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DA TRADIÇÃO CONDORCETIANA A MICHEL YOUNG

O presente capítulo visa estabelecer diálogos entre os teóricos tratados ao longo desta pesquisa. Buscaremos promover aproximações entre os escritos dos diferentes autores aqui tratados, no entanto, não há garantia de simetria, mas, sim, a abertura de possibilidades de pensamento sobre tais posturas, de modo a reconhecer insuficiências, alinhamentos e distinções entre elas. É como um momento de revisão do já afirmado.Com vistas ao estabelecimento do diálogo chamamos à conversa o sociólogo Michel Young e suas potentes ideias. A intenção é, de forma simultânea, apresentar as posições e contribuições do autor, aproximando-as do que já tratamos nos capítulos anteriores. A escolha por Young é carregada por uma ideia de fechamento de nossa defesa, uma vez que o mesmo sintetiza e atualiza o que procuramos defender ao longo de nossa produção dissertativa.

É inegável e explícita a crise enfrentada pela educação. Cotidianamente nos são apresentados – pelos mais diversos meios, não sendo assim informações específicas de profissionais da educação – dados que nos mostram a “falência” do sistema educacional, motivando o descrédito na educação pública e, principalmente, nos profissionais que atuam nesse espaço. Matérias jornalísticas que informam a inapetência dos estudantes de escolas públicas para realizarem tarefas simples como ler, escrever, interpretar e calcular usando as quatro operações. Pesquisas colocam o Brasil na lanterna no tocante ao ranking da qualidade da educação. Exames que medem capacidades como as citadas denunciam a imperícia de nossos estudantes. Tais índices levam inevitavelmente a procurar/apontar os culpados e, o que é ainda pior, a suspeitar da educação formal, contribuindo para o seu desaparecimento.

É possível refletir com questões do tipo: “Por que nossos estudantes não aprendem?”, “Por que a escola pública assume tantas tarefas que fogem à sua alçada?”, “Quais são as atividades específicas da educação?”, “Como obter excelência no desenvolvimento das funções educacionais?” e/ou “Como o currículo pode contribuir para o enfrentamento da crise na educação?”. Certos de que não temos respostas para todas as perguntas, nos propomos a pensar sobre elas e buscar possibilidades de resposta, tentativas de reflexão e desdobramentos com movimentos de retorno aos problemas, bem como apontamentos mais diretos relacionados a situações práticas e discursos que povoam o espaço escolar.

61 O sociólogo Michel Young foi um reconceptualista17 e um dos líderes do movimento denominado “Nova Sociologia da Educação” (NSE) que, conforme Silva (2015), propunha um olhar para o processo de aprendizado compreendido entre a entrada do aluno na escola e sua saída – esta última quase sempre com resultados insatisfatórios no tocante às avaliações – em detrimento do que vinha ocorrendo até então: a observação somente das extremidades do todo, isto é, a entrada e saída do aluno em números, a chamada sociologia aritmética.

Esses autores defendiam uma posição basicamente racionalista do currículo, argumentando em favor de um currículo que estivesse centrado no desenvolvimento do pensamento conceitual. Para essa finalidade, o currículo deveria se centrar em “formas de compreensão” que, embora não fossem definidas exatamente em termos das disciplinas acadêmicas, coincidiam em grande parte com elas (SILVA, 2015, p. 66).

Apesar de ser um dos líderes do movimento, hoje, o mesmo autor faz algumas ressalvas em relação às pautas defendidas por ele no passado. Não há uma mudança radical, o que se tem é uma revisão e uma transformação na análise de questões referentes ao currículo. Essa mudança de postura ocorre quando o autor percebe que algumas críticas poderiam desembocar em consequências prejudiciais à formação dos estudantes, bem como a uma teoria do currículo.

A principal crítica da NSE era a de que o currículo era a representação e expressão do poder na sociedade. Deste modo, ele determinaria como e para quem são distribuídas as diversas oportunidades educacionais, postulam Galian e Louzano (2014). Porém, Young percebe que a admissão destes pressupostos, de forma radical, poderia acarretar algumas dificuldades em alcançar o que hoje para ele é o mais importante: a disponibilização do “conhecimento poderoso”.

Da mesma forma, Masschelein e Simons (2017) trazem que esta também é uma acusação – de que a escola atende apenas aos interesses de uma minoria privilegiada – feita à escola por aqueles que desejam atacá-la com vistas ao seu desaparecimento.

17 A corrente reconceptualista surge no final dos anos 60 com a publicação de materiais que colocavam em xeque tanto as teorias quanto a estrutura tradicional do currículo, que se restringia a atividades técnicas e tinha muitas semelhanças com uma fábrica ou empresa, isto é, a preocupação estava em como fazer e não o que fazer (SILVA, 2015).

62 (...) a escola é uma invenção do poder até o último detalhe. A divisão dos alunos em classes, o sistema de exame e, especialmente, o currículo e os vários cursos de estudo e abordagens educacionais – tudo isso é um meio ou um instrumento para perpetuar o poder. O que torna a escola perversa, de acordo com os acusadores, é que ela, obstinadamente, continua a acreditar em sua autonomia, liberdade e poder pedagógico de julgamento neutro, o que, supostamente, serve para garantir oportunidades iguais ou justificar o tratamento desigual. Não negamos essa corrupção, mas argumentamos que as sempre presentes tentativas de cooptação ocorrem justamente para domar o potencial distinto e radical que é exclusivo do escolar em si mesmo (MASSCHELEIN e SIMONS, 2017, p. 15).

Quer dizer que não se recusa a ideia de a escola ser um instrumento de poder, ou expressão dos interesses de uma minoria dominante. O que se faz é ultrapassar essa compreensão para conceber a escola e o tempo escolar como capaz de disponibilizar saberes, conhecimento e cultura de forma igualitária, sem determinantes definitivos como talento, habilidade e renda. Ao fazer isso a escola abre possibilidades antes impensadas pelos alunos. Essa função específica da escola acaba então por não agradar àqueles que tem a ganhar com o status quo, e que esforçam-se para que ele seja visto de forma natural.

Destacamos duas principais preocupações de Young ao rever seu posicionamento mais alinhado à NSE na época. A primeira delas, segundo Galian e Louzano (2014), é que se o currículo é uma forma de alguns grupos legitimarem suas perspectivas, o conhecimento envolvido nessa construção fica de difícil distinção – entre escolar e cotidiano – acabando muitas vezes por serem vistos como equivalentes. A segunda, fortemente ligada à primeira, reside na possibilidade de que a dificuldade de diferenciação entre os conhecimentos fragilizaria tanto o currículo quanto o conhecimento especializado, facilitando o direcionamento de críticas a estes. Em entrevista Young (2014) explica a revisão de suas ideias iniciais na NSE:

Ao longo dos anos, gradualmente, escrevi alguns artigos sobre essa teoria do currículo como um conjunto de relações de poder. Aos poucos, percebi que, no fundo, ela não se apoiava numa boa noção de conhecimento. Tendia a ver o conhecimento como qualquer coisa. Dessa forma, as relações institucionais de poder, a burocracia, ou o que acontece em uma fábrica, ou numa família, tudo era considerado conhecimento. Mas percebi que essa talvez não fosse uma ideia muito adequada para definir o conhecimento, porque há um tipo de conhecimento que é produzido em qualquer sociedade, e que, na verdade, é o melhor que se desenvolveu para explicar o mundo. E há uma razão para que ele seja considerado melhor (YOUNG apud GALLIAN e LOUZANO, 2014, p. 1115).

Young entende que conhecimento deve ocupar lugar central nas discussões sobre educação e currículo, desenvolvendo uma sociologia do conhecimento que se ocuparia de “destacar o caráter socialmente construído das formas de consciência e de conhecimento, bem

63 como suas estreitas relações com estruturas sociais, institucionais e econômicas” (SILVA, 2015, p. 66). O autor aposta no conhecimento como válido e legítimo se o mesmo contribui para a libertação humana, e isso só ocorre se a ética e a política forem os critérios de validação desses saberes (YOUNG, 2007).

É por essa defesa e olhar para a prioridade do conhecimento, pela concepção da educação como uma atividade prática e especializada, que reiteramos a justificativa da escolha de Young para um diálogo com os demais autores. O autor propõe discussões sobre as práticas escolares, considerando que questionamentos como “O que estamos ensinando?” ou “O que todos os alunos deveriam saber ao deixar a escola?” são essenciais para outros desdobramentos que visam apontar um caminho para a minimização ou extinção da crise educacional hoje instaurada.

Apesar da potência das questões anteriores, percebe-se que as manifestações dos professores nos espaços escolares são quase sempre em relação ao comportamento, às notas, ao aprendizado, às condições sociais e econômicas em detrimento ao que se disponibiliza a eles como conteúdo/conhecimento. Seria como se ao fechar a porta de sua classe o professor não devesse nenhuma satisfação a ninguém. Seu saber diz respeito somente a si, não devendo ser posto em discussão ou reflexão, ainda mais quando quem o faz é quem não pertence18 àquela área.

Essa postura, de resistência a interferências externas, também é uma forma de sacralização do conhecimento. Isto significa torná-lo intocável, sagrado e de difícil acesso até mesmo pelos estudantes – indivíduos legitimados a receberem-no. A consequência dessa superproteção ao conhecimento é a perda da autoridade por parte dos professores, já que os mesmos abrem mão do que lhes confere esse lugar, a saber: a condição de superioridade por saberem mais que seus alunos, como se “a autoridade fosse algo incômodo e não democrático” (

YOUNG, 2016, p. 10).

Com inspiração em Arendt, Masschelein e Simons (2017a) alegam que o que faz o professor é colocar algo sobre a mesa e, deste modo, assumir sua autoridade e responsabilidade no tocante à tarefa de educar. No entanto, como já observamos em outro momento, é justamente por conferir autoridade ao professor, por ter características mais rígidas, que a escola é taxada como autoritária, obsoleta, deformadora e pouco ou nada

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É possível enxergar nitidamente essa resistência quando a coordenação pedagógica propõe um acompanhamento do planejamento dos professores. Neste instante, rapidamente, é taxada como fiscalizadora, autoritária e sem legitimidade para essa atribuição.

64 criativa. E, na busca de desconstrução destes pressupostos é que se inaugura uma série de equívocos em relação ao que é ao que não é específico da escola.

A primeira atitude equivocada é o abandono da autoridade por parte dos professores, pois começam a conceber que não são mais eles que decidem e selecionam o que os alunos devem aprender, mas sim os próprios estudantes. Abrem mão do que fornece a base de sua autoridade, que é o conhecimento de sua disciplina (YOUNG, 2011). Esta postura resulta do que Young (2016) afirmava anteriormente de que assumir a superioridade de conhecimento e de permanência no mundo parece algo pouco democrático e incomoda alunos e professores. São feitas confusões com conceitos muito distintos, como autoridade e autoritarismo. Kohan (2017) faz uma contribuição pertinente no que concerne a essa diferenciação.

A autoridade diz respeito não a um exercício de poder, mas ao sentido de autoria que inaugura com sua tarefa: algo com autoridade diz algo, significa, abre um sentido, fala, dá vida, aumenta o mundo, cuida dele: a partir do ato de um professor o mundo ganha um outro sentido para o aluno (KOHAN, 2017, p. 79).

Quando se abre mão do conhecimento, quando afastamos ele de nossas searas, irremediavelmente estamos abrindo mão da autoridade que nos foi conferida. E, o que é ainda pior, novas autoridades surgem para ocupar o espaço que por nós é deixado. Autoridades que inspiram suspeitas pela rapidez em que se erguem, se consolidam e nos fazem reféns delas. Podemos tomar como exemplo disso as mídias, as novas pedagogias/metodologias, os novos “formatos” de escola.

Conforme Bauman (2009), estamos diante de uma concorrência de autoridades, todas reivindicando seu espaço. Esse fenômeno faz com que fiquemos confusos e não encontrado um “porta-voz confiável”. As autoridades passam a ser periódicas em contraposição a referências permanentes. Desaparecem com a mesma facilidade e rapidez com que emergem, deixando-nos novamente “órfãos”. Na tentativa de evitar tamanha efemeridade é que a educação deve tomar para si o título e a designação de autoridade no quesito conhecimento, criando um referente mais sólido para os novos no mundo.

Manter o conhecimento longe das discussões escolares, resistir em revê-lo como conteúdo, deixá-lo de certa forma “longe” dos estudantes são atitudes contrárias à profanação proposta por Masschelein e Simons quando decidem defender a escola. Reiteramos que, para os autores (2017), profanar é opor-se a tornar algo inacessível ou intocável. Tornar profano é garantir que todos tenham acesso a algo no mundo, neste caso, o conhecimento, é tornar algo público, disponível para uso livre e novo.

65 Young (2016) sugere que um dos motivos que levam os professores a eximir-se de apresentar o conhecimento aos alunos, isto é, profaná-lo, é uma nítida incompreensão e diferenciação entre valores culturais19 de uma comunidade com as explicações apresentadas pelas disciplinas escolares. Seriam, respectivamente, como significados específicos do contexto e significados independentes do contexto. Estes últimos são aqueles conhecimentos que permitem que façamos generalizações que ultrapassam características locais. O fato de conhecer a minha cidade não me permite falar sobre outras cidades, caso não me tenham sido apresentadas especificidades que propiciem que conceitue deste modo, exemplifica Young (2016).

A esse conhecimento, passível de generalizações, Young (2016) nomeia de “conhecimento poderoso”. Para o autor, é este tipo de conhecimento que deve povoar a educação escolar. Afirma, por sua vez, que a inspiração para a criação do termo foi a partir de um fato histórico experienciado por ele. O mesmo nos conta que com o fim do apartheid, na África do Sul, a intenção era construir um sistema educacional mais justo, inspirado principalmente na “educação popular” de Paulo Freire, em oposição à ideia de transmissão de conhecimento, que era visto como hierárquico e opressor. No entanto, mesmo que com a boa intenção da proposta, professores não estavam preparados para a tarefa, não sabiam como lidar com essa liberdade, pois a maioria desses educadores negros não tinha sequer alguma instrução pós-escola básica. Como, então, seria possível que construíssem um currículo? Esse fato fez o autor concluir que a crítica ao passado, bem como a experiência e os valores democráticos não bastam para a emancipação. A eficácia da educação está no seu caráter especializado, devendo o currículo deve guiar-se por esse critério, assim como a escolha de professores.

Refletindo sobre essa experiência e as relações de poder e opressão que podem se estabelecer no currículo, como se anunciava na África do Sul, é que Young faz uma mudança sintática, suprimindo o determinante DOS e a desinência de número na construção:

19 Young coloca ainda que os educadores entendem que a verdade oferecida pelas disciplinas seria, de certa forma, um desrespeito aos valores culturais destes alunos. Essa afirmativa pode ser exemplificada na prática quando incontáveis vezes somos silenciados por pressões externas e internas à escola. A justificativa é exatamente a que Young coloca, o conhecimento é encarado como um desrespeito à cultura e às crenças daquela comunidade, não é permitido ao aluno a possibilidade de enxergar certas coisas de um outro modo, a partir do que lhe foi apresentado na escola. Frases como “Isso foi sempre assim, não adianta você ensinar diferente”, “Daqui a pouco vai aparecer um pai reclamando”, “Fazer isso é só para criar conflito e inimizades” são usadas para podar o conhecimento. Isso ocorre, por exemplo, quando falamos de “Áreas de Preservação Permanentes”, “Evolução”, sobre o “Estado”, sobre o “Fenômeno religioso”, dentre diversos outros assuntos que para algumas instituições são intocáveis ou devem “passar batido”.

66 “conhecimento dos poderosos” resultando em “conhecimento poderoso” somente, tirando o caráter de pertencimento desse tipo de conhecimento a alguém.

Conforme Young (2016), a conceituação de conhecimento poderoso consiste em admitir que existe um melhor conhecimento em todas as áreas e também por reconhecer que existem diferentes tipos de conhecimento. No primeiro caso, a ênfase está na seleção do que seria relevante ensinar na escola em cada área do conhecimento, isto é, o que cada componente oferece de melhor, de substancial e indispensável à compreensão do mundo. No segundo, trata-se de distinguir os tipos de conhecimento, fazer uma divisão entre os saberes da experiência ou do cotidiano e os saberes elaborados, legitimados por comunidades de especialistas. Tal diferenciação não deixa de ser também uma seleção, visto que far-se-á uma escolha de saberes para povoar o currículo.

Não se trata de adjetivar, dentre os tipos de conhecimento, um como bom e outro como ruim, de modo a erradicar da escola aqueles que definirmos como inferiores, mas sim compreender que eles possuem características e finalidades diferentes. Cientes disso, há que se compreender as especificidades de cada um, e desenvolver a capacidade de eleger quais destes saberes predominarão no ensino escolar. Não é um movimento de exclusão e sim de priorização sobre quais elementos guiarão o currículo e, consequentemente, a formação escolar.

Dentre as acusações dirigidas à escola, aludidas pelos autores belgas no livro Em defesa da escola (2017), uma delas se refere justamente à seleção de conhecimentos que compõe o currículo. Com frequência a escola é acusada de estar desconectada da realidade, da experiência, da prática, em resumo: “distante do mundo” (MASSCHELEIN e SIMONS, 2017, p. 45). O contraponto dos teóricos se alicerça na alegação de que a escola “não é um campo de treinamento para aprendizes” (2017, p. 43). O que ela faz é justamente suspender as aplicações mais imediatas para os objetos ou matérias para, a partir disso, transformá-los em objetos de estudo, possibilitando, em última instância, que esses jovens possam trazer o novo para o jogo.

Em resposta, queremos argumentar que a profanação e a suspensão tornam possível abrir o mundo na escola e que ela é, de fato, o mundo (e não necessidades e talentos individuais de aprendizagem) que está sendo revelado. [...]. A escola não está separada da sociedade, mas é única, visto que é o local, por excelência, de suspensão escolástica e profanação pela qual o mundo é aberto (MASSCHELEIN e SIMONS, 2017a, p. 45).

67 Reportando-nos aos escritos condorcetianos, uma das associações possíveis é pensar que a abertura do mundo pela suspensão e profanação – conforme querem os autores belgas – se dá pela instrução. Esta, suspende e profana à medida que se pretende universal, isto é, alcançar a todos os cidadãos da República, sem exceção relativa à classe social, cor, sexo e outros determinantes. Ao propor essa universalização, Condorcet torna o saber algo público, acessível a todos, não mais privilégio de uma minoria abastada. E mais, para ele a principal vantagem de uma educação igualitária seria a expressiva redução da subordinação instaurada pela desigualdade de conhecimentos. Ou, conforme Brutti (2014, p. 117), a educação republicana “não anula as diferenças individuais e a diversidade de talentos e profissões, senão que previne do risco que essas diferenças se traduzam em hierarquia social não acordada entre os cidadãos”.

Quando Cordorcet trata dos conhecimentos a serem ministrados no espaço escolar ele elabora a distinção entre educação e instrução, da qual tratamos anteriormente. O que destacamos aqui é que o caráter instrucional da escola republicana assemelha-se ao que trouxemos de outros autores, uma vez que os escritos do Marquês movimentam-se em direção à defesa de uma escola que tem seus pilares fundados no conhecimento, nas comunidades de especialistas, nos saberes construídos ao longo do percurso de nossa história.

A diferenciação marcante entre educação e instrução feita pelo Marquês pode ser transposta ou atualizada pela distinção entre conhecimento escolar e não-escolar, ou pelos conhecimentos dependentes e independentes do contexto, ambas concepções aludidas por Young. Na época em que Condorcet propõe essa distinção entre educação e instrução seu argumento é o de que algumas pautas, justamente por não terem uma base sólida, não estariam sujeitas a acordos ou passíveis de questionamentos e respostas racionais, e por esse motivo deveriam manter-se afastadas da instrução pública, trazendo a religião como principal exemplo disso.

Reiteramos que o objetivo central da instrução era manter o povo longe da ignorância, guiado pelas luzes. Esse afastamento da ignorância não resultaria do convívio doméstico ou nas relações de trabalho, uma vez que ambas as esferas têm objetivos mais imediatos, instrumentais, ligados à sobrevivência ou à cultura. Nestes ambientes não há compromisso com demandas coletivas. por exemplo. O que existe é um cuidado com os pares, justificado por laços afetivos e parentais. Caso haja qualquer preocupação com um coletivo, essa certamente é restrita e guiada por critérios particulares. Em vista disso, os conhecimentos

68 mobilizados nessas relações são aqueles necessários à situação, isto é, dependentes do contexto.

Conhecimentos dependentes do contexto, segundo Young (2007), estão ligados à resolução de problemas específicos do cotidiano como saber ler um manual, executar algum

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