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H 7 : Existem diferenças entre as médias obtidas nas dimensões da Escala de Atitudes e Valores Ambientais face às diferentes posições sociais.

2. A Crise Ambiental e a Crise de Valores

2.3. Perspectivas Ambientalistas

2.3.1. A Perspectiva Antropocêntrica

O antropocentrismo caracteriza-se por uma visão instrumental da natureza. A acção humana de contolo e domínio da natureza com o objectivo de exploração dos seus recursos está pois legitimada. Esta perspectiva, característica da civilização ocidental, manifesta-se, entre outros aspectos, pelo estabelecimento de uma hierarquia das diferentes formas de vida e pode, in extremis, ser movida pelo desejo de controlo das forças da natureza. Esta perspectiva de centralidade é sistematizada e fundamentada em algumas ideias, segundo as quais, a especificidade humana, fruto das suas capacidades, coloca o Homem numa posição de domínio. O Homem é dono do seu próprio destino, e está nas suas mãos usufruir das potencialidades ilimitadas que o mundo tem para oferecer. O progresso é inerente à história da humanidade, e prova disso é a sociedade tecno-industrial, deslumbrados pelos avanços científicos e tecnológicos, esquecem a condição de seres interdependentes, seres que carecemos de auto-suficiência para manter a vida sobre o planeta e que dependem de outras formas de vida mais elementares. Mas ao antropocentrismo associa-se um leque variado de posições, algumas das quais procuram compatibilizar a centralidade humana com a utilização

49 sustentável do mundo natural. De qualquer forma, esta necessidade de conciliação, apesar de não isenta de tensões, torna inadmissíveis alguns dos caminhos de destruição da natureza entretanto percorridos.

Procurar as raízes desta centralidade humana, e da sua exclusividade moral, é percorrer, desde os gregos, quase toda a filosofia ocidental. Mas, apesar desta (quase) uniformidade no modo de pensar, é em Aristoteles, e particularmente em Francis Bacon e Descartes, que a ideia do ser humano como dominador do mundo encontra as suas raízes mais fortes. O pensamento aristotélico é influenciador, até aos dias de hoje, do pressuposto de que a Natureza foi criada para usufruto humano. Segundo Nogueira (2000), historicamente, René Descartes está na origem do mais rigoroso antropocentrismo, capaz de reconhecer quase todos os direitos ao homem e nenhum à Natureza. O antropocentrismo de Descartes e dos seus discipulos levou ao extremo a desvalorização da Natureza, em geral, e do animal em particular. De tal forma que, no presente, qualquer modelo humanista de abordagem às questões ecológicas tem, antes de mais, de combater esse estigma. Becon e Descartes abriram o caminho à aceitação da ideia de manipulação da Natureza, mas a partir do momento em que essa mesma manipulação conduz à própria diminuição da qualidade de vida humana, ela acaba por violar a finalidade do empreendimento científico, tal como estes filósofos a conceberam.

No entantanto, há autores que consideram exagerada a culpabilização destes filósofos. Segundo Jonson (1991), citado em Almeida (2007), é injusto colocar estas ideias do domínio da Natureza apenas em Bacon e Descartes porque têm outras raizes e ganharam força ao longo do subsequente desenvolvimento da ciência e da técnica. Estas ideias facilitaram, no decurso da revolução industrial, uma maior viabilidade da concepção baconiana de que o conhecimento científico implica poder tecnológico manipulativo da Natureza. Todavia, o discurso anticiência também não é particularmente util para encontar uma via que contribua para combater a presente crise ambiental. Para White (1967), citado por Almeida (2007), a teologia judaico-cristã tem sido igualmente apontada como preponderante da visão das influências de domínio da Natureza. Para este autor, o Cristianismo é a religião mais antropocêntrica que o mundo já conheceu, uma vez que estabeleceu o dualismo entre o Homem e a Natureza, ao atribuir vontade divina à sua exploração. Almeida (2007), ao citar White (1967), refere também o contributo do cristianismo na rejeição do animismo, ideia presente nas culturas pré-cristãs que defende que todos os constituintes da Natureza, vivos ou não

50 vivos, têm consciência ou espírito. Por todas estas razões, White responsabiliza, em parte, a teologia judaico-cristã pela influência nas atitudes que conduziram à gravidade da crise ambiental actual, mas não rejeita a possibilidade de que possa existir uma base bíblica para o ambientalismo.

Almeida (2007, p. 36) ao referir algumas citações da Bíblia, refere autores que têm destacado a forma como o texto bíblico tem apoiado a perspectiva de domínio sobre a Natureza.

“Desde logo, o Homem foi criado à imagem de Deus, o que lhe garante uma posição privilegiada e singular entre as diferentes formas de vida, a que não é alheia a imortalidade da alma humana, propriedade que lhe é exclusiva. Esta característica torna-o inerentemente superior aos animais e plantas e na cadeia da vida só os anjos se interpõem entre Deus e o Homem”.

Além disso, os dez mandamentos, considerados a base da moralidade ocidental, contemplam exclusivamente as relações entre os homens e Deus e dos homens entre si. As afirmações da Bíblia que mais vezes são evocadas na defesa destas ideias são:

“Façamos o ser humano à nossa imagem e semelhança, para que dominem sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre os animais domésticos e sobre os répteis que rastejam pela terra” (Génises:1p.26); “Crescei e multiplicai-vos, enchei e dominai a terra. Dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todos os animais que se movem na terra” (Génises:1p.28).

Todavia, a interpretação do texto bíblico raramente é consensual. Por exemplo, ao citar Clark (1990), Almeida (2007), alerta para o facto de em hebraico existirem palavras diferentes, com sentidos igualmente diversos. Daí que a citação da passagem (1p.26) da Bíblia possa significar a afirmação de uma grande responsabilidade perante o bem-estar de todos os seres na Terra. Apesar da aceitação destas ideias no mundo ocidental, puder-se-ia argumentar que o declínio da influência da religião nas sociedades modernas conduziria igualmente ao atenuar das formas de maior exploração da Natureza. White (1967), citado por Almeida (2007), recorda que vivemos numa época pós-cristã, mas continuamos a construir as nossas vidas sob a influência profunda dos seus axiomas ou dogmas, a começar pela confiança implícita no progresso contínuo. Nogueira (2000), ao citar Grun (1996), refere que a influência dominante e profunda do paradigma da modernidade, fundado no racionalismo, no mecanicismo e no antropocentrismo sobre a estrutura conceptual da educação moderna desde o Séc. XVII, e a influência dominante de pensadores como Descartes, Bacon, Galileu e Newton,

51 foram decisivas para as concepções pedagógicas desde então e que sobrevivem nos nossos programas mentais, na nossa cultura e no nosso modo de pensar, sentir e agir como indivíduos sociais.

A mentalidade antropocêntrica, acredita que todos os problemas podem ser rectificados através da ciência e da tecnologia e que os seres humanos possuem um estatuto superior a qualquer outra espécie. E foi este modo de pensamento, orientado para o crescimento, consumista e materialista, sem preocupações para com a Natureza que nos conduziu ao actual estado do planeta. O humanismo renascentista e o racionalismo cartesiano são, sem dúvida, os elos mais sistemáticos da cadeia geradora de um tipo peculiar de antropologia que coloca ao homem a missão de se apropriar e controlar a Natureza, gerindo também o destino dos outros homens enquanto coisas (Soromenho-Marques, 1994).