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2. PERSPECTIVAS CONTEMPORÂNEAS PARA PENSAR O CONHECIMENTO E

2.2 A perspectiva Arendtiana

A essência da educação é a natalidade, o fato de que seres humanos nascem para o mundo. Frase conhecida e já quase uma “máxima” de Hannah Arendt (2016) em seu ensaio sobre A crise na educação. Com essa afirmação introdutória queremos dizer que a educação

37 escolar surge como artifício dada a necessidade de acolher, introduzir e apresentar os novos a um mundo já existente e estruturado muito antes do seu nascimento, tornando-os sensíveis a este mundo e à tradição que decorre a partir dele.

No ensaio supracitado, Arendt afirma que a crise na educação é consequência de uma crise de amplitude maior. Para a autora a crise apresenta-se como uma crise na modernidade atingindo as várias esferas da sociedade. No entanto, ao falar deste momento de incerteza a pensadora mostra-se otimista, pois considera que a crise permite a reflexão e a volta para os problemas mesmos, dando oportunidade para um momento de crítica. Abre-se a possibilidade de apontamento das fragilidades do sistema educacional, bem como a revisão daquilo que se tinha como segurança, como certeza que antes emoldurava um passado tido como perfeito.

Arendt (2016), apesar de se considerar leiga no âmbito educacional, apresenta conceitos-chave e diferenciações que nos ajudam a imprimir um sentido para a educação, defendendo que “a educação é uma das atividades mais elementares e mais necessárias da sociedade humana a qual não permanece nunca tal como é mas antes se renova sem cessar pelo nascimento, pela chegada de novos seres humanos” (2016, p. 234). Elabora o que a escola tem de mais essencial na sua criação, em outras palavras, nos auxilia a voltar à gênese da educação escolar, que sob nossa ótica é a iniciação dos jovens no mundo do conhecimento. Esta iniciação para Arendt seria a inserção numa tradição, a entrada num mundo artificial de realizações simbólicas e materiais.

O nascimento de crianças e, com isso, a obrigação das sociedades humanas com a educação, é visto sobre dois planos nos escritos arendtianos. O primeiro, o nascimento para a vida, que ocorre para todos os seres, a criança compartilha o estado de devir com todos os seres se considerarmos a vida e sua evolução. Já o segundo, o fato de nascer para um mundo, a natalidade, é exclusivo dos seres-humanos, somente eles podem ser inseridos num mundo de cultura, sendo que a compreensão, preservação e renovação deste mundo serão viabilizadas pela educação.

Os pais humanos, contudo, não apenas trouxeram seus filhos à vida mediante a concepção e o nascimento, mas simultaneamente os introduziram em um mundo. Eles assumem na educação a responsabilidade, ao mesmo tempo, pela vida e desenvolvimento da criança e pela continuidade do mundo (ARENDT, 2016, p. 235).

Podemos dizer, nos apropriando da elaboração de Carvalho (2017), que o recém- chegado recebe, ao adentrar o mundo humano, uma espécie de herança que se apresenta como representações simbólicas e materiais. Para que esse novo ser possa conhecer, usufruir e zelar

38 por esse legado é imprescindível que o mesmo lhe seja apresentado por aqueles que já o conhecem, que aqui estão antes dele: os adultos. Destacamos diante disso a essencialidade da tarefa educacional no acolhimento destes “estranhos” num mundo preexistente, bem como seu imenso compromisso de despertar o amor e a necessidade de preservação do mesmo.

Trata-se de construir e compreender sentidos, entender aquilo que temos em comum entre nós, entre aqueles que estiveram aqui antes de nós e os que ainda virão, já que não há um ponto de orientação no mundo, um “gabarito” prévio, tudo com o que podemos contar é a tradição. Conforme Carvalho (2017), é preciso fazer dessa herança compartilhada sua própria herança, imprimir-lhe novas configurações e constituir-se em sujeito a partir dessa relação com o já instituído e com o que começa a tomar forma. A instauração do que a autora chamava de “senso comum” é o que garante a manutenção e a possibilidade do novo, afinal foi por meio dele que chegamos até aqui. É justamente a perda desta unicidade, o descuido com a educação e sua relação com a comunidade que faz com que a crise se manifeste.

O desaparecimento do senso comum nos dias atuais é o sinal mais seguro da crise atual. Em toda crise, é destruída uma parte do mundo, alguma coisa comum a todos nós. A falência do bom senso aponta, como uma vara mágica, o lugar em que ocorreu esse desmoronamento (ARENDT, 2016, p. 227).

Assim como o senso comum parece ter desaparecido, o lugar-comum em que todos podiam ter a sensação de pertencimento também parece não mais existir, pois cada vez menos nos sentimos integrantes de algo, além de precisarmos constantemente nos reafirmar nos diversos espaços que são apropriados por poucos que ditam novos critérios para fazer parte do que antes era de todos.

Tudo é de uma absurda efemeridade, e esse lugar-comum, que antes era visível, hoje já não conseguimos mais identificar [...]. Tudo parece ter um dono, até mesmo instituições que sempre foram marcas importantes de acolhimento humano, como a religião, a escola, o trabalho e a família (MORAES, 2018, p. 14).

A argumentação de Arendt é em direção de um sentido público para a educação, que resulte em um significado para a vida social. Afirmação que vai na contramão de um ensino que almeje somente competências e habilidades para a atuação e inserção no universo da produção e do consumo de mercadorias. Imprimir um sentido público para a educação é atribuir valor à participação e à renovação do mundo pelos novos, é assumir a responsabilidade pelo mundo comum já existente e o que ainda está por vir, é apostar num ensino não só instrumental, mas formativo, em resumo, é atribuir um sentido ético e político à

39 tarefa de educar. A não-observância ou não-aposta num significado mais alargado para o fazer da educação acaba por substituir “o sentido público e político da formação por seu valor de mercado” (CARVALHO, 2017, p. 30). Ainda:

O que seria a iniciação numa herança cultural pública − como a filosofia ou a poesia − passa a ser concebido como a transmissão de um capital cultural privado, cujo valor pode ser aferido a partir de seu impacto em outras dimensões da existência, em geral ligadas à produção ou ao consumo de novas mercadorias (CARVALHO, 2017, p. 30).

Uma educação que se pretenda republicana pressupõe a separação entre o público e o privado, que na concepção condorcetiana está em distinguir instrução de educação conforme já explicitamos. Em Arendt, a preocupação é recorrente, posto que a autora mostra-se apreensiva com a diluição das fronteiras entre o público e o privado. A esfera privada em Arendt, assim como em Condorcet, é a família. É neste lugar que emergem todas as necessidades e interesses individuais, já a esfera pública é construída a partir do estabelecimento de um mundo comum, que nos coloca ao lado de outros homens em condições de igualdade. É o compartilhamento do universo simbólico e material.

O processual desaparecimento dos limites demarcados entre o público e o privado traz prejuízos aos recém-chegados, dado que a criança não conta mais com a proteção da esfera privada, podendo ser exposta abruptamente à esfera pública e não gradualmente, que levaria em consideração a novidade do mundo para este ser. Dito de outro modo, negar à criança a heteronomia precocemente não consiste em libertá-la, mas sim abandoná-la.

Quanto mais completamente a sociedade moderna rejeita a distinção entre aquilo que é particular e aquilo que é público, entre o que somente pode vicejar encobertamente e aquilo que precisa ser exibido a todos à plena luz do mundo público, ou seja, quanto mais ela introduz entre o privado e o público uma esfera social na qual o privado é transformado em público e vice-versa, mais difíceis torna as coisas para suas crianças, que pedem, por natureza, a segurança do ocultamento para que não haja distúrbios em seu amadurecimento (ARENDT , 2016, p. 238).

A medida que o espaço público invade o privado e vice-versa a tendência ao desaparecimento do homem público se fortalece. O movimento de homogeneização entre essas duas esferas ocorre como que numa troca de papeis, que nos confunde fazendo com que a maioria da sociedade marche na mesma direção. Os desejos e interesses individuais (privados) passam a ser protagonistas do espaço público, tomando ares de necessidades

40 coletivas, bem como características inerentes à esfera pública exigem seu lugar também na vida privada.

Um exemplo de uma certa inversão de papeis estaria no que se torna assunto público hoje, a maioria dos assuntos que os canais de comunicação privilegiam pertencem ao âmbito da esfera privada, como a exposição de todos os aspectos da vida de figuras públicas em detrimento a assuntos/pautas com um sentido público, justificando que estes últimos dizem respeito somente ao privado e individual, por vezes sacralizando-os como assuntos de especialistas ou simplesmente abandonando-os ao nível da opinião. Dessa forma algumas pautas não estão suscetíveis a contestações ou divergências, uma vez que caracterizando-se como opiniões a máxima é de que “cada um tem a sua”, ou colocando estas mesmas pautas como seara de especialistas, não sendo possível tomar parte em algo que não se conhece em profundidade.

A educação, por sua vez, terá de lidar com a progressiva diluição e desaparecimento das fronteiras entre as duas esferas. Entendemos que não se trata de naturalmente incorporar tal mudança, isto é, adotar e legitimar os discursos pedagógicos contemporâneos que concebem a educação como um investimento privado, e sim buscar diferenciações cabais para que, pelo menos na escola, estas fronteiras estejam bem definidas. Esta é uma responsabilidade que o educador não poderá “abrir mão”, o mesmo acontece com a tradição e a autoridade que não podem ser renunciadas pela educação.

Os dois termos acima, tradição e autoridade, apesar de sofrerem uma ruptura na modernidade, são fundamentais ao ato educativo segundo a autora.

O problema da educação no mundo moderno está no fato de ela não poder abrir mão, em decorrência de sua própria natureza, nem da autoridade, nem da tradição, embora se veja obrigada a trilhar seu caminho em um mundo que não é estruturado pela autoridade nem tampouco mantido coeso pela tradição (ARENDT, 2016, p. 245-246).

Dito isso, há que se compreender o que a autora concebe por autoridade e tradição, bem como os desdobramentos dessas noções. Começando pela primeira, a distinção inicial a fazer é que não se está falando da autoridade que tem sua origem na coerção ou na violência e sim de uma autoridade que tem como legitimidade o passado. O professor é o representante deste constructo de tradições e símbolos materiais ou imateriais que transcende gerações. O passado apresenta-se como modelo para a significação da prática educativa, além de poder ser a garantia de conservação do mundo.

41 O ato de educar, segundo Carvalho (2017), é assimétrico se pensarmos na relação professor-aluno. Essa assimetria se deve ao fato de que o aluno será inserido em um mundo que o precede, no qual o professor é seu representante, estando assim numa posição temporariamente superior a do educando. Admitir essa relação de disparidade entre educador e educando é um desafio em um contexto em que se busca e se valoriza a plena igualdade entre as partes em qualquer processo, seja qual for o âmbito social.

A educação não pode prescindir da autoridade porque ela pressupõe sempre um agir sobre o outro, esse agir não é pacífico, muitas vezes se dá em confronto, em oposição. A autoridade do professor no agir educativo funda-se no seu papel de responsável pelo mundo (ARENDT, 2016). Recusar a autoridade representa um descaso com a transmissão de um legado, é admitir que o passado já não tem nenhuma influência sobre o presente. Reconhecer a autoridade do professor e da escola frente à tradição é reconhecê-los como fontes confiáveis de orientação e justificações de todos os princípios e regras desse mundo novo que se apresenta aos neófitos.

Creditar autoridade a alguém significa, pois, reconhecê-lo capaz de esclarecer o obscuro, fazer escolhas e apontar rumos quando – ou enquanto – não somos capazes de fazê-lo exclusivamente com base em nossa própria capacidade de julgar.

Assim, reconhecer alguém como autoridade implica tê-lo como um exemplo ou referência por acreditar que ele saiba mais, possa mais ou tenha mais experiência no trato com este mundo, com suas linguagens e práticas. Não se trata de uma submissão cega a outrem, mas antes de uma filiação que não nos obriga, embora nos submeta a uma influência em princípio desigual. Uma submissão que, paradoxalmente, finca as bases a partir das quais alguém poderá vir a constituir-se como um sujeito autônomo (CARVALHO, 2015, p. 983).

A formação de um sujeito autônomo, um dos objetivos mais caros da educação republicana, passa pela submissão do aprendiz às competências e ao conhecimento de outro, neste caso o professor. Mesmo que isso tome a forma de um paradoxo, submeter-se para posteriormente ganhar autonomia, entendemos que é somente por essa via − do legado da tradição − que estará garantida a constituição do sujeito capaz de agir por si mesmo, guiado pela sua própria razão.

É necessário que se admita a assimetria existente entre professor e aluno, que provém do fato de o professor estar antes no mundo que o jovem que será iniciado. Ele é o mediador entre o antigo e o novo, colocando-se responsável pelo mundo. Essa assimetria deverá ser diminuída ao longo do tempo, conforme o trabalho do educador evolui em sua “apresentação do mundo” a distância hierárquica entre ele e o educando é reduzida. É o que se poderia chamar de vocação suicida do professor: profissional que trabalha para se tornar dispensável.

42 A autoridade é validada pela tradição. O professor está autorizado por uma tradição que o antecede e a qual ele representa e respeita. Se pensarmos em seu sentido dicionarizado, a palavra tradição significa entregar, transmitir, transferir de alguma forma algo que é comum a uma determinada comunidade. Nesse sentido, tornar patente a tradição na escola é lançar um olhar para o passado, de modo que esse olhar seja capaz de discernir aquilo que se deseja preservar daquilo que será esquecido.

A tradição assegura a construção do mundo comum, pois ela não é mera escolha individual do que deve ser conservado, e sim a escolha coletiva daquilo que não pode se perder. É a representação de um coletivo, a prova de que existe algo comum entre nós, ou melhor, é a possibilidade de um “nós”. A continuidade e preservação desse mundo depende da chegada dos novos e de sua inserção nesse ambiente temporariamente desconhecido e estranho a eles.

[O mundo] é criado por mãos mortais e serve de lar aos mortais durante tempo limitado. O mundo, visto que feito por mortais, se desgasta e, dado que seus habitantes mudam continuamente, corre o risco de tornar-se mortal como eles. Para preservar o mundo contra a mortalidade de seus criadores e habitantes, ele deve ser continuamente posto em ordem (ARENDT, 2003, p. 243).

A educação, se guiada pela tradição e autoridade, deve conferir às crianças uma referência comum ao modo de ver, julgar, compreender seu lugar neste mundo. Se o objetivo da escola é formar para a autonomia necessitamos de sujeitos atores, protagonistas e não de meros espectadores, ou, o que é pior, vítimas e testemunhas de uma história que não ajudaram a construir e à qual não conseguem atribuir sentido. Falamos aqui de um sentido abrangente ou compartilhado e não de micro sentidos que se originam em pequenos grupos ou individualmente.

Brayner (2008) atribui esse movimento à formação da cidadania, que em sua concepção − guiada pelo olhar arendtiano − é a consciência da cultura, reconhecimento e afirmação de identidades, o apropriação e defesa de uma responsabilidade coletiva, bem como o desejo de uma vivência democrática. Para este autor, a escola é promotora de tais sentimentos, e a sua limitação ou refutação representaria uma ameaça à vida em conjunto. Apesar da escola caminhar para uma educação cidadã, ela não produz o cidadão, ela é uma aposta que os cidadãos venham a ter uma vida ativa e apareçam no espaço público.

A possibilidade de o indivíduo se tornar visível no espaço público é que todos partam de um mesmo lugar. Esta saída de um mesmo ponto, um ponto comum, é garantida pela apropriação da tradição. Significa que categorias e valores públicos oferecem-se à orientação

43 do pensamento. Espera-se que a educação, situada entre o nascimento e a inserção do mundo público, seja suficientemente “convincente” ao ponto de ser capaz de engajar os jovens em sua responsabilidade pelo mundo, de modo que participem do espaço público junto de outros homens construindo, conservando e aprimorando o senso comum.

Posto que a tradição e autoridade apresentam-se como imprescindíveis à educação, como ensejadoras de um sentido público para a mesma, a autora chama a atenção em seu ensaio para a dificuldade da presença no espaço escolar, visto que a modernidade promove a ruptura de ambas. Como a escola conseguiria andar na contramão de um contexto muito maior? Como fazer que os aprendizes venham a assumir a responsabilidade pelo mundo comum quando tudo o que os rodeia aponta para o oposto? Sobre tais questões a autora não apresenta respostas. O que fica claro, no entanto, é que nós, como professores e adultos, não devemos ignorar ou refutar a tarefa que se coloca como essencial na educação: acolher e apresentar o mundo aos recém-chegados.

Embora aponte para o impasse, não nos são apresentadas soluções para a crise na educação. Nos são trazidos alguns equívocos cometidos na tentativa de resolvê-la. Equívocos tomados como medidas que a pensadora considera catastróficas na intenção de solucionar ou diminuir os efeitos da crise. O que faremos em seguida é explicitar tais iniciativas e orientações, bem como alguns desdobramentos prévios.

A primeira tendência é o aceite de que as crianças não comungam do mundo dos adultos, assim dando vida e forma a um mundo infantil, como se adultos e crianças não dividissem o mesmo mundo. A autonomia nessa perspectiva é adquirida ao serem igualadas aos outros do seu grupo. O prejuízo disso é que nesse contexto a criança está subordinada à autoridade de um grupo, que é sempre mais forte e, às vezes, mais perversa do que a imposição de um único indivíduo. Além disso, é pouco provável que inserida nesse grupo a criança tenha a possibilidade de agir por sua própria iniciativa, já que ela estará sempre submetida a uma espécie de tirania da maioria.

Diante do absolutismo do mundo da infância é que emerge a segunda orientação ou inclinação, que acaba por tomar grandes proporções e povoar até hoje a maioria dos discursos e tendências educacionais. Esta concepção vai de encontro ao que propomos e defendemos nesta pesquisa, pois é a aceitação da pedagogia como uma ciência do ensino em detrimento à matéria efetiva a ser ensinada. Essa atitude libera o professor do domínio da matéria, bem como retira aquilo que legitima sua autoridade: o saber, o conhecimento. É como se a

44 pedagogia possibilitasse ensinar qualquer coisa, colocando algo de mágico e metafísico nessa tarefa.

Da aceitação do pressuposto acima decorrem várias outras questões e danos à tarefa educativa, dentre as quais destacamos a negligência na formação dos professores, visto que a matéria não é mais importante que a “arte de ensinar”, resultando num professor que sabe pouco mais que seus alunos, a teoria da aprendizagem que se instituiu libera o professor de toda autoridade conferida por sua competência. Liberando o professor da autoridade, libera também da tradição, pois, conforme explicitamos, a sobrevivência de ambas se dá pela coexistência. A tradição no currículo escolar apresenta-se como o saber elaborado.

Entendemos ser importante esclarecer que não estamos desconsiderando a importância da pedagogia ou deixando ela à margem, e sim enfatizando e defendendo a magnitude, dimensão e essencialidade do professor competente em sua matéria, munido do saber necessário para exercer a docência de maneira plena.

A última hipótese equivocada, segundo Arendt, é a de que a compreensão e o aprendizado se dão por intermédio do fazer. A internalização dos conteúdos se dará pelo exercício constante da prática. É o que hoje se chama de aprender-fazendo ou pedagogias ativas. Essas fórmulas pragmáticas partem da ideia de que a produção do saber está diretamente ligada ao fazer e, ainda, de que a educação tem um fim imediato, no sentido de que os conhecimentos devam ter uma funcionalidade imediata. O sentido dos aprendizados sob tais perspectivas ocorre se o aluno pode aplicar em alguma situação o que acaba de aprender. Esse caminho dá um caráter instrumental à educação, bem como torna absoluto o mundo da criança.

A ênfase demasiada no aluno, no saber fazer, nos processos cognitivos, na experiência ou nos conteúdos direcionados à empregabilidade, acabam por deixar escapar a essencialidade da escola, isto é, a inserção e transmissão da tradição aos novos. Esse movimento se dá sem compromissos imediatos. O “compromisso” seria com o fazer emergir uma responsabilidade coletiva, uma preocupação com o mundo. A educação, cumprindo com o seu dever de ensinar, ao transferir um legado da tradição composto pelos conhecimentos construídos ao longo do tempo, por si só seria capaz de contemplar as preocupações que aparecem em relevo

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