da educação, ou ainda, do ponto de vista de sua divulgação na sociedade como um todo, para o estabelecimento das relações críticas necessárias entre o cidadão e os valores culturais de seu tempo e de sua história (VOGT 2006, p. 24- 25).

A idéia que toma força hoje no campo científico é de que a ciência é que tem de girar em torno do público e não o contrário. Nesse embalo, a ciência e a tecnologia passam a constituir matérias cotidianas, da mesma forma que a ficção, a arte e a educação, que fazem parte do imaginário social e simbólico.

Ao mesmo tempo em que aumenta o interesse pela ciência, não podemos deixar de observar que existe uma crescente reação de seguimentos religiosos que tentam se contrapor à ciência, interferindo no avanço científico, como por exemplo, em relação a legalização/liberação das pesquisas com utilização de células tronco e clonagem. A liberação e a construção de leis que autorizam sua utilização tem forte contraposição desses segmentos religiosos.

De qualquer forma, autores como Vogt, entre outros, consideram importante o papel do público, da participação popular, no desenvolvimento científico. Para esses autores a população tem interesse em saber mais sobre genética, energia nuclear, clonagem e envolver- se nesses assuntos, na medida em que toma conhecimento deles.

O cientista Lévy-Leblond (2006) questiona o papel das instituições de pesquisa quanto à verdadeira democratização, não do conhecimento, mas do poder de decidir sobre qual conhecimento e qual pesquisa seja a mais interessante para a sociedade. Para ele o problema refere-se a democratizar as escolhas: Democratizar as escolhas científicas e tecnológicas, (...) pois o problema não está apenas em compartilhar conhecimento, mas, em primeiro lugar, em compartilhar poder. (VOGT 2006, p 31).

Os cientistas, na visão de Lévy-Leblond, não são diferentes do público no âmbito do conhecimento sobre a ciência, salvo no campo bem delimitado de suas especializações. Diante do problema das manipulações genéticas e pesquisa com células tronco, ou a clonagem, por exemplo, sentem-se como os leigos, transpassados por várias opiniões, e por várias perspectivas morais, éticas, conceituais e mesmo pela desinformação.

Mas o fato mais relevante nessa avaliação é o de que “os cientistas tem uma compreensão muito limitada, não apenas do conhecimento que produzem, mas também de seu contexto social” (LEVY 2006). Não conseguem ter uma visão estratégica do processo de construção científica, mantendo-se presos ao debate sobre a relevância intrínseca de sua própria produção científica, sem dimensionar sua relevância estratégica. Nesse sentido, fica claro que não existe uma cultura científica, no país, mas sim sua necessidade.

O problema é muito mais grave do que o acarretado por uma simples busca de meios mais eficazes para a difusão de uma cultura científica, “suposto apanágio”, dos cientistas e que precisa apenas ser transmitida ao público leigo. O problema está na (re) inserção da ciência na cultura, e isso requer uma profunda mudança do próprio modo de fazer ciência. (LEVY-LEBOND 2006, p. 33).