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H 7 : Existem diferenças entre as médias obtidas nas dimensões da Escala de Atitudes e Valores Ambientais face às diferentes posições sociais.

2. A Crise Ambiental e a Crise de Valores

2.3. Perspectivas Ambientalistas

2.3.2. A Perspectiva Biocêntrica

Ao contrário do antropocentrismo, o biocentrismo rompe com a perspectiva da mera atribuição de valor instrumental aos seres vivos, e a vida é transformada no centro de todo o valor, tanto mais que a maior parte dos seres vivos não revela qualquer utilidade para o ser humano, pelo menos de forma directa. Consequentemente, a especificidade do ser humano não pode servir de justificação para desconsiderar os outros seres vivos, mesmo que se evoque que a mente humana é algo de verdadeiramente único no Mundo. Ao longo dos séculos, não foram frequentes as referências à consideração moral das outras formas de vida. Mas esta indiferença não deixou de ser acompanhada por uma certa relação de proximidade entre os seres humanos e os outros seres vivos.

Nogueira (2000), refere que a partir do final do século XVIII, Jeremy Bentham, em está na origem de uma tradição filosófica que se estende até aos nossos dias, o utilitarismo. A maior felicidade para o maior número possível de indivíduos abrangidos desde logo se tornou o seu princípio fundamental. Maximizar a felicidade quer também dizer, claro está, minimizar o sofrimento. Neste contexto, o utilitarismo, antítese do cartesianismo e da sua teoria do animal-máquina, reivindica um direito dos animais (e não só um dever dos homens para com eles). Peter Singer é, no presente, o mais produtivo rosto do utilitarismo, ao publicar, em 1975, o livro Animal liberation, considerando o animal como sujeito moral, provido de uma dignidade intrínseca. A

52 obra, de resto, estabelece as bases para, a partir daí, se esboçarem as duas grandes finalidades ético-políticas do novo milénio: estabelecer uma relação de controlo mútuo entre a sociedade e os indivíduos, por meio da democracia, e conceber a Humanidade como comunidade planetária (Nogueira, 2000). Apesar de hoje se multiplicarem as perspectivas éticas ambientais concorrentes, todas elas estão de acordo no seguinte ponto, genericamente, não devemos tratar os animais da maneira como actualmente os tratamos.

Ferry (1992) é um exemplo cimeiro no contexto dos filósofos que actualmente se insere na corrente a que se costuma chamar ecologia ambientalista. Para esta filosofia a Natureza é considerada de maneira indirecta, não sendo, portanto, entendida como um sujeito de direito, que possua um valor intrínseco. Por oposição, os chamados ecologistas radicais entendem que a nossa herança moderna está contaminada pelo antropocentrismo e propõem a instituição de novos sujeitos de direito, como forma de reabilitar a Natureza. Ferry, afasta-se do antropocentrismo cartesiano, mas inscreve-se numa tradição humanista herdeira de Rousseau e de Kant, que, embora reconheça o homem como único ser titular de direitos, não deixa de o considerar ligado por certos deveres aos animais, nomeadamente o de não lhes infligir sofrimento desnecessário, possibilitamos que o animal deve viver feliz de acordo com a sua natureza. Defende a ideia de banir a crueldade para com os animais, porque ela traduz uma má disposição da natureza humana, ou mesmo porque corre o risco de incitar os seres humanos à violência.

Em contrapartida, é insensato tratar os animais, seres da Natureza e não da liberdade, como pessoas jurídicas, até porque “a noção de crime implica, aos nossos olhos, a de responsabilidade”. Embora reformista, Ferry é herdeiro de uma postura ética, segundo a qual temos deveres indirectos para com os animais. Segundo o autor, estes deveres para com a Natureza assentam na preocupação de reconhecer e, tanto quanto possível, de preservar o que nela já parece ser humano e se aproxima das ideias de liberdade, beleza e finalidade. Segundo Soromenho-Marques (1994), os seres vivos e inanimados, bem como os sistemas por eles formados, passam a ser defendidos não pelo reconhecimento de direitos intrínsecos à Natureza e seus componentes, mas por uma série de deveres que os humanos se impõem respeitar relativamente a eles, não somente no plano ético, mas jurídica e politicamente. Eis alguns dos argumentos que militam a favor desta renovação ético-jurídica do humanismo e que passamos a citar:

53 intrínseco à Natureza, ou a qualquer dos seus membros, não pode violar a génese humana de todo o valor, como criação humana. A Natureza existe em si e por si, mas o valor que ela tem somos nós que o outorgamos.

-Argumento de rigor conceptual: A atribuição de direitos só tem sentido no

âmbito das relações jurídicas, que implicam o respeito por duas condições/princípios, que tornam as relações jurídicas num sistema jurídico de referência.

-O argumento do campo propício para a abertura teórica: A colocação dos direitos do ambiente como uma nova geração dos direitos humanos fundamentais cria o terreno para uma disputa teórica frutífera, impedindo o terrorismo ideológico e prático daqueles que se autopromoveriam à condição de advogados anti-humanistas das outras criaturas.

-O argumento da temporalização e da tradução política dos direitos: Hoje a pergunta pelos direitos dos seres naturais passa pelo reconhecimento de que a preservação dos ecossistemas é fundamental para a preservação dos direitos humanos num tempo longo: justiça entre gerações.

-O argumento da responsabilidade num horizonte planetário: A tutela humana sobre os direitos do ambiente permite uma identificação mais clara da nossa condição de seres integrados na Natureza. Permite-se, com isso, uma clara passagem para o domínio político em sentido amplo, ultrapassando aquele terrível equívoco de que as relações internacionais do nosso tempo se alimentam, onde “os direitos nacionais obscurecem as responsabilidades globais”. Só uma solidariedade inevitável entre povos e gerações e uma vontade política central transformará o século XXI no século do regresso à Terra ou se quisermos, no “século do ambiente”.