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A perspectiva moderna da C&T e sua influência no ensino de engenharia

Autores ligados ao movimento CTS consideram que a perspectiva moderna da C&T pode ser caracterizada pelo enfoque do Relatório de Vannevar Bush, um cientista norte-americano que foi diretor da Office Scientific Research and Development (Agência para a Pesquisa Científica e o Desenvolvimento, EUA) durante a Segunda Guerra Mundial, e teve um papel protagonista na materialização do Projeto Manhattan para a construção das primeiras bombas atômicas.

O Relatório Bush intitulado Science: The endless frontier (Ciência: a fronteira inalcançável) prescrevia o nexo entre o conhecimento científico acerca das leis da natureza e o controle tecnológico da natureza mesma para o benefício e o progresso da humanidade. Sua implementação mais completa e de maior êxito foi a organização da ciência norte-americana durante a Guerra Fria, e se interioriza hoje em todos os níveis da complexa e diversificada empresa de pesquisa moderna. Também interpenetra a sociedade industrial como um todo (Sarewitz, 2001, pp. 155- 171). Em outras palavras, traça as linhas mestras da futura política tecnológica norte- americana, reforçando o modelo linear de desenvolvimento: o bem-estar nacional depende do financiamento da ciência básica e do desenvolvimento sem interferência da tecnologia, assim como da necessidade de manter a autonomia da ciência para que o modelo funcione. O crescimento econômico e o progresso social viriam por conseqüência.

Bush declarava que,

A pesquisa básica conduz a novo conhecimento. Proporciona capital científico. Cria a base a partir da qual as aplicações práticas do conhecimento hão de construir-se. Os novos produtos e processos não aparecem totalmente desenvolvidos. Fundamentam-se sobre novos princípios e novas concepções que são cuidadosamente desenvolvidos pela pesquisa no reino mais puro da ciência... as universidades públicas e privadas e os institutos de pesquisa hão de proporcionar tanto o novo conhecimento científico como os pesquisadores formados... É muito importante que nessas instituições os cientistas possam trabalhar em uma atmosfera relativamente livre da pressão adversa da convenção, do prejuízo e da necessidade comercial (Bush, apud González García, Cerezo e Luján, 1996).

No rastro da história é preciso mencionar que o exemplo dos Estados Unidos será seguido pelo resto dos países industrializados ocidentais durante a Guerra Fria, que se envolveram ativamente no financiamento da ciência para a produção de armamentos para as guerras da Coréia e do Vietnã. Por exemplo, em 1954, é criado na Suíça o Centro Europeu de Investigação Nuclear (CERN, Centre Européen de lá Recherche Nucleaire), como resposta européia à corrida internacional na pesquisa nuclear (Palacios et alii, 2001).

O mesmo relatório evidencia que,

O progresso na guerra contra a doença depende do fluxo de novos conhecimentos científicos. Os novos produtos, as novas indústrias e a criação de postos de trabalho requerem a contínua adição de conhecimento das leis da natureza, e a aplicação desse conhecimento a propósitos práticos. De uma maneira similar, nossa defesa contra a agressão requer conhecimento novo que nos permita desenvolver armas novas e melhorá-las. Este novo conhecimento essencial só pode ser obtido através da pesquisa científica básica… Sem progresso científico nenhum sucesso em outras direções pode assegurar nossa saúde, prosperidade e segurança como nação no mundo moderno (Bush, apud Palacios et alii, 2001, p. 122).

Enfatizando a necessidade de financiamento público da pesquisa básica, poder- se-ia dizer, concordando com Fuller, que se matavam dois coelhos com uma só cajadada: por um lado se promovia a autonomia da instituição científica frente ao controle político ou ao escrutínio público, deixando nas mãos dos próprios cientistas a localização dos recursos próprios do sistema de incentivo do conhecimento e, por outro, favorecia-se uma projeção de longo prazo da pesquisa que, segundo a experiência da guerra, havia demonstrado ser necessária para satisfazer as demandas militares no âmbito da inovação tecnológica (Fuller, 1999, p. 117).

De acordo com Sarewitz, o auge do programa de Vannevar Bush pode ser simbolizado por resultados como a vacina contra a poliomielite, a bomba de hidrogênio, a invenção do transistor, a clonagem da ovelha Dolly, a derrota do campeão de xadrez Gary Kasparov pelo computador Deep Blue ou a “instantaneidade” da comunicação global promovida pelas TIC, mas o argumento geral é de que os assuntos humanos são agora mediados em todos os níveis e em qualquer escala por tecnologia de base científica e pela atividade econômica que gera (Sarewitz, 2001, p. 159). Entretanto, isto não significa, como defendem alguns otimistas, que estas conquistas constituam o caminho da salvação da humanidade – e ironicamente da natureza –, e tampouco se pode afirmar, como querem os pessimistas, que isso seja indicativo de desastre progressivo.

a idéia de que algum tipo desejável de estado estacionário, como condição metaestável para a humanidade, pode estar realmente ao alcance recebeu de fato a mesma aceitação entre otimistas e pessimistas, como expressa o conceito econômico e ambiental de desenvolvimento sustentável, o ideal político do ‘fim da história’, a visão tecnologicista da natureza como uma cornucópia infinita e o ciclo da vida humana que se pode alargar infinitamente” (Op. Cit., p. 160).

No entanto, este autor assevera que tanto a realidade da natureza quanto da democracia revelam tensões cruciais no programa ilustrado para a ciência.21 Em termos de natureza, o paradoxo centra-se no fato de que, ao mesmo tempo em que admite o crescimento do grau de controle proporcionado pela ciência e pela tecnologia, aumenta o espaço da incerteza e o risco potencial associado às suas realizações.

O que dizer em termos de humanidade? Acontecimentos como os de 11 de setembro de 2001 e suas conseqüências parecem agir como uma luz de alerta com relação a estas visões mais otimistas, planos e conceitos que, fatalmente, em função deste que está sendo considerado um ponto de inflexão histórico, deverão servir de referência para as ações relacionadas com o empreendimento científico-tecnológico, do mesmo modo que para as ações educativas em ciência e tecnologia.